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Do Massacre de Tlatelolco ao Massacre de Iguala no México

5 RUAS: PROTESTOS EXPRESSIVOS NO MUNDO

5.10 Do Massacre de Tlatelolco ao Massacre de Iguala no México

Há registro de desrespeito sistemático a manifestantes no México. Apesar da longa vigência da Constituição e a ausência de uma lei que regule esse direito ocorra devido aparentemente a um hipotético respeito irrestrito, a vida cotidiana e a história demonstram severas limitações a essa liberdade na prática, sendo frequente a intervenção estatal violenta, com força excessiva, uso indevido de arma de fogo, prisão arbitrária, assassinatos, tortura e violência sexual, como episódios na cidade de Aguas Blancas, Guerrero em 1995 por autoridades locais; em San Salvador, Atenco, em 2006 por autoridades locais e federais, e em Oaxaca em 2006 e 2007 (NETZAI, 2013; LUCE et al., 2011). Assim, os casos detalhados que seguem ilustram a situação.

Entre julho e outubro de 1968 aconteceu uma intensa mobilização dos estudantes mexicanos às vésperas das Olimpíadas que seriam realizadas no país. Numa primeira etapa, ocorreu um enfrentamento entre estudantes, atuação policial repressora no campus da UNAM (Universidad Nacional Autónoma de Mexico), ocupação parcial da universidade por

estudantes e busca policial por estudantes franceses que haviam participado das revoltas do mês de maio na França. A busca resultou em 400 feridos e prisão de cerca de 1.000 estudantes. Em resposta, foi decretada greve geral em várias universidades do país, fazendo o movimento estudantil crescer em dimensão política e o governo mudar de tática, decidindo negociar. Em agosto, um conselho nacional de greve foi formado e se realizou uma manifestação na praça central da cidade do México com mais de 400.000 pessoas, atraindo várias categorias de trabalhadores. Uma nova grande manifestação foi marcada para 13 de setembro, assumindo o movimento caráter político nacional com a participação de trabalhadores, jovens, entidades populares e sindicais independentes. Ainda em setembro, o reitor da UNAM se demitiu após a ocupação da universidade por mais de 10.000 soldados (ANDRADE, E., 2008).

Os protestos, na ocasião, apresentavam como pauta seis exigências fundamentais: liberdade para os presos políticos; demissão de chefes militares envolvidos; extinção definitiva do corpo de grupos paramilitares; revogação de artigos do Código Penal sobre o crime de desordem social, empregado como instrumento legal para impedir manifestações; indenização das famílias de mortos e feridos nos protestos; e apuração de responsabilidade por atos violentos praticados por policiais, paramilitares e exército (ROSEMBERG, 2009).

Em 2 de outubro, os estudantes em greve há nove semanas realizaram uma nova manifestação empunhando cravos vermelhos. O Exército, então, cercou aproximadamente 5.000 manifestantes, muitos acompanhados de familiares, e diferentes categorias sindicais na Praça das Três Culturas, também conhecida como Tlatelolco, iniciando a violência, juntamente com grupos paramilitares. Sob cerco, os participantes foram alvejados por balas e bombas e até hoje há controvérsia sobre número de manifestantes mortos, alguns apontando entre 200 e 300 mortos e o governo alegando apenas 4 mortes e 20 feridos. O Massacre de Tlatelolco incluiu não apenas assassinato como também a prática de outros crimes como lesão corporal, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, tortura, condescendência criminosa e tráfico de influência, sem a devida responsabilização (HERNANDEZ, 2008).

Em 1971, outro massacre estudantil. A Universidade Autônoma de Nuevo Leon, em Monterrey, foi fechada por manifestantes em protesto contra a redução de autonomia universitária. Estudantes da capital programaram, então, uma marcha para apoiar a reivindicação no dia 10 de junho, a primeira grande manifestação estudantil desde o Massacre de Tlalteloco. Assim, enquanto cerca de 10.000 manifestantes seguiam por uma avenida, foram atacados por dezenas de jovens vestidos em roupas civis e armados com correntes e cassetetes, enquanto policiais assistiam a cena sem interferir, resultando em 25 estudantes

mortos e dezenas de feridos. A violência do episódio, chamado Matança de Corpus Christi ou Halconozada, havia sido executada pelo grupo Halcones (Falcões em português), formado por criminosos de aluguel alistados, treinados e armados pelo governo da Cidade do México com a função de reprimir o movimento estudantil. Documentos secretos do governo dos Estados Unidos desclassificados evidenciaram as origens e o papel do grupo, fundado em 1968 e com treinamentos fornecidos inclusive pela polícia norte-americana a pedido do governo mexicano (DOYLE, 2003).

Anos depois, outra matança no México envolvendo a efetividade da liberdade de reunião, agora envolvendo jovens de 15 a 25 anos. Em setembro de 2014, estudantes, na sua maioria filhos de camponeses, em uma prática comum geralmente sem violência e com devolução dos veículos após o uso, tomaram alguns ônibus para uma viagem até a Cidade do México, com o intuito de participar da marcha anual em memória do Massacre de Tlatelolco. Quando seguiam para o destino, à noite, policiais estaduais, municipais e civis armados cercaram três ônibus no povoado de Iguala, enquanto a polícia federal perto do local desviava o trânsito e os curiosos para outras ruas. Mais de cem estudantes do município de Ayotzinapa, que vinham sendo monitorados pelas autoridades estaduais, municipais e federais desde a saída da escola, foram atacados com armas de fogo durante várias horas resultando em 3 estudantes assassinados, mais de 10 feridos e 43 ainda hoje desaparecidos, no chamado Massacre de Iguala (HERNANDÉZ; FISCHER, 2015a; 2015b).

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 03 de outubro de 2014 adotou, então, medida cautelar determinado que o Estado mexicano identificasse a situação e o paradeiro dos 43 estudantes, protegesse a vida e a integridade dos feridos, combinasse a realização das medidas com beneficiários e representantes das vítimas e apresentasse relatório acerca da investigação dos fatos. Além disso, com a concordância do governo mexicano, a Comissão enviou o Interdisciplinary Group of Independent Experts (IGIE) para realizar uma investigação autônoma, que apresentou após seis meses de trabalho, em setembro de 2015, um relatório preliminar, no qual registra, entre as conclusões, a atuação das forças de segurança no massacre (OEA, 2014; 2015).