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O Combined Development Trust para gerir o negócio do urânio 92

Capítulo 2 Urânio: motor do envolvimento português no nuclear, 1947-1954 75

2.2 O monopólio anglo-americano dos recursos uraníferos 82

2.2.3 O Combined Development Trust para gerir o negócio do urânio 92

O controlo sobre a maior reserva mundial do urânio, a do ex-Congo Belga, passou para o centro das atenções. Os britânicos não tinham participado nas negociações americanas com Sengier mas conheciam as suas tentativas de abertura das minas e começaram a considerar a hipótese de abordar o governo belga no exílio, em Londres. Entretanto, chegou ao

                                                                                                                         

50 Gowing, Britain and Atomic Energy (ref. 13), pp. 184 e 186. 51 Idem, p. 187.

conhecimento dos britânicos que Sengier não concordava com um negócio exclusivo, quer com os EUA quer com o Reino Unido. Os britânicos decidiram, então, abordar a questão na Combined Policy Committee, em Dezembro de 1943. Nesta altura os americanos já se tinham convencido que sozinhos não conseguiam obter nem o minério congolês nem os depósitos de outros países53.

Em Fevereiro de 1944, foi possível chegar a um acordo sobre o controlo dos fornecimentos de matérias primas. Este acordo, designado por Anglo-American Declaration of Trust, foi assinado por Roosevelt e Churchill, em 13 de Junho de 194454. O acordo partia da premissa, incluída no preâmbulo, que estabelecia ser “vital para os interesses comuns” dos Estados Unidos e do Reino Unido, durante a II Guerra Mundial, garantir a aquisição de um “fornecimento adequado de minérios de urânio e tório” através do controlo destes fornecimentos não só em todos os territórios sob a respectiva jurisdição ou influência, mas também noutros territórios. Para estes, os dois governos resolveram “estabelecer na Cidade de Washington, distrito de Columbia, um Trust para ser conhecido como Combined Development Trust”. Este Trust deveria empenhar todos os esforços no desenvolvimento da produção de urânio e tório “através da aquisição de minas e depósitos de minério, concessões de minas ou de outros meios”55. Contornando dificuldades legais, o Combined Development

Trust (CDT)56 foi constituído por uma administração com seis membros, três americanos, dois britânicos e um canadiano, com Groves na presidência. Este empreendimento, de grande solidez, asseguraria o monopólio anglo-americano-canadiano sobre as fontes ricas de urânio

                                                                                                                          53 Idem, p. 298.

54 Idem, Anexo 7, “Declaration of Trust”, pp. 444-46; ver também, Cantellon et al., The American Atom (ref. 20), pp. 34-36.

55 Idem, pp. 444-45.

56 O CDT passou a ser designado por Combined Development Agency (CDA), desde Janeiro de 1948. A designação Trust foi substituída por Agency porque sugeria monopólios privados poderosos e poderia lançar uma luz desnecessariamente sinistra sobre as actividades deste empreendimento, in Gowing, Independence and Deterrence (ref. 41), nota da p. 367.

do ‘mundo ocidental’ durante muitos anos, sobrevivendo “mesmo ao McMahon Act de 1946 americano, que destruiu a colaboração anglo-americana no domínio da energia nuclear”57.

O primeiro objectivo do CDT foi não só adquirir o urânio à Union Minière du Haut- Katanga para os tempos mais próximos, mas também impedir o seu acesso a qualquer outra potência, competitiva ou hostil.Em 1944, foi negociado o primeiro contrato com Sengier que envolveu o governo belga no exílio, preocupado em ajudar os Aliados, mas por outro lado consciente da sua condição de governo dum país democrático que não podia alienar parte do seu património. O acordo por troca de cartas de Novembro de 1944, foi estabelecido por um período de dez anos, dando prioridade de compra aos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido sobre toda a produção congolesa, “somente para fins militares ou estratégicos”58. A produção dos Estados Unidos e do Canadá, e agora o contrato com a Bélgica, asseguraram o fornecimento de urânio aos países do CDT por largos anos. No entanto, havia que definir a posição a tomar face a outros países. O urânio soviético estava fora do alcance do CDT, mas havia que recolher informações sobre este país visto que interessava à “alta política internacional”59. Quanto aos restantes países, não havia motivo para adquirir tudo o que aparecesse mas havia que precaver o futuro e, por outro lado, retirar os depósitos radioactivos do alcance de outras potências. Provavelmente, as outras potências incluíam países industrializados como a França.

Nos primeiros anos a seguir ao fim da II Guerra Mundial, na sequência do êxito alcançado pela bombas atómicas americanas sobre Hiroshima e Nagasaki, assistiu-se à corrida ao armamento nuclear, principalmente pelos EUA e pela União Soviética. A implementação do Projecto Manhattan, sob a direcção conjunta de Groves e Oppenheimer, que exigiu investimentos avultados em investigação científica e tecnológica, convenceu o governo dos

                                                                                                                         

57 Gowing, Britain and Atomic Energy (ref. 13), p. 301. Sobre este assunto ver pp. 299-301.

58 Idem, p. 310. Uma descrição mais completa sobre a acção do CDT em relação ao minério do Congo, encontra-se nas pp. 307-12. Ver também Goldschmidt, Le Complexe Atomique, (ref. 13), p. 63.

Estados Unidos da legitimidade para controlar o urânio na sua zona de influência e para possuir exclusivamente a bomba atómica, garantindo a hegemonia internacional. O urânio transformava-se numa matéria prima altamente desejável numa altura em que os jazigos de minério de urânio conhecidos eram ainda escassos. Em Outubro de 1946, um delegado americano à Comissão de Energia Atómica das Nações Unidas60 sugeria a James Byrnes, Secretário de Estado dos EUA, que “os EUA e seus aliados forma[va]m um grupo que controlar[ia] a energia atómica através da posse de uma tão extraordinária proporção de matérias primas que qualquer nação que fi[cass]e fora deste círculo dever[ia] pagar o preço da admissão”. Tratava-se de uma alusão à renúncia dessas nações à posse de armas nucleares61.

O interesse dos britânicos pelo urânio português é anterior à CDT62. No início da guerra, o governo britânico preocupou-se em negar à Alemanha o acesso a todas as fontes de urânio e por isso resolveu controlá-lo de várias formas: comprando stocks, comprando a produção ou garantindo o direito de propriedade das minas. Visto que, fora da zona ocupada pela Alemanha a maior fonte de urânio que lhes era acessível se encontrava em Portugal, o Ministry of Economic Warfare encarregou-se de estudar o assunto em profundidade. Os jazigos de urânio eram muitos e pequenos e o minério de baixa qualidade, mas mesmo assim, a United Kingdom Commercial Corporation (UKCC), uma empresa daquele ministério, adquiriu opções sobre várias minas pequenas. Após serem examinadas por peritos geológicos, o governo britânico resolveu deixar cair o assunto durante algum tempo. Em 1942, a UKCC entrou em negociações, que se revelaram de grande dificuldade, para adquirir a mina da Urgeiriça, assinando o contrato em Maio de 1943. Após esta data, a mina foi mantida numa

                                                                                                                         

60 A Comissão de Energia Atómica das Nações Unidas foi estabelecida em Janeiro de 1946 e, após 200 sessões e mais de dois anos de uma carreira estéril concluiu os seus trabalhos no final de 1949.

61 Citado por David Fischer, History of the International Atomic Energy Agency: The First Forty Years (Vienna: IAEA, 1997), p. 20.

62 Sobre a produção uranífera anterior à guerra, ver Quirino José Salgueiro Machado, “O Urânio Português”, Tese apresentada ao 2º Congresso Nacional de Engenharia, 1948, (Porto: Tipografia Invicta, 1948), capítulo “Resenha histórica da exploração dos jazigos portugueses de Urânio e Rádio”, pp. 60-66. Ver também o prefácio de Francisco de P. Leite Pinto, presidente da Junta de Energia Nuclear a S.A., Uranium and And Nuclear Raw Materials in Portugal (Lisboa: Junta de Energia Nuclear, s.d.). A edição é provavelmente de 1965.

base de “cuidados e manutenção”. Os funcionários britânicos não tinham grandes expectativas sobre as minas portuguesas que podiam render apenas um total de quarenta toneladas anuais. Não teriam, portanto, qualquer interesse para o projecto de Tube Alloys, apesar de ter sido importada uma pequena quantidade de óxidos de urânio63.

Após o estabelecimento do CDT, em 1944, o governo britânico procurou passar a propriedade da mina para este Trust argumentando, face à relutância de Groves, que “em princípio ‘todas as áreas de terceiros’ deveriam ser do Trust”. Interessava à UKCC desfazer- se da mina e do hotel que lhe estava associado e, além disso, um sócio português da empresa proprietária da mina, a Companhia Portuguesa de Rádio, Ltda. (CPR), tinha oferecido a sua quota na sociedade. O CDT concordou, finalmente, com a proposta britânica na condição de serem compradas as quotas dos sócios minoritários (um português e dois britânicos). O negócio não correu mal ao Trust, que comprou a casa e o moinho do sócio português a preço de saldo, uns dias antes de ser lançada a bomba sobre Hiroshima. Porém, os sócios britânicos levaram vários meses a serem convencidos. O governo britânico, agindo em nome do Trust, nomeou representantes para conduzirem as operações, ficando em seu nome as quotas da CPR Para a administração da CPR e das outras minas foram nomeados cidadãos britânicos64. Terminada a guerra, foi promovida uma “exploração geológica profunda”, também de iniciativa britânica65.

Em meados de 1946, todas as concessões tinham sido examinadas e o seu rendimento total foi estimado, exactamente, em 1.000 toneladas de óxido de urânio, uma produção que não sendo significativa valia a pena face à necessidade tão urgente de urânio, principalmente nos EUA66. Faltava, contudo, a autorização do governo português. Como se verá na secção

seguinte, as actividades britânicas descritas eram desconhecidas da instituição mineira                                                                                                                          

63 Gowing, Britain and Atomic Energy (ref. 13), p.180.

64 Idem, pp. 313-14. Sobre este assunto ver também ANTT, AOS/CO/PC – 52, pasta 13, Visita à Urgeiriça, fls. 420-425.

65 Gowing, Britain and Atomic Energy (ref. 13), p. 314. 66 Gowing, Independence and Deterrence (ref. 41), p. 386.

portuguesa, a Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos, quando, em 25 de Junho de 1947, o embaixador britânico estabeleceu contactos com o Ministério dos Negócios Estrangeiros para adquirir concentrados de óxido de urânio.