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Capítulo 2 Urânio: motor do envolvimento português no nuclear, 1947-1954 75

2.3 Salazar e o urânio português 97

2.3.3 Propostas de alteração ao acordo 109

O Acordo de 11 de Julho de 1949 não previu as dificuldades da sua execução. Passados seis meses, o embaixador Ronald entregava uma Nota propondo uma alteração, alegando, fundamentalmente que “experimentação subsequente tinha revelado que o concentrado a 25% comportava um grau de impurezas tal que se tornava necessário aprofundar o seu tratamento antes de dar entrada na refinaria”. Além disso a maior concentração reduziria os custos de transporte. Este problema seria resolvido aumentando a concentração prevista para até aproximadamente 80%89.

Uma das dúvidas levantadas por esta nova proposta foi a possibilidade dos britânicos se atrasarem na construção da instalação de concentração dos óxidos de urânio prevista para entrar em funcionamento em 31 de Dezembro de 1950. Após esclarecimento das dúvidas chegou-se a acordo sobre a alteração, estabelecido por troca de cartas, em 12 de Abril de 1950. A nova redacção substituiu os termos “concentrados a 25% aproximadamente” por “concentrados até 80% aproximadamente” mantendo as restantes cláusulas inalteradas90. Este

esforço foi inglório pois a alteração ficou só no papel e a instalação de concentração de óxido de urânio só produziu concentrados de aproximadamente 25%. Depois do acordo à alteração, os britânicos descobriram que as modificações a introduzir no equipamento não se justificavam do ponto de vista económico para a pequena quantidade de minério português.

                                                                                                                         

88 Idem, pasta I-2, “Urânio. Para a direcção política”, 5 Agosto 1949, rubricado por Salazar. 89 Idem, pasta I-3, Nota do embaixador, 11 Janeiro 1950.

90 Idem, embaixador britânico ao Ministro dos Negócios Estrangeiros e Caeiro da Mata ao Embaixador, 12 Abril 1950.

Também não foi possível cumprir o prazo estipulado para terminar a instalação de concentrados de óxido de urânio, devido a atrasos imprevisíveis. O tratamento do minério revelou dificuldades inesperadas, não foi fácil tratar os efluentes e a mão de obra local não tinha experiência em estruturas de aço91. Numa nota enviada à embaixada britânica, o governo português concordou com a prorrogação do prazo para terminar a oficina de tratamento do minério, até 30 de Junho de 195192. Porém esta prorrogação foi insuficiente e o prazo foi estendido até 30 de Setembro93.

Em Fevereiro de 1952, Anthony Eden (1897-1977), Secretary of State for Foreign Affairs do Reino Unido, e Dean Acheson (1893-1971), Secretary of State dos EUA, encontravam-se em Lisboa, no âmbito da reunião da NATO, tendo sido recebidos em separado por Salazar, nos dias 22 e 23. O conteúdo das entrevistas é desconhecido. No dia 22, antes da reunião, Eden deixou uma pequena nota que Salazar não teve oportunidade de ler antes da entrevista e onde anotou que apenas “se referia à questão do urânio. No dia seguinte Acheson disse-me recomendar ao governo português o pedido inglês relativo ao urânio”. Na sua nota, Eden referia com agrado os importantes progressos da produção de urânio na Urgeiriça, desejando o seu máximo desenvolvimento. Neste aspecto era secundado pelos amigos americanos, estando ambos os governos interessados em “examinar as possibilidades técnicas de aumentar esta produção”. Brevemente, submeteriam ao governo português propostas concretas que esperavam fossem bem acolhidas, uma vez que a tensão internacional tinha aumentado desde a assinatura do acordo em 1949. Enquanto membro da NATO, Portugal não podia perder de vista as suas obrigações relativamente à defesa internacional, devendo permitir a exploração valiosa dos seus recursos de urânio94.

                                                                                                                         

91 Idem, Nota da embaixada britânica, s/data.

92 Idem, Nota enviada à Embaixada do Reino Unido em 30 Dezembro 1950. 93 MNE-AHD (ref. 67), pasta I-4, Memorando MNE, 23 Junho 1951.

94 Idem, Nota entregue por A. Eden ao Presidente do Conselho durante a visita em 22 Fevereiro 1952. Sobre o contexto mais alargado da reunião da NATO que se realizou no Instituto Superior Técnico em Lisboa, ver Meneses, Salazar (ref. 10), pp. 350-51.

A 25 Agosto, o assunto levantado por Eden e Acheson foi retomado pelo embaixador britânico numa reunião com o presidente do Conselho da qual não há registo. Ronald era portador de uma “Aide-Mémoire” para o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Arsénio Veríssimo Cunha95 (1908-1986), ministro dos Negócios Estrangeiros de Agosto de 1950 a Agosto de 1958, indicado por Marcelo Caetano para substituir Caeiro da Mata. Os objectivos e os argumentos eram, genericamente, os mesmos expressos em Fevereiro, mas as propostas mais concretas. A experiência da CPR fazia antever que as reservas do minério fossem provavelmente muito superiores às previstas e o governo português teria interesse em possuir dados actualizados. Solícitos, os governos do Reino Unido e dos EUA aconselhavam que o governo português lançasse uma campanha de prospecção geológica para determinar a extensão das reservas no país. Conhecedores da sua debilidade tecnológica, ofereciam-se para fornecer a Portugal equipamento e recursos humanos ou, em alternativa, encarregavam-se eles mesmos de conduzir este projecto. Caso os resultados fossem favoráveis, a contrapartida portuguesa seria adoptar projectos de expansão da exploração mineira e alterar o Acordo Luso-Britânico de 1949. Aos governos do Reino Unido e dos EUA seria concedido o aumento das quantidades de exportação de 100 para 130 toneladas anuais, salvo se as reservas de minério apontassem para uma quantidade superior. Para justificar os capitais a investir neste aumento das quantidades de óxido de urânio, o prazo de validade do acordo deveria ser prorrogado até final de 1962. Foram também propostas novas concessões sobre as minas96.

Não obtendo resposta a estas pretensões, o embaixador dos EUA sondou um alto funcionário do ministério, a 30 de Agosto. A opinião que lhe foi transmitida foi que o momento não era oportuno, porque tão cedo não seria possível conhecer o valor das riquezas

                                                                                                                         

95 Marcelo Caetano considerava Paulo Cunha “’exuberante, extrovertido’, não temendo assembleias, impondo-se ‘nas discussões’ convencido da força dos seus argumentos e do poder da sua ‘dialéctica’”. Em Setembro de 1951, Paulo Cunha assinou novo acordo com os norte-americanos relativo às facilidades nos Açores. Ver Fernando Martins, “Cunha, Paulo Arsénio Veríssimo”, in Rosas, Brandão de Brito (orgs.) Dicionário, Vol. I (ref. 3), pp. 245-46.

96 MNE-AHD (ref. 67), pasta I-4, Nota entregue pelo Embaixador Ronald ao presidente do Conselho, em 25 Agosto 1952.

portuguesas e por isso não haveria mudança da posição de cedência do minério português ao estrangeiro97. Em Setembro, a embaixada americana voltou ao contacto directo fazendo uma

generosa proposta de financiar, em parte, a prospecção geológica, que de acordo com a estimativa seria superior a $500.000. Havia, porém, um custo para Portugal, o de prolongar o prazo do acordo até 196798. Em Novembro de 1953, americanos e britânicos continuavam sem resposta e uma derradeira tentativa pelo embaixador britânico foi igualmente mal sucedida99.

Apesar da resistência à revisão do acordo, de 1951 a 1954, as quantidades exportadas foram, respectivamente de 5,8; 110,7; 131,7 e 127,5 toneladas100. Havia uma certa permissividade da parte do governo português pois, se não houvesse revisão do acordo, as quantidades excedendo as 100 toneladas anuais, durante estes anos, poderiam ser descontadas nos anos seguintes de forma a não ser excedido o total das 700 toneladas do acordo.

O baixo conteúdo em óxidos de urânio no mineral exportado foi outra dificuldade que surgiu para negociação, em Agosto de 1953, pois as instalações britânicas não estavam preparadas para acomodar o minério pobre no seu processamento. A solução proposta pelos britânicos foi desviar toda a produção portuguesa do Reino Unido para os EUA. A negociação foi difícil, mais uma vez, mas o pagamento em dólares ajudou ao acordo português101.

Como se pode concluir, foram vários os problemas acumulados que exigiam a renegociação do Acordo Luso-Britânico de 1949. No início de 1955, com a Junta de Energia Nuclear instalada, estavam criadas as condições para Portugal exigir negociações numa posição de força, como se verá no próximo capítulo.

                                                                                                                         

97 Idem, Apontamento de conversa com o Embaixador dos Estados Unidos, 30 Agosto 1952. 98 Idem, Embassy of USA, Memoradum on Uranium Production in Portugal, 26 Setembro 1952. 99 Idem, Memorando de Nigel Ronald, 22 Novembro 1953.

100 Delfim de Carvalho , Mário da Silva, Severiano António Ribeiro Costa, Manuel Rebelo de Andrade (Comissão de Inquérito do Urânio nomeada por Despacho conjunto MF/MIE), “Relatório Síntese sobre o processo do Urânio em Portugal”, Ministério da Indústria e Energia, 12 Outubro 1992, p. 21.

101 MNE-AHD (ref. 67), pasta I-4, Pro Memoria, 25 Agosto 1953. Idem, pasta I-6, Entrevista de Salazar ao Embaixador Britânico, no Forte de Santo António, 25 Agosto 1953; Idem, MNE a Nigel Ronald, 15 Outubro 1953.