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Capítulo 2 Urânio: motor do envolvimento português no nuclear, 1947-1954 75

2.2 O monopólio anglo-americano dos recursos uraníferos 82

2.2.2 A corrida ao urânio 88

Antes da descoberta da fissão nuclear, o minério de urânio era procurado para extrair rádio, produzido por decaimento radioactivo a partir do urânio, sendo também procurado pela indústria cerâmica para ser usado como corante. O rádio era procurado para tratamento oncológico e para investigação fundamental em Física Nuclear e Biologia, ficando os compostos de urânio inutilizados enquanto subprodutos. Embora jazigos de pequena

                                                                                                                         

39 Goldschmidt, Le complexe atomique (ref. 13), pp. 67-68. Para uma descrição mais detalhada da participação britânica no projecto americano ver Gowing, Britain and Atomic Energy (ref. 13), pp. 238-44.

dimensão se encontrassem dispersos por vários países, as grandes concentrações conhecidas, no início da década de 1940, situavam-se na ex-Checoslováquia, no ex-Congo Belga e no Canadá. O minério do Congo, com altos teores de urânio, 30% a 70% em comparação com menos de 1% dos minérios pobres, era propriedade da Union Minière Du Haut Katanga, uma sociedade de capitais belgas e ingleses, sendo estes minoritários41.

Após a descoberta da fissão e da eclosão da II Guerra Mundial, a localização dos depósitos de urânio foi a primeira preocupação dos investigadores do Reino Unido, por um lado, para responder às necessidades da investigação e, por outro, para procurar meios de impedir o seu acesso aos alemães. Em Maio de 1939, Edgar Sengier, presidente da Union Minière Du Haut Katanga, encontrava-se em Londres. Quando contactado por dirigentes britânicos, informou que as provisões sob o seu controlo eram restritas. Umas escassas toneladas de óxido de urânio concentrado estavam divididas por diversos locais. Sengier estava ao corrente das potencialidades do urânio, devido a contactos anteriores com Joliot e, conhecendo os receios britânicos do perigo alemão, prontificou-se a informar se algo de anormal surgisse, o que não se verificou42. Como numa fase inicial da investigação fundamental as necessidades de urânio para o projecto Maud não eram significativas, uma empresa inglesa adquiriu-o nos Estados Unidos e emprestou-o ao projecto Maud, contra o pagamento de perdas e transportes. No final de 1941, já com o Tube Alloys em andamento, foram adquiridas mais duas toneladas de óxido de urânio ao Canadian National Research Council pelos britânicos, que pediram para não informarem a companhia mineira do seu interesse. Mas o avanço das instalações de separação do urânio-235 e das pilhas atómicas a neutrões lentos faziam prever a necessidade de grandes quantidades de matéria prima e, no final de 1941, os britânicos começaram a preocupar-se com os fornecimentos futuros. O

                                                                                                                         

41 Margaret Gowing, Independence and Deterrence. Britain and Atomic Energy 1945-1952, Vol. 1 (London: Macmillan, 1974), pp. 349-50.

urânio do Congo e do Canadá tinha de ser assegurado antes dos especuladores fazerem subir os preços43.

Quanto aos EUA, em 1938, consumiram 168 toneladas de sais de urânio, 26 toneladas provenientes da carnotita extraída das minas do planalto do Colorado, 106 toneladas importadas do Congo e 36 toneladas do Canadá. Em Junho de 1940, ao verificarem que não havia reservas de urânio, os EUA iniciaram contactos com Sengier, a residir nos EUA durante a guerra, que mostrou pouco interesse em vender o urânio aos EUA. Contudo, uns meses mais tarde, a African Metals Corporation, filial da Union Minière, importou 1200 toneladas de minério com 65% de óxido de urânio que ficou armazenado em Staten Island44. Mais tarde, na primavera de 1942, Sengier ofereceu o urânio ao State Department e a agências da defesa, que não responderam à oferta, devido a instruções do Office of Scientific Research and Development (OSRD)45, liderado por Bush, ou por ignorância. Em Agosto seguinte, Bush

mudou a estratégia. Quando a Eldorado Gold Mines, Ltd. do Canadá mostrou interesse em adquirir 500 toneladas deste minério para a sua refinaria, Bush travou a compra, alertando o exército para que impusesse o controlo da exportação. No início de Setembro, através do State Department, as 1200 toneladas do minério congolês foram sujeitas as restrições de exportação e, rapidamente, o exército chegou a acordo com Sengier para a sua venda46. Destas

negociações resultou a compra de mais 3.000 toneladas que se encontravam em depósito na mina no Congo. No final de 1944, o exército tinha recebido um total de 3.700 toneladas de óxido de urânio contido em minério congolês para o projecto Manhattan47.

                                                                                                                          43 Idem, pp. 53 e 179.

44 Richard G. Hewlett, Oscar E. Anderson, Jr., A History of the United States Atomic Energy Commission. The New World, 1939-1946, vol. 1 (National Technical Information Service, U.S. Department of Commerce, Springfield, Virginia 22151, 1ª edição 1962, reimpressão 1972), p. 26.

45 O Office of Scientific Research and Development (OSRD) foi criado em Maio de 1941 para organizar a investigação civil e militar em estreita ligação com o presidente Roosevelt. Ver Kevles, The Physicists (ref. 18), pp. 297-301.

46 Hewlett, Anderson, The New World (ref. 44), p. 86. 47 Idem, p. 291.

O Canadá encontrava-se em segundo lugar na oferta de urânio. Os jazigos de Great Bear Lake, um subsolo rico em urânio quase no Círculo Polar Ártico, eram explorados pela Eldorado Gold Mines, Ltd. Antes da guerra, foram extraídas quantidades volumosas que não encontraram escoamento e por isso a mina foi fechada. Em 1942, os americanos interessaram- se pela reabertura da mina e com esse objectivo colocaram uma encomenda de 60 toneladas de óxido de urânio, que se revelou suficiente para o efeito. No verão encomendaram mais 350 toneladas e durante o inverno seguiu-se nova encomenda de 500 toneladas a qual assegurava aos Estados Unidos toda a produção do Canadá até ao final de 194548.

Os fornecimentos de urânio americano também provinham das minas do planalto do Colorado onde existiam alguns jazigos de carnotita, com urânio de alta qualidade, da qual eram extraídos rádio e vanádio, este em menor quantidade. A intensificação da procura do vanádio, durante a guerra, deu novo fôlego a esta indústria que produzia lamas com 50% de óxido de urânio. O contrato com as empresas produtoras de vanádio, resultou na produção de 800 toneladas de óxido de urânio, até ao final de 1944. Somando as quantidades de urânio de todas as proveniências, Congo, Canadá e locais, o exército dos EUA tinha assegurado 6.000 toneladas de óxido de urânio, em várias concentrações, suficiente para a operação das instalações até ao Outono de 194549.

Nos primeiros meses de 1942, os britânicos viraram-se para o Canadá para assegurar as suas necessidades em urânio, esperando resolver os problemas junto da mina de Eldorado. Contudo esta via estava obstruída pelo contrato dos EUA com o Canadá que lhes garantiu a compra de toda a produção até praticamente ao fim do ano de 1945. Não havia abertura para uma encomenda de 100 toneladas de óxido de urânio destinada ao Tube Alloys, antes de Setembro de 1944, pois, de acordo com as declarações de Groves, os argumentos de equidade na divisão do urânio, em termos do esforço de guerra dos aliados, concediam todos os

                                                                                                                         

48 Gowing, Britain and Atomic Energy (ref. 13), pp. 181 e 184 49 Hewlett, Anderson, The New World (ref. 44), 291-92.

fornecimentos aos Estados Unidos50. O recurso ao minério do Congo foi também considerado, mas encontrava-se igualmente num impasse, porque as minas estavam fechadas e havia falta de mão-de-obra. Outras fontes de urânio a que os britânicos tinham acesso, durante a guerra, encontravam-se na Austrália, Tanganika, Índia e Rússia, “além dos fornecimentos de Portugal”, mas era evidente que quantidades “satisfatórias de óxido dependiam de um acordo satisfatório com os Estados Unidos”51. As esperanças de resolução do problema de aquisição do urânio pelo Reino Unido passaram a residir no Acordo de Quebec de Agosto de 1943, que não correspondeu às expectativas dos britânicos.

Os americanos tinham assegurado o fornecimento de urânio até ao fim da guerra, mas no final de 1943 começaram a preocupar-se com o pós-guerra. O urânio congolês passou a ser prioritário. Em Novembro de 1942, iniciaram contactos com Sengier para reabrir a mina que tinha sido inundada. Dificuldades várias – a falta de mão-de-obra e de equipamento, a diminuição da produção de cobre que a abertura da mina representaria, e a situação singular de Sengier no exílio nos Estados Unidos a negociar um bem excepcionalmente valioso como o urânio – fizeram arrastar as conversações até ao final de 1943. Em Fevereiro de 1944, Sengier decidiu reabrir a mina e fornecer uma quantidade limitada aos EUA, mas os termos financeiros do contrato não satisfizeram Groves52.