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Eventos religiosos: procissões católicas e Marcha para Jesus

6 RUAS: PROTESTOS EXPRESSIVOS NO BRASIL

6.3 Eventos religiosos: procissões católicas e Marcha para Jesus

Em 23 de julho de 2013, segundo o Portal G1 (ABERTURA..., 2013), o início oficial da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) reuniu 400 mil pessoas numa cerimônia realizada na Praia de Copacabana, cidade do Rio de Janeiro. O evento internacional, organizado pela Igreja Católica, começou por volta das 16h, com um clipe, mas às 15h30min, centenas de jovens de diversos países, com bandeiras levantadas, já assistiam aos apresentadores falarem do evento. Além de esportes e banhos de mar, peregrinos tomavam caipirinha. Na ocasião, o Poder Executivo estadual reconheceu ter fornecido passes de transporte para peregrinos no valor total de R$ 26 milhões (BRITO et al., 2015c).

A missa teve início às 19h30min e um dos sermões citou os jovens desempregados, sem família, sem pátria, sem direitos, os que perambulam pelas ruas ou se encontravam detidos, lembrando ainda jovens mortos na Chacina da Candelária. Além da multidão concentrada em frente ao palco, diversos grupos assistiram à programação em vários telões espalhados na área. A celebração acabou por volta das 21h20min e naquele dia confessionários instalados em praças e locais de grande fluxo de pessoas na cidade foram

destaque. Acontecimentos religiosos como esse, evidentemente, não são uma novidade na história do Brasil. No período colonial, o espaço de sociabilidade para a maior parte da população se realizava fora do âmbito domiciliar exatamente nas festas religiosas de rua, principal momento de interação social.

As práticas católicas eram marcadas por efusivas manifestações de fé visíveis nas missas e procissões repletas de alegorias em eventos com músicas, danças, comidas, bebidas e fogos de artifício, com participação não apenas dos moradores locais como também dos arredores. As cidades e as vilas se tornavam, então, palco de sociabilidade numa época em que grandes distâncias separavam a população e os transportes eram escassos, além da falta de recursos de uma parcela considerável da população, o que tornava o evento festivo uma oportunidade única de descanso, prazer e alegria, confraternização e divertimento. A presença em algumas procissões era até obrigatória por força de ordenações emanadas de Câmaras Municipais, sujeitando os faltosos a multas e mesmo à prisão. Algumas festas religiosas que atualmente movimentam milhões de pessoas advêm desse período, enquanto outras foram sendo incorporadas no calendário religioso posteriormente, somando em 1999, segundo dados do governo federal, aproximadamente 15 milhões de participantes (JURKEVICS, 2005).

Segundo Jurkevics (2005), o maior evento religioso do Estado de Alagoas, por exemplo, ocorre anualmente na cidade de Penedo, uma procissão fluvial no Rio São Francisco que chega a contar com 100 mil pessoas. Outro destaque é a Festa da Nossa Senhora da Boa Morte, celebrada na Bahia desde os primórdios do movimento abolicionista, com repertório marcado pelo sofrimento dos escravos. A Folia de Reis, Reisado ou a Festa dos Santos Reis é um auto popular que procura rememorar a jornada dos reis Magos para levar presentes até o menino Jesus. Conta com bandeireiro carregando o estandarte, palhaços mascarados com fardas floridas dançando, cantorias de tema religioso e a reza de finalização, seguindo-se comida e bebida. Bastante popular, é realizada em diversas regiões com alguma variação.

No Pará, todos os anos, em outubro, uma multidão se acumula nas ruas históricas de Belém para celebrar o Círio de Nazaré, mobilizando boa parte da cidade. Desde outubro de 1793, quando o Círio foi comemorado pela primeira vez, a festa se repete. Ao todo são quinze dias de manifestações religiosas que começam com uma romaria fluvial, sendo marcante a disputa por tocar a corda que puxa o carro com a imagem da Santa. O trajeto dura mais de seis horas e muitos desmaiam. Na década de 80, a Igreja pretendeu extinguir o uso da corda, alegando falta de sacralidade. Houve protesto nas ruas e confronto com a polícia, mantendo-se a performance. Conforme Jurkevics (JURKEVICS, 2005, p. 86), esses festejos, marcados majoritariamente por procissões, simbolizam o caminho percorrido pelos devotos em direção

ao sagrado, indo além de um grupo de pessoas marchando para significar um momento de irmandade em uma caminhada espiritual.

Atualmente, ganhou evidência no cenário das cidades brasileiras um cortejo evangélico, a Marcha para Jesus, influência direta da City March realizada em Londres em 1987 como resposta às manifestações de grupos descontentes com o governo da primeira- ministra Margareth Tatcher (SANT´ANA, 2014). A partir daí, a March for Jesus, como passou a ser chamada, se tornou um evento internacional realizado em mais de cem cidades e baseado na música como forma privilegiada de evangelismo fora dos templos. Diferente de outros países, em que há participação de protestantes e católicos e até reivindicações de minorias, no Brasil passou a ser realizada em 1993 para da maior visibilidade aos evangélicos unicamente e é organizada em conjunto com setores da indústria de música gospel. No evento, incluído no calendário oficial como Dia Nacional da Marcha para Jesus (Lei 12.025/2009), pastores, políticos, músicos e um público de evangélicos de diversas igrejas reivindicam a ocupação da cidade em nome de Jesus, com o intuito de mostrar a força da religião.

As atrações musicais ocupam mais de 90% do evento e trios elétricos guiam a multidão com canções que orientam o tempo e os ânimos até um grande palco, local dos principais shows do dia. A Marcha para Jesus de São Paulo de 2013, por exemplo, contou com quase 20 horas de shows, presentes nomes importantes do cenário gospel e vinculados a diversas gravadoras. Na fala dos pastores, todo o mal, aí consideradas a violência urbana, a pobreza, a prostituição, a homossexualidade, a poluição e a corrupção, estaria relacionado ao Diabo, havendo ainda reivindicação de recursos públicos para o financiamento da Marcha como manifestação cultural (SANT´ANA, 2014).