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Capítulo 1 A Física experimental no começo da Guerra Fria, 1947-1952 13

1.3   Um novo ciclo no Laboratório de Física/Centro de Estudos de Física 36

1.3.3 Os projectos de Julio Palacios 54

Palacios empenhou-se em trazer para Portugal os seus colaboradores espanhóis, com êxito relativo. Para o apoiar na componente operacional, procurou que a FCUL contratasse Raimundo Menendez, um dos seus auxiliares de Madrid, mas não foi bem sucedido128. Já o seu assistente Juan Vecino integrou o CEF em 1949. Julio Garrido, chefe do laboratório de Física da Universidade de Madrid, discípulo de Palacios no domínio da difusão dos raios X por estruturas cristalinas e especialista reconhecido em estruturas cristalinas, estudou no CEF “alguns minerais portugueses, servindo-se dos métodos de difracção de raios X”. Palacios intercedeu junto do IAC e da direcção da FCUL para que lhe fosse atribuído um lugar na docência, porém este pedido foi indeferido por não haver lugares vagos. Contudo, o tema das estruturas cristalinas era suficientemente importante para que tivesse sido organizado um plano de lições e conferências, em 1950129.

Em 1948, Palacios, ainda sem a participação de colaboradores, iniciou no Laboratório de Física o trabalho sobre a teoria das pilhas galvânicas e, no final do ano, anunciava ao IAC ter terminado a parte fundamental deste trabalho130. Entretanto, foi reunindo um pequeno grupo de licenciados, Maria do Carmo Anta, Manuel Paniagua e Carlos Barral, a quem distribuiu a resolução de problemas de Electroquímica131. Deste grupo, apenas transitou para o ano seguinte Maria do Carmo Anta que terminou o trabalho anteriormente iniciado e

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            Carvalho, “Lídia Salgueiro. Fragmentos de uma vida: infância, percurso, paixões, o fim”, in Simões (coord.)

Novas Memórias de Professores Cientistas (ref. 63), pp. 61-71, na p. 67.

128 Relatório da Actividade do CEF, ano de 1948, 13 Dezembro 1948 (ref. 91).

129 Relatório da Actividade do CEF, ano de 1950, s.d. (ref. 114). Garrido regeu uma série de lições teóricas e seminários sobre a estrutura dos cristais, acompanhadas de um curso de iniciação nos métodos práticos de análise por raios X, primeiro na FCUL e seguidamente na Faculdade de Ciências de Coimbra. Assistiram alunos e professores e no curso de iniciação Gomes Ferreira e Baptista. Foi também efectuado um estudo com raios X de alguns minerais portugueses com a colaboração Torre da Assunção, professor catedrático de Geologia da FCUL e outros especialistas portugueses. A tentativa de lançar no CEF o estudo de estruturas cristalinas para o qual foi comprada a instalação Philips, não teve porém seguimento, apesar do empenho de Palacios. Ver também Julio Palacios ao presidente do IAC, 10 Outubro 1948 (ref. 73), p. 6.

130 Efectivamente o trabalho ficou terminado em Janeiro de 1950. Julio Palacios, “Théorie des Piles Galvaniques”, Revista da Faculdade de Ciências, 2ª série B-Ciências Físico-Químicas, 1, (1951): 5-28.

elaborou um estudo intitulado “O catião eficaz, nas soluções electrolíticas”. A sua colaboração em Electroquímica também terminou com este trabalho, após o qual rumou a Paris onde efectuou o doutoramento132. Voltaremos a encontrar Maria do Carmo Anta no Laboratório de Física e Engenharia Nucleares, no início da década de 1960 (subsecção 3.5.2).

Recrutado em 1949, António Manuel Baptista133 foi o colaborador mais próximo de Palacios e, em 1950, Fernando Carvalho Barreira134 (1928-1976), assistente de Química da FCUL juntou-se ao grupo. Entretanto o IAC atribuiu bolsas a Baptista e Barreira e, em Maio de 1951, também estendia este benefício a António Rebelo Bustorff135. Surgia também a publicação conjunta em Electroquímica de Palacios, Baptista e Barreira, e um trabalho de Palacios no domínio da Física Nuclear136. Por esta altura, Palacios manifestava o seu interesse na energia nuclear numa conferência sobre “Teoria da Pilha Atómica e dados fundamentais para o seu projecto”, que proferiu em 17 de Maio de 1950 no Anfiteatro de Química da FCUL, anunciando o alvorecer da energia nuclear em Portugal.

Em 1951, a linha de investigação em Electroquímica parecia ganhar terreno a caminho da consolidação no CEF. Com efeito num relatório para a direcção do IAC de 25 de Janeiro, Leite Pinto mostrava o seu grande apreço pela actividade experimental desenvolvida pelo grupo de Palacios. A hipótese de trabalho, segundo a qual “todo o metal submerso numa solução electrolítica absorve catiões e carrega-se positivamente” comprovada com recurso ao zinco radioactivo, parecia-lhe uma boa aposta. A teoria de Palacios poderia vir a melhorar o conhecimento do fenómeno da corrosão dos metais, com a vantagem de ser pouco exigente relativamente a recursos materiais, especialmente quando comparada com os exigidos pela

                                                                                                                         

132 Maria do Carmo Anta, “Contribution à l’étude des actions des rayons α do polonium sur l’eau et les solutions aqueuses”, Tese apresentada à Faculdade de Ciências da Universidade de Paris, 1955.

133 AIC (ref. 73), 3250/3, Relatório da Actividade do CEF, ano de 1949, 14 Dezembro 1949.

134 Luísa Maria Álvares Duarte de Almeida Abrantes, “Fernando Carvalho Barreira. Professor na investigação, cientista no ensino”, in Simões (coord.) Novas Memórias de Professores Cientistas (ref. 63), pp. 125-130.

135 AIC (ref. 73), 3250/3, secretário do IAC ao director do CEF, 19 Maio 1951.

136 A. M. Baptista, F. Barreira, J. Palacios, “Electrolytic Purification of Mercury”, Revista da Faculdade de Ciências, 2ª série B, 1 (1) (1952): 101-106; Julio Palacios, “On the Electrostatic Energy of Atomic Nuclei”, Revista da Faculdade de Ciências, 2ª série B, 1, 1 (1952): 139-148.

Física Atómica que, segundo dizia, consumiam grande parte dos recursos do CEF. Na opinião de Leite Pinto, Palacios tinha criado, em Lisboa, uma “escola electroquímica, com teoria original e métodos próprios, com um pequeno número de experimentadores hábeis”. O IAC deveria manter os bolseiros e, para evitar a sua dispersão propunha que, sendo possível, fosse reforçado o respectivo subsídio, propondo ainda que o CEF se especializasse em Electroquímica137. Esta recomendação de Leite Pinto pode revelar também o interesse do regime em apoiar à investigação por um ramo de conhecimento susceptível de gerar facilmente aplicações da ciência fundamental, como é o caso da corrosão dos metais. Comparativamente, a Física Atómica nada prometia no campo das aplicações. Já a Física Nuclear havia dado provas das suas aplicações no tratamento oncológico (secção 1.4) e, em breve, Leite Pinto se aperceberá da importância desta disciplina no contexto da implementação do programa nuclear português (secção 2.4.3).

Em Dezembro de 1951, em consonância com o parecer de Leite Pinto, Palacios informava o IAC que a sua hipótese de trabalho, segundo a qual “a força electromotriz dos elementos galvânicos devida à adsorção de catiões nos eléctrodos metálicos” tinha sido recentemente confirmada “graças a experiências realizadas com o zinco radioactivo, isótopo 65, proveniente de Harwell”. Além disso, demonstrava o seu optimismo ao anunciar que os seus colaboradores, Baptista, Barreira, Bustorff e Vecino, que se dedicavam a actividades em Electroquímica baseadas nesta hipótese, estavam habilitados a apresentar teses para obter o grau de doutor nesta área. Além disso, Palacios relatava os grandes êxitos da sua escola após as experiências com isótopo radioactivo zinco-65. Os resultados obtidos tinham sido transmitidos à Academia das Ciências de Lisboa e ao Congresso Luso-Espanhol da Associação para o Progresso das Ciências138. Enfim, Palacios considerava que a missão que o IAC lhe havia confiado estava terminada. Tratou-se aparentemente de uma carta de despedida

                                                                                                                         

137 AIC, (ref. 73), 3250/3, Relatório de Leite Pinto para a direcção do IAC, 25 Janeiro 1951.

138 Os trabalhos sobre Electroquímica foram apresentados em dois Congressos, o de Lisboa em 1950 e o de Málaga em 1951.

em que afirmava poder regressar a Madrid, “contente por deixar em Lisboa uma Escola de Electroquímica com teoria original e métodos próprios” e um pequeno núcleo de investigadores capazes de contribuir tanto para a ciência pura como para as suas aplicações práticas139. Sobre a possibilidade dos investigadores apresentarem teses de doutoramento sobre a teoria de electroquímica de Palacios, apenas Barreira satisfará esta previsão, mais tarde em 1956 (subsecção 4.3.2). Quanto à despedida de Lisboa isso não se verificou, pois um novo desafio esperava Palacios no final de 1952, integrado agora no programa nuclear (subsecção 2.4.3).  

Em Junho de 1952, Leite Pinto apresentava ao secretário do IAC uma longa retrospectiva da investigação de Palacios sobre Electroquímica sublinhando os pontos em que se distinguia da teoria de Nernst e fazendo uma revisão bibliográfica dos trabalhos de Palacios e seus colaboradores no CEF140. Terminava concluindo, mais uma vez, que a hipótese de

trabalho se revelava “fértil nas suas consequências” e que se podia esperar “a criação dum grupo de investigadores integrados numa escola de electroquímica”141.

No final de 1952, respondendo a uma carta do secretário do IAC, Palacios prestava informações resumidas sobre as actividades desenvolvidas142. No seu relatório não respondia

                                                                                                                         

139 AIC (ref. 73), 3251/2, Palacios ao presidente do IAC, 23 Dezembro 1951.

140 Além de algumas referências bibliográficas, Leite Pinto descriminou as várias comunicações aos dois Congressos Luso-Espanhóis para o Progresso das Ciências, o de Lisboa de 1950 e o de Málaga de 1951. No primeiro, A. M. Baptista apresentou um dos problemas que a teoria ajudou a esclarecer, “A força residual das pilhas galvânicas”. F.C. Barreira participou em ambos, no primeiro com um estudo originado na teoria geral, o do “catião eficaz” num sistema Pb/Pb2+;Zn/Zn2+. No segundo abordou o “Estudo da adsorção dos catiões com o eléctrodo de gotas de mercúrio”. J. Vecino também participou em ambos os congressos com o estudo do da influência gasosa no potencial dos eléctrodos, intitulando-se o primeiro “Influência da fase gasosa no eléctrodo de platina”. A. J. R. Bustorff continuou este estudo e alargou-o a outros sistemas na comunicação ao Congresso de Málaga de 1951.

141 AIC, (ref. 73), 3251/2, Parecer de Leite Pinto enviado ao secretário do IAC, 18 Junho 1952.

142 Sobre os tópicos investigados em Electroquímica, Palacios informava sobre artigos publicados em revistas diversas. Relativamente à adsorção dos catiões por metais: J. Palacios, A. M. Baptista, “L’adsorption de cations par les métaux démontrée avec des traceurs radioactifs”, Comptes rendus de l’Académie des Sciences, 234 (1952): 1676 e a respectiva versão inglesa, “Demonstration by Radioactive Tracers of the Adsorption of Cations by Metals”, Nature, 170 (1952): 665; A. M. Baptista , “A interface metal-Líquido e os potenciais dos eléctrodos em electroquímica”, Gazeta de Física, 2 (8) (1952): 205-215. Grande número de trabalhos foram publicados na Revista da Faculdade de Ciências, em 1952-53. Trata-se de cinco artigos de uma série intitulada “Theoretical and Experimental Study of the Dropping Electrode”. Os artigos são: de J. Palacios, A. M. Baptista, “I. Experiments with the Galvanometer and with with the Cathode Ray Oscillograph”; de A. M. Baptista “II. Experiments with Distilled Water”; de F. Barreira “III. Measurements in Salts of Sodium, Potassium, Copper,

ao pedido de informação sobre os projectos para o ano seguinte por não ter dados sobre a orientação futura do CEF, uma vez que se perspectivava a criação de um laboratório de Física Nuclear em que estariam interessados parte dos seus membros143. Estes não eram, como se poderia supor, Lídia Salgueiro e Gomes Ferreira, mas os colaboradores de Palacios, Baptista e Barreira.

A Secção de Física Nuclear dos Centros de Estudos de Energia Nuclear, anexa ao Instituto Português de Oncologia, foi criada no final de 1952 e Palacios nomeado seu director, acumulando com a direcção do CEF. A investigação da chamada “Escola Electroquímica”, que nos relatórios de Leite Pinto e Palacios se apresentava tão promissora, terminava. Os dois colaboradores de Palacios, Baptista e Barreira, mudaram-se para o Instituto Português de Oncologia para se dedicarem a um novo projecto de aplicações de Física Nuclear com incidência nos radioisótopos (subsecção 2.4.3 e secção 4.3). O CEF ficou reduzido a dois elementos, Lídia Salgueiro e Gomes Ferreira do grupo de Física Atómica e Nuclear.