• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2 Urânio: motor do envolvimento português no nuclear, 1947-1954 75

2.5 Considerações finais 130

As negociações do urânio caracterizaram-se pela conduta de dois interlocutores conscientes do seu poder, Salazar, o ditador, e os monopolistas anglo-americanos, comandados pela máquina americana devoradora de urânio para o armamento nuclear. Este processo, que se arrastou durante todo o período de 1947 a 1954, ficou marcado pelo desempenho de Salazar enquanto chefe da diplomacia. Ao princípio, respondendo com relutância aos insistentes pedidos britânicos para iniciar negociações e, depois, resistindo a alterar as condições

                                                                                                                         

142 S.A. “Actividade académica do Instituto Português de Oncologia”, Boletim do Instituto Português de Oncologia, XX (2) (1953): 11-13.

143 AIC, Centro de Estudos de Física Nuclear anexo ao IPO, 3243/4,“Notas para a visita de 1 de Fevereiro de 1955”, Comissão de Estudos de Energia Nuclear, Centro de Estudos de Física, Secção de Lisboa, s.d., p.3. Esta visita foi decidida na sessão da Junta de 5 Janeiro 1955.

144 ANTT, PIDE-DGS, Manuel José Nogueira Valadares, SR 229/47 NT2592, “Ficha de Informação”, fls. 289-91.

acordadas em 1949. Salazar percebia a desvantagem de negociar enquanto não houvesse mercado para regular os preços do urânio, uma situação que os seus opositores usaram conscientemente em seu proveito.

Afinal Salazar acabou por ceder às pressões do governo britânico para adquirir a quantidade de minério anteriormente detectada pela prospecção nas minas de que detinha a concessão, provavelmente porque pesaram mais as razões estratégicas no quadro do novo relacionamento da Guerra Fria em que a NATO tinha um peso decisivo. Além disso, as condições de venda, que assentavam no pagamento de taxas ao governo português, resultaram em proveitos reconhecidamente baixos como ficou explícito na nota “Para a direcção política”, na sequência da troca de cartas secretas de 11 de Julho de 1949. Em 1952, o consórcio anglo-americano não perdeu tempo em pedir a renegociação do Acordo de 1949, após ter detectado novas fileiras de minério de urânio. Enquanto Salazar se preocupava em “guardar uma riqueza para o futuro”, os americanos pretendiam garantir a exclusividade sobre todo o urânio, o mais rapidamente possível, não só para garantir o fornecimento da sua indústria de armamento mas também para impedir que outros países tivessem acesso a ele. A política do segredo em relação às quantidades e à qualidade do minério também servia os mesmos objectivos monopolistas. Por outro lado, este conhecimento podia fornecer informação à União Soviética sobre o arsenal bélico americano.

Há ainda a questão económica. Durante o período tratado neste capítulo foi limitado o impacto da exploração e exportação do urânio no domínio económico português, salvo o resultante do aumento do emprego nas minas e as taxas cobradas, de valor pouco importante, entre o final de 1951 e 1954. O problema das taxas terá novos desenvolvimentos após 1954 e será analisado no capítulo seguinte.

A insistência do embaixador britânico em discutir directamente com Salazar os problemas da exportação do urânio, e o material contido no arquivo de Salazar na Torre do

Tombo são evidência clara de Salazar ter sido o responsável de todo o processo da negociação. Esta responsabilidade incluía a decisão de guardar o urânio para um futuro em que o mercado, hipoteticamente, controlasse os preços. Nesta linha de pensamento de Salazar não se encontra vestígios de uma política de autarcia energética ou qualquer intuito de guardar o urânio com esta finalidade para o futuro. Provavelmente, Salazar estava consciente da falta de condições científico-tecnológicas nacionais para um empreendimento de produção de energia, o qual envolveria recursos materiais avultados e um programa intenso de formação de quadros científicos e tecnológicos. Por outro lado, estava em execução um projecto de industrialização assente na electrificação do país baseada na construção de barragens que tornava o recurso ao urânio desnecessário. A posição de Salazar contrasta com a dos físicos, geólogos e engenheiros para quem a posse do urânio deveria abrir caminho às centrais nucleares e outras aplicações industriais, orientadas para o desenvolvimento económico do país.

O lançamento tardio do programa nuclear português pode ser explicado pelo facto do governo de Salazar ter compreendido finalmente a importância de um plano de prospecção do urânio, fundamental para a exportação que viria a ser a principal atribuição da Junta. Por estas razões, é bem provável que o programa nuclear português não chegasse a ser lançado na ausência de jazigos de urânio.

A construção do programa nuclear ficou entregue ao Instituto de Alta Cultura confiando a Leite Pinto a condução do novo processo, que exigia a preparação científica e tecnológica de quadros. A “Primeira Reunião Preparatória da Comissão de Energia Atómica” de 19 de Fevereiro de 1952, foi o primeiro passo do lançamento do programa nuclear português seguido do périplo de Leite Pinto pela Europa e da visita de Herculano de Carvalho a Inglaterra. A intervenção deste vogal do IAC sobre os problemas da formação científica e tecnológica, na Primeira Reunião, deve ser valorizada, assim como a sua participação na

instalação dos centros de estudos e na formação no estrangeiro. A Comissão Provisória de Estudos de Energia Nuclear, criada a 10 de Outubro de 1952, tutelada pelo Instituto de Alta Cultura, teve como objectivo instalar centros de estudos de energia nuclear, anexos às Faculdades de Ciências, à Faculdade de Engenharia do Porto e ao Instituto Superior Técnico, dirigidos por professores sem experiência na área nuclear, à excepção de Branca Edmée Marques. Estes centros deveriam dedicar-se à especialização de técnicos necessários ao funcionamento da Junta de Energia Nuclear, fundada em 29 Março de 1954. O protagonismo de Leite Pinto no domínio da expansão cultural, o acompanhamento da investigação no CEF e o projecto de qualificação de quadros técnicos justificam que tivesse sido o IAC a preparar o lançamento da futura Junta de Energia Nuclear. Surge assim no panorama português o paradigma científico-tecnológico nuclear que continuará a ser estudado nos capítulos seguintes.

Capítulo 3 A Junta de Energia Nuclear: da emergência à internacionalização,