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PARTE I – CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

1.2. Considerações Metodológicas

"Método é a ordem que se deve impor aos diferentes processos necessários para atingir um fim dado (...) é o caminho a seguir para chegar à verdade nas ciências". (JOLIVET, 1979, p.71)

O objetivo central nesta dissertação é compreender como os relacionamentos em comunidades virtuais influenciam o processo identitário com o sentido emancipatório de seus participantes.

Para responder à questão central da pesquisa, vamos utilizar a técnica da narrativa de história de vida de uma pessoa que utiliza no NEPIM que tem se mostrado um importante instrumento para compreender como identidade é metamorfose em busca de emancipação.

Para o autor, “o singular materializa o universal na unidade do particular” (CIAMPA, 1995: p.213). Assim, cada história de vida constitui uma identidade que se dá como um processo ao mesmo tempo coletivo e individual. A partir dessa premissa, acreditamos que por meio do relato de uma história de vida podemos atingir o objetivo da pesquisa.

A história de vida também pode ser usada como método de pesquisa usado em abordagens qualitativas e foi introduzido no meio acadêmico em 1920, pela Escola de Chicago e desenvolvida por Znaniescki na Polônia. Contudo, somente na década de 1960 esse método de pesquisa foi estruturado, estabelecendo estratégias de análise e constituindo um método de coleta de dados do sujeito no contexto de suas relações sociais (CHIZOTTI, 1991).

O termo História de Vida, traduzido de historie (francês) e de story (inglês), tem significados diferentes. O sociólogo americano Denzin propôs, em 1970, a distinção das terminologias: life story (a estória ou relato da vida), terminologia que designa a história de vida contada pela pessoa que a vivenciou – neste caso, o pesquisador não confirma a autenticidade dos fatos, pois o importante é o ponto de vida de quem está narrando; e life history (ou estudo de caso clínico), o qual compreende o estudo aprofundado da vida de um indivíduo ou grupos de indivíduos. Esse inclui, além da narrativa de vida, todos os documentos que possam ser consultados, como laudos médicos, testes psicológicos,

testemunhas, enfim, tudo o que envolve o indivíduo (BERTAUX, 1980, apud SPINDOLA, T., SANTOS R.,2003).

Na perspectiva adotada o contato direto do pesquisador com a situação estudada valoriza o processo e o resultado da pesquisa, porque retrata a perspectiva dos entrevistados, possibilitando que este se aproxime dos significados que o entrevistado atribui aos acontecimentos da vida (LUDKE M., MEDA A., 1986). O importante é o significado que o indivíduo atribui ao relato; podemos nos preocupar se é um fato ou não, analisando a coerência da narrativa.

A história de vida, mesmo sendo relatos ímpares, é sempre relato de práticas sociais: das formas com que o indivíduo insere-se e atua no mundo de que faz parte. Desta forma, a narrativa tem a função de descrever e avaliar, visto que avaliamos os fatos naquele momento. O pesquisador respeita a opinião e conta a história que lhe foi contada. Assim, a avaliação é muito mais do sujeito do que do pesquisador.

Nesta pesquisa a história de vida é usada como uma técnica de investigação que permite ao entrevistado uma narrativa livre, o que não impede que o entrevistador, ao longo do depoimento, faça intervenções a fim de aprofundar temas de seu interesse. Segundo Becker, a história de vida “... se interessa... por um relato fiel da experiência e interpretação por parte do sujeito do mundo no qual vive” (BECKER,1999, p.102).

Trata-se de uma pesquisa qualitativa e considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre a realidade objetiva e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa. Não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é o instrumento chave. O processo e seu significado são os focos principais de abordagem (KAPLAN & DUCHON, 1988, apud MORESI, 2003, p.71).

Finalmente, a pesquisa qualitativa é freqüentemente descrita como sendo essencialmente indutiva em sua abordagem, isso quer dizer que a mesma é conduzida pelos dados, sendo os resultados e conclusões extraídos diretamente destes últimos. Isto contrastaria com a abordagem dedutiva, através da qual ideia e hipóteses formuladas são testadas em dados coletados especialmente com este propósito. O método qualitativo é apropriado quando o fenômeno em estudo é complexo, de natureza social e não tende à quantificação. Normalmente, são usados quando o entendimento do contexto social e cultural é um elemento importante para a pesquisa (LIEBSCHER, 1998, apud MORESI, 2003).

Para a pesquisa foram realizadas diversas entrevistas exploratórias até chegar a um caso que pareceu-nos atender aos nossos objetivos. Optamos por trabalhar com um relato porque sendo esse um estudo exploratório, em que a pessoa fala sobre toda sua vida, foi possível discutir as principais questões envolvendo sua identidade a partir de um caso emblemático.

Chegamos à nossa entrevistada por meio das relações de trabalho com o pesquisador que enxergou ali um sujeito potencial para a pesquisa. Em seguida foram realizadas conversas no sentido de verificar o interesse em participar do projeto e tendo sido confirmado passamos às entrevistas que aconteceram em três momentos diferentes. Primeiro para estabelecer um vínculo de confiança e fazer alguns esclarecimentos; num segundo momento ouvimos seu relato de história de vida; e, por fim, cerca de um ano depois retomamos os encontros para alguns esclarecimentos sobre questões mais pontuais envolvendo seu relacionamento em comunidades virtuais e os processos emancipatórios.

Os encontros para ouvir as histórias de S.1, deviam ocorrer de modo a revelar a base

subjetiva de mudanças sociais duradouras nos padrões de percepção e comportamento de grupos sociais particulares. Isso garante maior profundidade qualitativa, pois permite ao entrevistado falar sobre assuntos de sua escolha, nas suas próprias estruturas de referência e permite que os significados que as pessoas atribuem para os eventos e relacionamentos sejam compreendidos nos seus próprios termos.

Assim chegamos a S., estudante de Psicologia que aos 13 anos começou seu relacionamento em comunidades virtual. A opção por S., em princípio, deu-se porque foi quem apresentou maior potencial para os objetivos da pesquisa. Outro fator importante, esse só descobrimos depois, foi que o discurso apresentado era quase auto-interpretativo, provavelmente devido ao fato de estudar Psicologia S. apresentou um discurso carregado significados que ela atribui às coisas e à vida.

Conhecemos S. no trabalho e a proximidade das relações permitiu uma aproximação amigável entre pesquisador e entrevistado, criando um ambiente propício para que o relato de sua história de vida transcorresse sem maiores dificuldades. A narrativa da história de vida de S. será apresentada na segunda parte do trabalho em que vamos aproximar os conceitos teóricos do trabalho com a práxis social.

1 S. usuária de comunidades virtuais há cerca de 12 anos foi a pessoa escolhida para a pesquisa. P. seu nickname que também precisa ser mantido em sigilo de contrato.

Como análise categorial na interpretação foi utilizado o referencial teórico da Psicologia Social em que se busca compreender os aspectos mais relevantes para a pesquisa. Segundo Bardin (1997), por meio da história de vida é possível observar o contexto de vida do indivíduo; isso facilitou identificar significados nas relações sociais de S. estabelecidas nas comunidades de relacionamento virtual.

A análise dos dados iniciou-se logo após transcrições, procedimento esse que se inicia imediatamente após os primeiros encontros, o que facilitou a avaliação do procedimento metodológico. Os relatos foram lidos e relidos com o objetivo de fazer uma análise cuidadosa dos dados, pois assim

“... a atenção prestada à transcrição se torna um aspecto essencial da análise que se segue: a relação da entrevista é organizada em três pontos diferentes e interdependentes: o primeiro reproduz por escrito o texto do registro; o segundo descreve a estrutura (frame) de interação tal como foi instaurada no curso da entrevista; o terceiro consiste na interpretação obtida do cruzamento do primeiro com o segundo” (CIPRIANI, 1983, apud: SPINDOLA, T., SANTOS R. 2003 p.125).

Entendemos que o sujeito reflete sobre sua vida enquanto conta sua história. Acontece uma intervenção à medida que leva o sujeito a refletir sobre sua vida. Pesquisador e sujeito se completam e modificam mutuamente em uma relação dialética (GLAT, 1989). Quando fazemos um relato de algo estamos tendo a oportunidade de refletir sobre aquele momento. As pessoas estão refletindo sobre suas vidas e analisando-as enquanto contam. Essa reflexão, às vezes, leva tempo como aconteceu com nossa entrevistada. O fato de retomar o terceiro momento das entrevistas algum tempo depois foi decisivo para os resultados da pesquisa, como veremos na segunda parte da dissertação, quando será feita a análise das entrevistas.

Quando analisamos os indivíduos e seus contextos em suas complexidades, aproximamos-nos da realidade e da sua identidade, ou seja, dos processos de metamorfoses que identificam o indivíduo como único. Essa é uma pesquisa qualitativa, portanto, baseia-se na premissa de que os conhecimentos sobre os indivíduos só são possíveis com a descrição da experiência humana, assim como é vivida e tal como a própria pessoa define (POLIT, 1995). Por isso respeitamos ao máximo o relato do sujeito, deixando-o o mais livre possível para fazer o recorte de sua história; como fez S.

Ressaltamos ainda que todos os aspectos éticos de sigilo e privacidade de acordo com a Resolução 196/96 de proteção ao sigilo e procedimentos adotados em casos de pesquisas

acadêmicas foram observados. O conteúdo de natureza Bioética foi garantido assim como o anonimato da participante.