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Comunidades de Relacionamento Virtual como Agentes Potencializadores de Emancipação

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social

RAEL BISPO BESERRA

Comunidades de Relacionamento Virtual como

Agentes Potencializadores de Emancipação

Mestrado em Psicologia Social

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RAEL BISPO BESERRA

Comunidades de Relacionamento Virtual como

Agentes Potencializadores de Emancipação

Mestrado em Psicologia Social

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social

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RAEL BISPO BESERRA

Comunidades de Relacionamento Virtual como

Agentes Potencializadores de Emancipação

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia Social, sob orientação do prof. Drº. Antonio da Costa Ciampa.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social

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BANCA EXAMINADORA

______________________________________ Prof. Dr. Antonio da Costa Ciampa

______________________________________ Prof. Dr. Juracy Armando Mariano de Almeida

______________________________________ Profa. Dra. Maria do Carmo Guedes

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AGRADECIMENTOS

Um projeto e a elaboração de uma dissertação, aparentemente, contam com um orientador e um orientado. Digo aparentemente porque isso não é verdade, são inúmeras as pessoas envolvidas e sem as quais não seria possível. Esta página é dedicada a algumas dessas pessoas que, de forma direta ou indireta, contribuíram para esta dissertação.

É praxe, e muito justo, começar agradecendo ao orientador. No meu caso não quero fugirà “regra”; realmente o profº. Ciampa foi alguém muito importante e quero agradecer-lhe por ter dedicado seu precioso tempo para ler, sugerir e corrigir a pesquisa. Também fico grato aos demais professores, àqueles que participaram ministrando aulas: Profº. Drº. Salvador A. Sandoval, profª. Drª. Barder B. Sawaia, profª. Drª. Mary Jane P. Spink, profª. Drª Maria do Carmo Guedes e o profº Drº. Juracy A. M. de Almeida; a todos quero dizer que me sinto honrado por tê-los como mestres em parte de minha caminhada. Àqueles que participaram da Banca – Maria do Carmo e Juracy – só posso ser eternamente grato – ao Jura (intimidade de amigo) por “ensinar sem falar” e Maria do Carmo por ter recolocado minha auto-estima no lugar.

Sou grato aos meus colegas no NEPIM da PUC-SP, em especial ao Alessandro e a Patrícia que gentilmente atenderam ao meu pedido quando precisei de socorro com o texto. Também são importantes meus amigos pessoais, eles me inspiram a estudar, agradeço especialmente a Fernanda, Aline, Carolina e Ranieri que ajudaram com normas técnicas do texto. Ainda referindo-se a essa “classe” de pessoas agradeço, de coração, a minha amiga “S.”, que generosamente compartilhou parte de sua história dando vida e veracidade à pesquisa. Somente um pesquisador sabe a importância de um sujeito emblemático – obrigado “S.”.

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A Lição da Borboleta

O homem observava o casulo já há dias quando percebeu que nele se abria um pequeno orifício. Durante horas, a borboleta tentou fazer passar seu corpo pela abertura.

De repente parou, como se não conseguisse ir adiante. O homem resolveu ajudá-la. Com uma tesoura cortou o restante do casulo. A borboleta deixou-o facilmente. Mas seu corpo era pequeno; estava murcho e as asas amassadas.

O homem continuou observando. Esperava o momento em que as asas se abrissem e se esticassem para o primeiro vôo.

Mas nada aconteceu. A borboleta rastejava, o corpo murcho, as asas encolhidas. Jamais foi capaz de voar.

Ansioso para ajudar, o homem não sabia. Não conhecia o processo da metamorfose que permite o vôo da borboleta. Pois que é o seu esforço que lhe dá esta capacidade: ao comprimir seu corpo pelo orifício do casulo, secreta a substância necessária para esticar as asas e voar.

Como a borboleta, também nós precisamos de esforço muitas vezes em nossa vida. Sem obstáculos e a força necessária para vencê-los, ficaríamos enfraquecidos. Jamais seríamos capazes de voar.

Anônimo.

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Uma pessoa em crescimento renova-se a si mesma... Tão nova quanto um novo dia...

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RESUMO

Beserra, Rael. Comunidades de Relacionamento Virtual como agente potencializador de Emancipação. Dissertação de Mestrado. PUC.SP, 2012.

A presente pesquisa que trabalha com a perspectiva da Psicologia Social pretende compreender os processos envolvendo a metamorfose identitária (CIAMPA, 1987, 1995) de pessoas que utilizam as comunidades de relacionamento virtual como um meio importante para suas construções sociais e identidade.

A intensificação do virtual na contemporaneidade é uma questão emergente que ainda gera algumas controvérsias quanto às consequências para o indivíduo e seus processos de socialização. É provável e natural que as divergências permaneçam por algum tempo, estamos diante de uma nova realidade. A pesquisa é apenas mais uma contribuição para outros estudos que certamente acontecerão. A realidade virtual é cada vez mais real na vida das pessoas.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que tem como técnica principal a História de Vida. Essa é uma técnica utilizada no NEPIM (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Identidade-Metamorfose), do programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da PUC-SP, coordenado pelo profº Drº. Antonio da Costa Ciampa e tem alcançado resultados importantes para a Psicologia Social. A pesquisa apoiou-se em um relato de uma pessoa que durante cerca de 12 anos manteve relacionamentos sistemáticos com uma mesma comunidade virtual.

A dissertação procura compreender como uma pessoa se utiliza da realidade virtual como agente potencializador de emancipação em sua trajetória de vida. O posicionamento ético e crítico permitiu, também, perceber os riscos de considerar as realidades – presencial e virtual – desconectadas, deixando clara a importância de compreendê-las como realidades complementares e interdependentes.

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Summary

Beserra, Rael. Relationship Virtual Communities as a potential agent of Emancipation. Dissertation master's degree . PUC.SP, 2012.

The present research that works with the prospect of Social Psychology aims to understand the processes involving the metamorphosis of identity (CIAMPA, 1987, 1995) of people using the communities of virtual relationship as an important means of social constructions and their identity.

The intensification of the virtual nowadays is an emerging issue that still generates some controversy as to the consequences for the individual and their socialization processes. It is likely and natural that differences remain for some time, we are facing a new reality. The research is just another contribution to other studies that certainly will happen. Virtual reality is becoming more real in people's life.

This is a qualitative research technique that has as main, the Life History. This is a technique used in NEPIM (Center for Studies and Research in Identity-Metamorphosis), the program of Postgraduate Studies in Social Psychology from PUC-SP, coordinated by Prof. Drº Antonio da Costa Ciampa, with important results to Social Psychology. The research was based on a report of a person for about 12 years has systematic relationships with the same virtual community.

The dissertation seeks to understand how a person uses virtual reality as potentiating agent of emancipation in their life trajectory. The critical and ethical position also allowed us to realize the risks of considering the realities - and virtual - disconnected, making clear the importance of understanding them as complementary and interdependent realities.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO...11

INTRODUÇÃO...13

PARTE I – CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS...17

1.1. Considerações Teóricas...17

1.1.1. Identidade: Concepção teórica de Ciampa...18

1.1.2. Influências Filosóficas...20

1.1.3. Emancipação...21

1.1.4. Comunidades Virtuais: um recorte importante...26

1.1.5. Identidade no Mundo Virtual...29

1.2. Considerações Metodológicas...35

PARTE II – DISCUTINDO UMA HISTÓRIA DE VIDA: ARTICULANDO TEORIA E PRÁXIS...40

2.1. Identidade Virtual no Mundo da Vida...41

2.2. Comunidades Virtuais: Agentes Potencializadores de Emancipação ...54

2.3. Questões de Pertencimento...56

2.4. Questões de Solidariedade...59

2.5. Questões de Estigmas...62

2.6. Questões Assincrônicas: Temporalidade, Espacialidade e Sociabilidade, sem fronteiras...69

2.7. Emancipação: um salto qualitativo...73

PARTE III – Análise Crítica...78

3. Crítica e Contra crítica...78

3.1. As comunidades Estéticas (Bauman) e Comunidades Potencializadoras (Castells)...81

3.2. Controvérsias entre o real (Baudrillard) e o virtual (Lévy)...83

3.3. Crítica social à realidade contemporânea...87

CONSIDERAÇÕES FINAIS...93

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APRESENTAÇÃO

Nesta breve apresentação pretendo fornecer algumas informações que certamente influenciaram minha opção por esta pesquisa sobre a participação de jovens em comunidades de relacionamento virtual. Minha história começa como a de muitos outros. Sou filho de nordestinos que vieram para São Paulo em busca de melhores condições de vida. Somos uma família com 10 irmãos, filhos de pais analfabetos que sempre valorizaram mais o trabalho do que os estudos (como se estudo e trabalho fossem coisas opostas).

Em muitos aspectos minha história lembra a história da “Severina” personagem principal da pesquisa de Ciampa (1987). A identificação com a personagem e suas metamorfoses foi imediata, de forma que a história de Severina mostra muito da minha história. Também fui “criança-sem-infância”, porque tinha que trabalhar na roça e/ou cuidar dos irmãos; um “adolescente-problemático”, porque as vezes ainda sou gago e isso gera grandes conflitos em um adolescente. Tendo aprendido que o importante é trabalhar e sofrendo bulling (na época nem sabia que existia isso) na escola, ser o “gaguinho-orelhudo” não era legal e logo era o “jovem-trabalhador” (agora formalmente), fora da escola.

Nem tudo foi “tragédia grega”, meus pais sempre foram pessoas boas, honestas, que deram a vida para criar seus filhos. As metamorfoses continuaram e já adulto voltei a estudar, voltei a ser estudante, fui um teólogo-cristão, depois psicólogo, motoqueiro, hoje sou um orientando e aqui estou, de metamorfose em metamorfose em busca do título de Mestre, mais um fragmento de emancipação na minha vida e pretensão identitária.

Com isso penso ter ajudado a entender porque vim parar no Núcleo que estuda a Identidade como Metamorfose, na PUC SP, orientado por Ciampa.

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Ao tomar conhecimento dos índices de crescimento de pessoas que utilizam sistematicamente a internet e sobre pesquisas que falam sobre “Índice de Massa Virtual” e sobre “Dieta Virtual” (Rondon House – Boston, EUA, 2012), não tive mais dúvidas, estamos diante de algo maior do que um modismo, mas de transformações sociais importantes porque é um fenômeno social de dimensão global. Estamos vivendo outras formas de sociabilidade, marcadas pela intensificação do virtual no mundo da vida das pessoas. Em nenhum momento da história concebeu-se um fenômeno que tivesse desencadeado tamanha mudança na organização social, permitindo a globalização da economia, das relações de trabalho, dos interesses políticos e a interação entre indivíduos e grupos em tempo real.

Percebi, na minha prática social, como psicólogo, que estava diante um novo sujeito que me fazia questionar como seria a dialética sociedade-indivíduo influenciada pela realidade do mundo virtual. A questão inicial era vista como um grande problema, não concebia outra conseqüência para as relações virtuais senão indivíduos, solitários, individualistas e uma sociedade de misantropos. Contudo, já nas primeiras leituras e conversas preparatórias para as entrevistas, foi possível enxergar outras possibilidades.

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INTRODUÇÃO

As relações entre os homens, o trabalho, a própria inteligência dependem, na verdade, da metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos os tipos. Novas maneiras de pensar e de conviver estão sendo elaboradas no mundo das telecomunicações e da informática. (LÉVY, 1994 p. 04)

A primeira vez que conversei com um jovem sobre os relacionamentos virtuais fiquei espantado ao saber que esta nova geração passa horas ou noites inteiras conversando e até namorando em comunidades virtuais. O espanto se fez preocupação quando alguns começaram a deixar os encontros presenciais em virtude dos encontros virtuais. E a preocupação se fez motivação para conhecer melhor esse fenômeno; foi quando percebi a amplitude do que estava acontecendo e que teríamos aí um tema interessante para uma pesquisa.

Até pouco tempo atrás termos como ciberespaço e mundo virtual eram usados como metáforas, hoje trata-se de uma nova realidade com potencial para os mais diferentes níveis de transformações sociais. Como sugerem as terminologias esse é um tema amplo e por isso desde já fazemos nosso recorte - as comunidades de relacionamentos virtuais - e o objetivo é compreender os processos de construção da identidade de indivíduos participantes de comunidades de relacionamento virtual. Partimos da proposição de que essas comunidades, baseadas na comunicação online, possuem novos padrões de relações sociais com novas formas de interações humanas, pois atuam sem as limitações territoriais, espaciais e sociais, característicos das comunidades offline tradicionais.

A revolução tecnológica traz em si elementos capazes de alterar as bases sociais, econômicas, políticas e culturais da sociedade. Diversas mudanças tecnológicas aconteceram em outros contextos históricos, como a televisão e o telefone, por exemplo, porém, nenhuma delas tinha como matéria-prima a informação e a interação em tempo real como a internet.

A internet, com seu potencial de alcance mundial, além de promover uma reorganização das estruturas relacionais entre pessoas é um espaço de fluxos de relações sociais. A emergência da realidade virtual promove transformações sociais a uma velocidade como jamais aconteceu. Segundo Castells (2003), estamos diante de uma nova organização social.

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Diante de tais transformações não é possível negar a realidade das novas condutas e a necessidade de novos referenciais para compreender a construção dos processos envolvendo o conceito de identidade, individual e coletiva. Dentro das comunidades o impacto das novas mídias é decisivo; as identidades que eram construídas com seus espaços territoriais limitados e socialmente definidas, hoje são construídas em espaços desterritorializados de forma assincrônica.

Estudos recentes têm mostrado que atividades dos usuários de comunidades virtuais não devem ser vistas como simples passa tempo. Anderson (2002, p.129), afirma: “as pessoas

ficam envolvidas, e vivem uma parte importante da vida nesses contextos”. São, na verdade,

fenômenos psicológicos que envolvem a manifestação de diferentes facetas da identidade dos sujeitos para cada papel criado no mundo virtual, com o potencial de serem oportunidades significativas de auto-realização, aprendizado e autonomia.

Eu não apenas habito nas minhas comunidades virtuais, mas, na medida em que eu carrego comigo as conversações na minha cabeça e começo a misturá-las com a vida real, essas comunidades virtuais habitam na minha vida (Rheingold, 1996, apud ANDERSON, 2002, p. 130).

Segundo Ciampa (1995), a atividade social metamorfoseia o real e cada uma das pessoas. Essa é a perspectiva usada pela Psicologia Social e que adotamos para compreender identidade, a perspectiva sócio-histórica. Uma das maiores autoridades em identidade virtual Sherry Turkle, diz: “as comunidades de relacionamentos virtuaisoferecem um contexto novo e impressionante, no qual pensar sobre a identidade humana na era da internet” (1995, p. 267). Castells diz que “estão emergindo online novas formas de sociabilidade e novas formas

de vida urbana, adaptadas ao nosso novo meio ambiente tecnológico” (CASTELLS, 2003, p.

443).

Em um mundo marcado pela falta de sentido a busca da identidade social, atribuída ou conquistada, torna-se fonte básica de significado social.

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Os efeitos práticos da realidade virtual na vida e identidade das pessoas são inquestionáveis, porém as consequências são alvos de críticas e muitas divergências. Críticos sociais, como Mark Slouka e Jean Baudrillard condenam o que chamam de desumanização das relações sociais, pois, para eles a vida online parece ser uma maneira fácil de fugir da vida real. Para esses, a internet aumenta as possibilidades de solidão, alienação e até mesmo depressão. E falam até em um colapso da comunicação social e da vida familiar, na medida em que indivíduos sem face praticam uma sociabilidade aleatória, abandonando ao mesmo tempo interações presenciais em ambientes físicos (CASTELLS, 2006).

Outros, como Pierre Lévy (2007), entendem a produção no ciberespaço como um elemento importante de uma sociedade em transformação na qual o virtual articula com toda a vida social, marcada pela ruptura dos limites espaço-temporais e desterritorialização. Para o autor, o virtual é exercício da criatividade, uma característica da própria comunicação e expansão do universo. Divergindo visceralmente, Baudrillard (1997), compreende o virtual como sendo o esvaziamento do real e diz que estamos diante da fragmentação das cidades modernas, ao desintegrar as funções sociais responsáveis pela compreensão absoluta do tempo. Para ele o virtual é o reino da indiferença, isto é, o fim da capacidade de estabelecer diferenças.

A potência do “virtual” nada mais é do que virtual. Por isso, aliás, pode intensificar-se de maneira alucinante e, intensificar-sempre mais longe do mundo dito “real”, perder ela mesma todo princípio de realidade.(...) Mesmo os capitais especulativos não saem quase da própria órbita: amontoam-se e não sabem sequer onde se perder no próprio vazio especulativo. No tempo histórico, o acontecimento ocorreu e as provas estão aí. Mas não estamos mais no tempo histórico; doravante estamos no tempo real, e, no tempo real, não há mais prova de nada. (BAUDRILLARD, 1997, p. 72-73).

Mais do que apresentar divergências, as diferentes posições suscitam questionamentos importantes para o estudo da identidade humana, tais como: O que dizer sobre a pessoa que se mostra online (identidade nickname) e a pessoa que se mostra face a face? As identidades virtuais encontram sentido no mundo presencial? Será, a realidade virtual, uma expansão ou uma cisão do Eu? Trata-se de duas realidades ambíguas – real e virtual – ou realidades complementares? Como essas duas realidades – real e virtual – se comunicam e se processam no mesmo indivíduo?

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influenciam e potencializam o processo identitário de seus participantes. Para isso vamos usar como principal subsídio teórico a proposta de Antonio da Costa Ciampa de que Identidade é

Metamorfose. Vamos, à luz do relato de história de vida, compreender sentimentos, conflitos

e comportamentos de usuários de comunidade virtual tendo a teoria de construção da identidade de Ciampa como referencial.

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PARTE I – CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

1.1. Considerações Teóricas

Esta primeira parte do trabalho pretende apresentar a concepção teórica de Identidade de Ciampa, suas principais influências durante sua trajetória de pesquisas e a metodologia utilizada.

A importância conferida ao estudo da identidade, assim como sua conceituação, varia ao longo da história; ora atribuindo maior relevância à individualidade e às expressões do Eu, ora voltando-se mais para o coletivo; contudo, nunca deixou de ser uma questão importante. O desafio para nosso momento histórico está relacionado às novas possibilidades atribuídas ao indivíduo e às novas configurações e possibilidades de sociabilidade.

Provavelmente estamos vivendo o momento de maior fluidez das relações humanas. Não há setor ou aspecto da humanidade que não tenha sofrido transformações. Até mesmo paradigmas como o tempo e o espaço adquirem novos conceitos. Os espaços únicos foram deixados para trás, agora co-habitamos espaços diferentes ao mesmo tempo, deixamos a limitação de conviver com uma comunidade de cada vez, para interagir com diversas comunidades ao mesmo tempo. As novas tecnologias, como a internet, possibilitam e disponibilizam, graças à realidade virtual, espaços em que o distanciamento espacial não mais implica o distanciamento temporal. Castells (2000), que será uma referência importante em nossas discussões, diz:

O tempo é apagado no novo sistema de comunicação já que o passado, presente e o futuro podem ser programados para interagir entre si na mesma mensagem. O espaço de fluxos e o tempo intemporalsão as bases principais de uma nova cultura, que transcende e inclui a diversidade dos sistemas de representação histórica transmitidos: a cultura da virtualidade real, onde o faz-de-conta vai se tornando realidade (p.397).

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Estamos diante de novas representações sociais que podem alterar o processo de individuação e consequentemente potencializar novos comportamentos que podem ser emancipatórios ou não. A internet está rompendo fronteiras em todos os níveis, levando o conhecimento com um click e o que era mascarado ou proibido está sendo revelado provocando transformações sociais importantes na vida das pessoas. Hoje está mais fácil indivíduos de todas as classes sociais terem acesso à informação e à comunicação, fatores importantes na luta pela emancipação.

Não se trata apenas da internet e seu universo virtual com a interação multimídia, são inúmeros os indícios de que estamos vivenciando uma época limítrofe, um corte na história; uma passagem de certo regime de poder para um outro projeto político, sociocultural e econômico. Essas transformações atingem também as formas de ser e estar no mundo. A relevância de uma pesquisa, com o enfoque da Psicologia Social, é significativa porque, como foi dito, estamos diante de novas concepções de tempo e espaço e consequentemente novas formas de subjetividades que se desenvolvem no processo identitário das pessoas.

1.1.1. Identidade: Concepção teórica de Ciampa

Feitas essas considerações preliminares vamos apresentar o arcabouço teórico da pesquisa que está firmado na perspectiva proporcionada pelo sintagma Identidade-Metamorfose-Emancipação, desenvolvido por Antonio da Costa Ciampa (2008, 1998, 1995, 1987), que constitui a principal base teórica e para o desenvolvimento deste estudo. Para o autor a questão da identidade está fundamentada na dialética; não existe uma identidade dada pela natureza. A identidade é um processo que é construído e conhecido pela ação do indivíduo.

Ciampa inicia sua teoria sobre identidade a partir de perguntas como: “quem sou eu?”, “o que pretendo ser?” ou “quem é você?”. Segundo o autor essas são questões fundamentais para se conceituar identidade, pois revelam como nos apresentamos uns aos outros e a nós mesmos. As respostas revelam características das pessoas assim como suas habilidades, seus papéis sociais, seu grupo familiar, personagens vivenciados, etc.

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psicólogo social Ciampa entende que “... é necessário vermos o indivíduo não mais isolado,

como coisa imediata, mas sim como relação” (1995, p.133).

Nesta perspectiva, a identidade é vista como processo e, por conseguinte, movimento que demanda um sentido à constante atividade de “ser - humano”. Reconhecido que o sujeito da identidade se concretiza como metamorfose, tal conceito passa a garantir um olhar para a complexidade do movimento humano, cuja performance identitária o situa na intersecção de sua história de vida e seu projeto de futuro. O que não se pode perder de vista é que uma identidade é sempre uma representação substantiva de um fazer-se verbo (CIAMPA, 1995).

Outros teóricos já tratam de atualizar o conceito de identidade, originalmente proposto por Ciampa em 1986, deixando de lado concepções fixas. Hoje é comum conceitos como Identidades fluidas (GOFMAN, 1998); Modernidade Liquida (BAUMAN, 2005); Identidade Múltipla (TURKLE, 1997); Identidades Partilhadas (HALL, 1998); Identidade Saturada (KENNETH GERGEN, 1993); Identidades Flexíveis (EMILY MARTIN, 1994), etc.

É certo que todos dependem de condições naturais que garantem o desenvolvimento da humanidade (humanização), ou seja, não é nada sobrenatural, tendo as condições naturais há a autoprodução humana graças à sociedade. A identidade se dá por aspectos que nos assemelham e por aspectos que nos diferenciam, processos em que “internalizamos aquilo

que os outros nos atribuem de tal forma que se torna algo nosso” (CIAMPA, 1995: p.131).

Como pessoas humanas somos iguais e como indivíduos absolutamente diferentes. É um movimento dialético de dar e receber; um processo em que a identidade se revela num jogo complexo e contínuo de aparências, representações e reconhecimentos.

Ainda segundo Ciampa, a identidade está em constante transformação, não é produto acabado é uma produção constante e inacabada.

...uma vez que a identidade pressuposta é reposta, ela é vista como dada – e não como se dando num contínuo processo de identificação. (...) De certa forma, reatualizamos através de rituais sociais uma identidade pressuposta que assim é reposta como algo já dado, retirando em consequência o seu caráter de historicidade (...). (...) logo a mesmice de mim é pressuposta como dada permanentemente e não como reposição de uma identidade que uma vez foi posta (CIAMPA, apud LANE, 1984, p.66-67).

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movimento, é desenvolvimento do concreto. Identidade é metamorfose. É sermos o Um e um

Outro, para que cheguemos a ser Um, numa infindável transformação (CIAMPA, in LANE

1984, p.74).

1.1.2. Influências Filosóficas

Alguns autores, em especial, contribuem para a conceituação teórica de Ciampa e deste trabalho, dentre eles vamos destacar George Herbert Mead, que discute o conceito e a importância da mente para a Psicologia Social e Jurgen Habermas, que por sua vez, é influenciado por Mead.

Mead foi um filosofo americano interessado em ciências biológicas e sociais. Teve influências de Wundt, Kant, Marx e Hegel. Já em 1900 falava sobre Psicologia Social, quando a Psicologia tornava-se ciência (behaviorista), ele se contrapõe a ideias correntes e diz que self não é algo inato, é formado socialmente. “A mente é construída pela comunicação, através da experiência” (MEAD, 1934, p. 50, apud LIMA, S. 2007). Não existe self sem sociedade; não existe ‘eu’ sem ‘nós’ ou nós sem ‘eu’. O self compreende uma noção reflexiva em que o outro está implícito. Para o autor, o self é uma instância cognitiva e social que permite movimentos de autonomia do indivíduo diante do controle imposto pela ordem social e a capacidade na tomada de decisões no campo social e político.

Para a pesquisa que trabalha com a noção de identidade virtual, o conceito de self como algo que emerge da interação social é muito importante, visto que é quando assumimos o papel do outro e de nós mesmos, de forma dialética, é que o indivíduo e a sociedade constituem-se mutuamente.

Mead chama de “outro generalizado” a comunidade organizada que dá ao indivíduo sua unidade do self e afirma que é “na forma do outro generalizado que o processo influencia o comportamento dos indivíduos envolvidos e a comunidade exerce controle sobre a conduta

de seus membros” (MEAD, 1967, p.154 e 155, apud LIMA, S., 2007, p.14).

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com uma função adaptativa, ou seja, que os gestos com uma função adaptativa possibilita a adaptação dos indivíduos na interação social (BAZILLI, 1998).

Outro autor importante que influencia os estudos de Ciampa, é Habermas. O filósofo alemão diz que a socialização se dá como resultado de uma prática comunicativa cotidiana. Habermas. Para o autor o conceito de identidade do Eu assume uma perspectiva que parte da observação do Eu infantil e gradualmente entra nas estruturas gerais do agir comunicativo, e por meio destas estruturas, adquire sua competência interativa, a consistência e a autonomia do agir. E pode ser confirmada na

...capacidade que tem o adulto de construir, em situações conflitivas, novas identidades, harmonizando-as com as identidades anteriores agora superadas, com a finalidade de organizar – numa biografia peculiar – a si mesmo e às próprias interações, sob a direção de princípios e modos de procedimentos universais (HABERMAS, 1983: p. 70).

Para o autor as ações de fala, quando resulta em entendimento, contribuem para a tradição e dá continuidade à sabedoria cultural. Sob o aspecto da socialização, contribui para a formação e a manutenção de identidades pessoais. Assim pelo agir comunicativo, as pessoas de uma comunidade, que agem moralmente, podem encontrar consenso em uma comunidade que se comunica.

Habermas se diz convencido de que uma moral universalista, “que considere como racionais as normas universais (e os interesses capazes de generalização), pode ser defendida com bons motivos; e de que somente o conceito de uma identidade do Eu, que assegure ao mesmo tempo liberdade e individualização da pessoa singular no interior de complexos sistemas de papéis, pode fornecer hoje, aos processos educativos, uma orientação capaz de obter consenso”(HABERMAS, 1983, in LIMA, S. 2007, p. 23)

Por isso a progressiva concretização de uma identidade humana será sempre, antes de mais nada, uma questão política, conclui Ciampa (1995, p.216).

1.1.3. Emancipação

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recorrer, principalmente, à escola de Frankfurt, mais especificamente a Marx, Habermas e Horkheimer.

Como outros dicionários de língua portuguesa, o Aurélio traz: Emancipação – do lat. Emancipationes – ação ou efeito de emancipar-se: alforria; libertação. O dicionário etimológico define o verbo emancipar como eximir do pátrio poder ou da tutela. Tom Buttomore, no dicionário Marxista (p.123), diz que o conceito de emancipação está estreitamente relacionado à concepção de liberdade.

Os marxistas tendem a ver a liberdade em termos da eliminação dos obstáculos da emancipação humana, isto é, ao múltiplo desenvolvimento das possibilidades humanas e a criação de uma forma de associação digna da condição humana. (BUTTOMORE, 1988, p.124).

Esta é uma perspectiva liberal marxista herdeira de pensamentos de filósofos como: Spinoza, Rousseau, Kant e Hagel. É, também, a perspectiva que vamos adotar, ou seja, analisar como as comunidades de relacionamento virtual atuam como agentes supressores de dificuldades, internas e externas, eliminando obstáculos como a coerção, opressão e interferência do “outro” na identidade. O “outro” que às vezes é visto como o Estado, mas que também pode ser a própria sociedade que muitas vezes dificulta o processo de humanização ao inibir as possibilidades e/ou capacidades humanas para ser e agir com maior autonomia e liberdade em busca de emancipação.

Em termos práticos a realidade virtual pode ser compreendida como uma possibilidade de rompimento com essa ação do Estado. Um jovem que busca na realidade virtual mecanismos potencializadores de sua autonomia está lutando por emancipação. Como vimos, na internet, temporalidade, espacialidade e sociabilidade têm suas possibilidades aumentadas, o que torna mais acessíveis e possíveis movimentos de emancipação humana. É a ruptura de certos limites da realidade presencial em tempo e local únicos.

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mesmo e com isso romper barreiras que dificultam a emancipação humana. Para Marx somente quando o homem individual real recupera em si o cidadão abstrato, é que então se processa a emancipação humana (MARX, 1975). As limitações impostas pelo que lhe é atribuído dificultam o processo emancipatório.

O conceito de emancipação humana também está presente na obra de Ciampa (1995), na história de Severina, quando ele faz referência ao “bicho-humano que sempre esteve presente, querendo ser ele-mesmo, o que diz quando começa a se reconhecer humano. (...) A transformação das determinações exteriores em autodeterminação” (p.144). Para o autor

todo esforço de autodeterminação (mesmo que não plenamente concretizada) sem a ilusão

de ausência de determinações, pois o ser humano é matéria... A autodeterminação supõe finalidade” (p. 145); ou seja, na luta para ser ela mesma, Severina alcança fragmentos importantes de emancipação, começa a se reconhecer como humano.

Habermas, herdeiro do pensamento marxista, também trabalha com o conceito de emancipação humana, mas prefere falar em fragmentos de emancipação, para ele liberdade, autonomia e maioridade são fundamentais “... a emancipação é a capacidade de construir novas identidades a partir das identidades rompidas ou superadas e de integrá-las de tal modo com as velhas” (HABERMAS, 1987, p.141).

A importância das ideias de Habermas para a pesquisa consiste, principalmente, em sua luta pelo fim da opressão e da coerção nas questões que circundam a comunidade, propondo uma política mais participativa e igualitária, onde todos os cidadãos possam ter uma sociedade mais justa. Essa forma defendida por Habermas é possível pelo “agir comunicativo” que se expressa nas ações de fala e nos discursos.

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compõem determinada visão de mundo, sejam eles referentes aos fatos objetivos, às normas sociais ou aos conteúdos subjetivos.

A Internet acentua os conteúdos subjetivos e cria um espaço de interação diferente dos anteriores, um espaço desterritorializado porque proporciona uma comunicação em tempo quase que instantâneo e permite a interação de grande número de pessoas a grandes distâncias umas das outras. Essa é a posição de Lévy (1996), quando diz que uma das grandes características do processo de virtualizaçãoque ocorre em diversos campos (seja no corpo, na linguagem ou na economia) é o de desterritorializar o presente, de trazer uma unidade de tempo sem uma unidade de lugar. O virtual em sua visão seria o “deixar em aberto”, uma abertura para a possibilidade, para a contingência ao invés da solução das questões. É nesse espaço, e nesse presente desterritorializado, que vem surgindo novas formas de individuação e mostram-se um importante aliado na luta pela emancipação humana.

O terceiro autor que destacamos, nesta tentativa de conceituar emancipação, é Max Horkheimer, um expoente da escola de Frankfurt, que foi diretor do Instituto de Pesquisa Social e professor dessa cadeira na Universidade de Frankfurt.

O ideal de emancipação do homem enquanto sujeito racional é revitalizado pela crítica de Max Horkheimer ao modelo de fundamentação da racionalidade contemporânea. O autor faz, em seus escritos de 1937, uma crítica contundente à razão nos moldes do iluminismo, porém, sem negá-la. Afirma que a crise da racionalidade se deu devido à forma como ela foi historicamente conduzida e ao modelo de sociabilidade a que esteve associada, desde sua origem. Em seu livro, Eclipse da Razão, ele questiona e critica a razão. Entretanto, insinua que esse desterro da razão a uma posição subordinada, subjetivada, utilizada para meios, mas não para fins, e sua redução a mero instrumento, afeta inclusive sua utilização até mesmo como instrumento. Anula-se a razão, em nome da busca por novos interesses até então desconhecidos (HORKHEIMER, 1985).

O conceito de teoria crítica de Horkheimer é constituído a partir do confronto com o conceito de teoria tradicional e está presente uma concepção de razão que se dirige para a emancipação, para a liberdade. O projeto emancipatório da teoria crítica pode ser caracterizado, nas palavras de Horkheimer como “a teoria crítica que visa a felicidade de todos os indivíduos, ao contrário dos servidores dos Estados autoritários, não aceita a continuação da miséria” (1991, p.72).

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construção de nós mesmos. Apesar disso, Horkheimer só faz a denúncia da razão por entendê-la como um serviço à emancipação e felicidade humanas. Devido a isto, Horkheimer aponta um caminho ao defender a razão objetiva, aquela que representa a essência e exige uma atitude teórico-prática que parte da realidade existente e compromete-se com sua emancipação. O mesmo ocorre com sua Teoria Crítica, que mesmo preocupada com a realidade social existente, não conseguiu exercer a sua função enquanto práxis e inserir-se na sociedade.

Horkheimer se dirige à razão que antes alicerçava e depois se vê presa ás artimanhas da dominação, transformando-se em instrumentos desta. É uma crítica às conquistas da razão iluminista. Para ele, a razão é sobremaneira emancipatória, e ao instrumentalizar-se nega o seu fundamento. A crítica do autor visa repensar a própria racionalidade, resgatando o significado de orientar-se pela razão. Parte de uma suspeita lançada sobre as condições de vida a que estão sujeitos os Homens, onde “... a humanidade, em vez de entrar em um estado

verdadeiramente humano, está se afundando em uma nova barbárie” (HORKHEIMER &

ADORNO, 1985, p.11).

Sua Crítica tem como propósito reavaliar as conquistas e autonomia da humanidade. O projeto emancipatório que Horkheimer desenvolve parte da constatação de que a sociedade está contaminada por mecanismos e artimanhas que mascaram a visão da realidade. Conceito esse bastante discutido quando falamos em mundo real e realidade virtual como realidades complementares e não contraditórias.

Ainda que o autor não estivesse referindo-se à realidade virtual de nossos dias, acredito que sua crítica é atual e potencializa a crítica que se faz hoje sobre formas de dominação e artimanhas para mascarar e manipular a realidade das pessoas. Desde o século passado a história tem mostrado-se testemunha da crítica de Horkheimer e como diz Ciampa (1995) “...somos todos história-encarnada e linguagem-corporificada. Isso possibilita essa primeira emancipação, porque o ser humano nasce da síntese, natureza cultura, deixando de

ser apenas animal, passando a ser humano”.

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1.1.4. Comunidades Virtuais: um recorte importante

O terceiro conceito importante a ser explicitado neste capítulo é de Comunidade Virtual.

O ciberespaço é definido como um novo meio de comunicação identificado não apenas por sua infra-estrutura mundial da comunicação digital, mas também pelo universo oceânico de informações que ele abriga, assim como os indivíduos que navegam e alimentam esse universo. É neste ciberespaço que se criam as comunidades virtuais (LÉVY, 1999, 2007). O conceito de Comunidade virtual a ser utilizado na pesquisa é o de que comunidade virtual é um grupo de pessoas que estabelecem entre si relações sociais por tempo suficiente para que elas possam constituir relações contínuas; por meio da comunicação mediada por computador (RECUERO, 2009).

O termo comunidade é uma construção sociológica que evoluiu, por meio dela, de um sentido quase ideal de família, comunidade rural, passando a integrar um maior conjunto de grupos humanos com o passar do tempo (GARBIN, 2001). Ainda segundo a autora, citando Oldenburg (1999) e Rheingold (1996), com o advento da modernidade e da urbanização, principalmente, as comunidades rurais passaram a desaparecer, cedendo espaço para as grandes cidades. Com isso, a ideia de comunidade como sendo concebida como um tipo rural, ligado por laços de parentesco em oposição à ideia de sociedade, parece desaparecer, não da teoria, mas da prática. Rheingold (1996) diz que através do advento da comunicação mediada por computador e sua influência na sociedade e na vida cotidiana, as pessoas estariam buscando novas formas de conectar-se, estabelecer relações e formar comunidades.

As comunidades virtuais são agregados sociais que surgem da Rede [Internet],

quando uma quantidade suficiente de gente leva adiante essas discussões públicas durante um tempo suficiente, com suficientes sentimentos humanos, para formar redes de relações pessoais no espaço cibernético [ciberespaço] (RHEINGOLD, 1996, p. 20).

Assim, um dos pontos em comum entre os diversos tipos de comunidades, virtual ou não, é o compartilhamento de informações, conhecimentos, interesses e esforços em busca de objetivos comuns. Portanto, uma comunidade virtual é um tipo de relacionamento entre pessoas com objetivo comum, fortalecido pela identidade coletiva entre os membros deste grupo social, formado e efetivado num ambiente virtual.

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conceitos de comunidade. Não há mais necessidade de uma interação presencial, ou de se estar num mesmo território geográfico, para que se realize um processo comunitário. A realidade no mundo virtual das comunidades passa a ser um modo de existência, um modo de relação, aquele desterritorializado geograficamente, mas não uma forma única e independente de existência, pois é unida em torno de especificidades concretas e com vínculos que extrapolam o espaço virtual, especialmente aquelas de interesse social. As relações, no caso das redes de interesses sociais, perpassam o simbólico e se conectam à vida cotidiana.

Estamos diante de um espaço social emergente, um espaço alternativo no qual as pessoas trabalham, divertem-se, encontram-se e interagem constantemente. Formar e manter comunidades sempre foi um dos principais objetivos do ser humano; essa é apenas mais uma nova forma. A internet é um mecanismo potencializador que permite a persecução conjunta de objetivos, de aprendizagem, de desenvolvimento, de evolução e de sobrevivência.

Para Rheingold (1996), o lar desdobrou-se em dois: o das relações entre o agregado familiar e o da comunidade virtual disponível a quem participa das comunidades virtuais. Os indivíduos buscam alternativas associativas que se reconstituem nas comunidades virtuais. As comunidades virtuais

(...) implicam uma nova forma de ligação que passa a existir no meio de, ou entre, comunidades no espaço geossocial real, ligando-as e estendendo-as, trazendo mesmo comunidades reais para o seu contacto. Nesse sentido, a Net representa uma analogia do mundo, ou seja, é um lugar onde se constrói um espaço topográfico (interface), com lugares (sites) e os caminhos (path) que irão ser percorridos, até se chegar ao destino (RHEINGOLD, 1996 apud, SILVA, A. 2002).

Neste sentido uma comunidade virtual possui características de uma comunidade chamada “real”, ou seja, de encontros face a face em espaço delimitado. As pessoas que se comunicam num ambiente virtual interagem entre si, têm suas emoções afetadas reciprocamente. As diferenças estão mais relacionadas ao espaço de encontro, a confiança, a identidade e os interesses comuns se mantêm. O ciberespaço é uma construção social em que pessoas co-habitam mundos online e offline ao mesmo tempo.

Os autores destacam diferentes características para definir comunidade; Silva A., (2002), citando Ávila (1975) diz que uma comunidade apresenta

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Mais recentemente, o dicionário Webster define comunidade como um corpo unificado de indivíduos. De acordo com alguns escritores, a palavra é originária do latim “Communis” que quer dizer comum. Communis, pode por sua vez originar as seguintes combinações de palavras: Cum (junto) + munus (bens ou serviços). Aqui a palavra significa pôr em comum bens ou serviços. Cum (junto) + unus (um). Podemos interpretá-la com o sentido de unidade ou uno.

O conceito de comunidade virtual, tal como as comunidades presenciais, é um tanto amorfo. Rheingold (1993), um dos primeiros a falar em comunidade virtual, diz que as comunidades virtuais são agregações sociais que emergem na internet, quando as pessoas dão continuidade a discussões, expressam seus sentimentos e formam redes de relações pessoais no ciberespaço.

De acordo com Taylor (1982 apud SILVA, A. 2002 p. 36), o advento das novas tecnologias da comunicação modificou a maneira como as pessoas olham para a comunidade. As comunidades de relacionamento virtual não são apenas frutos da imaginação, nem seus participantes são pessoas alienadas da realidade social e cultural; acontece, de fato, um encontro social que reflete na comunicação, na relação de poder que se estabelece entre os participantes.

Depois de pensarmos sobre o termo “Comunidade”, vamos agora tratar de fazer o mesmo com o termo “virtual”. A etimologia da palavra “virtual” provém do latim virtualis que significa força ou potência. Assim concordamos com Lévy (2007) para quem o virtual opõe-se muito mais ao atual do que ao real. Para este autor o virtual se aproxima e se opõe, como se haveria de pensar, à noção de concreto, que tem origem no termo latim com-crescere e significa crescer junto ou condensar. Tal como a semente, virtual e concreto, denota aquilo que contém uma tendência.

O virtual é associado, por muitos, à “não-realidade”, mas, segundo autores como, Lévy e Castells, essa concepção não é adequada para se pensar o ciberespaço, e argumentam que o virtual não se opõe ao real, mas sim que o complementa e transforma ao subverter as limitações espaço-temporais que este apresenta. O virtual não é oposto do real, mas sim um aspecto singular da própria realidade na qual categorias de espaço e tempo assumem características diferentes. (LÉVY, 1999, 2007).

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identidades e os seus laços sociais. Esses espaços criam novas formas de sociabilidade que suscitam novos valores, que, por sua vez, reforçam as novas sociabilidades.

Teóricos como Berger e Luckmann (1997) entendem que as novas formas de relações podem gerar um novo tipo de identidade, produto de uma realidade diferente da realidade objetiva com a qual estamos acostumados, o que facilita a crítica tão importante para a pesquisa em psicologia social. E Gilles Deleuze, ao se referir ao virtual, diz que o possível já está todo constituído, mas permanece no limbo. O possível se realizará sem que nada mude em sua determinação nem em sua natureza. É um real latente. O possível é exatamente como o real: só lhe falta a existência. Para Deleuze a diferença entre possível e real é, portanto, puramente lógica (LÉVY, 1996).

Em suma, queremos fechar essa parte do trabalho ciente de que pensar a identidade como metamorfose em busca de emancipação por meio da potencialização do mundo virtual consiste um exercício imprescindível para a pretensão de fazer uma Psicologia Social crítica, em que conceitos teóricos encontrem bases sólidas na realidade do mundo da vida. Conforme Silva, A. (2002), citando Watzlawick (1991:7), acreditamos que existem diferentes perspectivas da realidade.

(...) acreditar que a nossa própria perspectiva da realidade é a única realidade, é a mais perigosa das ilusões e torna-se ainda mais perigosa se estiver associada a um zelo missionário de iluminar o resto do mundo, quer o resto do mundo deseje ser iluminado ou não (WATZLAWICK, 1991, apud SILVA A., 2002, p. 45).

Sobre os diferentes aspectos da realidade será tratado na segunda parte do trabalho, onde será possível mostrar que em muitos aspectos a realidade virtual consiste em uma luta em que os processos de desenvolvimento psicológicos são, muitas vezes, retomados e/ou intensificados; mundo virtual como que repondo o mundo da vida.

1.1.5. Identidade no Mundo Virtual

(...) participamos de grupos de discussão, revelamos o que não temos coragem para revelar pessoalmente, falamos de coisas “proibidas”, criamos personagens de nós mesmos que jamais ousaríamos... somos aquilo que quisermos ser... somos aquilo que fingimos ser. Reconstruímos nossa identidade do outro lado da tela.

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O conceito de identidade virtual será retomado e amplamente discutido na segunda parte do trabalho, quando iremos pensar sobre a práxis, porém, faz-se necessário apresentar, de forma preliminar, a construção social de identidade e perguntar: Podemos falar em “Identidade no mundo virtual”?

Como geralmente acontece quando vamos conceituar, definir ou explicar algo novo devemos partir do que já existe e/ou está estabelecido. Então vamos retomar o tema central – Identidade – e perguntar: O que é Identidade? Como as pessoas constroem sua identidade?

Além do próprio Ciampa, autores importantes também ajudam a fundamentar e a responder nossa questão central. Goffman (2004), diz que identidade é construída num contato real cotidiano, que é a representação do Eu. Giddens (2002), afirma que toda identidade é construída num processo de constante reflexividade. E Bauman (2005), trabalha com o conceito de “mundo moderno-líquido”, para o autor as identidades tornam-se cada vez mais passageiras e em constante mudança.

De certa forma esses autores seguem a teoria de Ciampa (1995), nossa referencia para conceituar Identidade, quando diz que identidade é Metamorfose. O autor compreende identidade como um processo que é construído e conhecido pela ação do indivíduo, fundamentado na dialética das relações; é relacional e histórico, um processo de interação e transformação humana. Para Ciampa (1995), identidade é sempre uma representação substantiva de um fazer-se verbo; é um constante transformar-se.

Ciampa (1995), diz que para evitar o engano de pensarmos que a identidade sempre se coloca de forma igual precisamos considerar a estrutura social e o momento histórico. Partindo deste princípio ao considerar a estrutura histórica do mundo contemporâneo observamos que, graças à tecnologia e à internet, existem novas estruturas sociais que são potencializadas pela desterritorialização do espaço e pela forma assincrônica, até então imutável. Essas são algumas características do momento histórico, marcado pela intensificação da realidade virtual, que possibilita novas formas de sociabilização e que certamente atua no processo identitário do indivíduo.

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outro outro que também sou Eu; a alterização da minha identidade. É a “metamorfose da

minha identidade, na superação de minha identidade pressuposta” (CIAMPA, 1995, p.180).

No caso de “Severina” a oportunidade de “sair do zero”, de fato (idem).

Pensar em identidade como processo dialético – indivíduo, sociedade – e não como uma questão estática fruto de uma realidade concreta é algo que, durante a história, autores consagrados já assinalaram quando pensaram o conceito de identidade. Em sua teoria psicanalítica, Freud desempenhou um papel complexo no desenvolvimento histórico em torno da questão da natureza unitária ou múltipla da identidade. Ele propõe uma visão descentralizada do Eu. Outros teóricos como Jung, que trabalhou com a ideia de que o Eu é o lugar de encontro de diversos arquétipos, encoraja o indivíduo a familiarizar-se com diversas identidades e entendê-las como manifestações desses arquétipos universais. E, mais recentemente, pesadores pós-estruturalistas como Lacan, para quem, segundo Turkle (1997), os complexos encadeamentos de associações que constituem o significado para cada indivíduo não conduzem a qualquer instância final ou nuclear.

Lacan insiste que o ego é ilusão. Com isto, ele estabelece a ponte entre a psicanálise e a tentativa pós-moderna de retratar o eu como um domínio discursivo, e não uma coisa real ou uma estrutura permanente da mente humana. (...) a internet é outro elemento da cultura do computador que contribui para encararmos a identidade como multiplicidade (TUKKLE, 1997, p.263).

Com a revolução tecnológica e as transformações sociais muitos conceitos e possibilidades do Eu estão sendo revistos. Os discursos no ciberespaço sugerem que se podem ampliar as possibilidades do Eu numa extensão tal que se pode recriar o Eu, conferindo-lhe uma identidade virtual. A construção de identidade que aparece no ciberespaço pode ser compreendida com outra face do Eu, ou, outra realidade – virtual - mas real. Não podemos pensar em identidade virtual como distinta ou separada da identidade na realidade não virtual. Vejamos, passo a passo, a consistência de falar em Identidade Virtual na teoria de Ciampa.

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momento. Nosso sujeito, como veremos, irá usar músicas, personagens e um nickname que, segunda ela, descreve quem é, mas que pode ser mudado – metamorfoseando-se. Para Bauman (2005), um indicativo de Identidade Líquida; para Goffman (2004), uma forma de expressividade baseada em seu momento e para Giddens (2002), uma amostra de Identidade como reflexividade.

Outros aspectos importantes usados para conceituar identidade na obra de Ciampa (1987), também são encontrados na realidade virtual e corroboram com a hipótese de que podemos pensar em identidade no mundo virtual.

O primeiro é que não podemos falar em identidade sem falar do “outro”, visto que identidade é relacional. Nas comunidades de relacionamento virtual o principal objetivo é relacionar-se com “outros” é encontrar alguém para interagir. A identidade é definida não só a partir do que diz de si, mas a partir do “outro” que encontra na comunidade. O perfil virtual do usuário é visto e compartilhado por outros. Meucci e Matuck (2005), falam sobre a importância da alteridade e da definição dada pelos outros na internet. Segundo eles “a definição, direta ou indireta, dado pelo outro é tão importante quanto o processo de autodefinição. É o relato do outro que legitima, deslegitima, ou acrescenta qualidades ao

perfil do sujeito” (MEUCCI & MATUCK, 2005, apud MOCELLIN, 2007, p. 108). Esse é o

que acontece em uma comunidade virtual, encontramos relatos de amigos que compartilham o perfil (“identidade”) postado na internet.

Outro autor que reforça esse aspecto é Habermas (1983), para quem a identidade surge na e pela interação com os outros. Ciampa (1995), compartilha e discute amplamente essa questão como veremos na segunda parte do trabalho, quando faremos a aproximação entre teoria e práxis.

Identidade é histórica. O segundo aspecto importante a ser considerado sobre a possibilidade de se pensar em identidade no mundo virtual é verificar sua realidade histórica. Podemos pensar em identidade virtual como processo histórico?

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Identidade do Eu. O terceiro aspecto sobre identidade é a identidade virtual e o Eu. A identidade virtual também pode ser compreendida como uma forma de construção do Eu. O ciberespaço constitui-se um laboratório para a realização de experiências com as construções e reconstruções do Eu (Turkle, 1997). Ao adotar um fake (perfil falso) ou mesmo o nickname (identidade virtual) estamos acionando novas formas do Eu. Ninguém pode ser “fake” de si mesmo

“...nos casos em que as pessoas expõem fatos, ou características, que não correspondem com ela na realidade, os usuários costumam dizer que a pessoa está criando outra identidade, criando uma personagem, sendo falso, exagerando. O fake serve para os casos em que realmente busca-se ser outra pessoa... agindo de maneira diferente do esperado pelas pessoas que o conhecem pessoalmente” (MOCELLIM, 2007, p.114). {grifo meu}

Os nicknames remetem-nos a um aspecto importante da identidade. No mundo

presencial, temos rostos, corpos, cheiros, jeitos e um nome oficial que nos identifica - “fulano filho de sicrano”; o nome nos identifica e com ele nos identificamos, nosso nome se funde a nós (Ciampa, 1995). No mundo virtual é o nickname que vai dar os primeiros dados sobre a pessoa, sobre como ela se apresenta naquela comunidade. As pessoas se aproximam, muitas vezes, por conta de seus nicknames que são formas de comunicação ou expressão de si mesmo.

Nas comunidades virtuais o nickname adquire força e potência ainda maior em sua função de identificar visto que é a única forma de nos identificar socialmente. Escolhe-se o

nickname que melhor representa ou com o qual se quer ser representado naquele momento.

No relato da história de vida de Severina, Ciampa observa que Severina sentia-se falsa porque seu sobrenome foi trocado, quando teve que fazer um novo registro de nascimento, adotando o sobrenome da família para quem trabalhava. Ciampa complementa: “surpreendentemente, ela não diz que seu nome é falso; diz ‘eu sou falsa!’. (...) Está claro que o nome não é a

identidade; é uma representação dela”. (CIAMPA, 1995, p.132). Assim também é o

nickname, passa a ser a representação do indivíduo; uma representação do Eu no mundo virtual.

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apropria-se de suas representações (também essa questão será discutida à frente quando esses conceitos serão confrontados com o relato da história de vida escolhida).

“...nas comunidades virtuais em tempo real do ciberespaço encontramos-nos no limiar entre o real e o virtual, inseguros da nossa posição, inventando-nos a nós mesmos à medida que progredimos” (TURKLE, 1997, p.13).

Para a professora de Sociologia e doutora em Psicologia da Personalidade do Institute of Technology em Massachusetts, Sherry Turkle, as janelas que separam e organizam os aplicativos na tela de um computador tornam-se poderosas metáforas para se pensar no self como um sistema múltiplo, de forma que a vida presencial (offline) pode acabar tornando-se apenas mais uma janela. O Eu não é mais simplesmente experimentar diferentes papeis em diferentes situações em diferentes lugares. A prática de vida das janelas (no mundo virtual) é a de um Eu descentrado que existe em muitos mundos e que experimenta muitos papéis ao mesmo tempo (TURKLE, 1996, online - http://www.wired.com/wired/archive/4.01/turkle.html).

A virtualidade no mundo das comunidades passa a ser um modo de existência, um modo de relação, aquele desterritorializado geograficamente, mas não uma forma única e independente de existência, pois é unida em torno de especificidades concretas e com vínculos que extrapolam o espaço virtual. As relações nas comunidades virtuais perpassam o simbólico e se conectam à vida cotidiana (CASTELLS, 2000).

O sujeito virtual exprime-se através de um corpo virtual no ciberespaço. É uma forma de ampliação da imaginação com diversas implicações subjetivas. Por exemplo, o cibersexo, com a possibilidade de sensações organicamente experimentadas. Segundo Turkle (1997), nos MUDs (multiple users dimension) e em outros sítios virtuais, pode-se mover, fazer, ver, ser, estar em outros lugares, com outras pessoas e objetivos, produtos da definição e intenções, da volição, enfim, do sujeito real, ancorado no mundo presencial com o seu corpo “real” que, em última instância está em um “aqui” protegido, familiar e seguro, a despeito de quais sejam as incursões virtuais que realize. É a realidade virtual atuando na realidade presencial.

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crítica, relevante e atual. Não podemos ignorar as novas formas de socialização e sua influencia na compreensão do processo identitário do indivíduo.

1.2. Considerações Metodológicas

"Métodoé a ordem que se deve impor aos diferentes processos necessários para atingir um fim dado (...) é o caminho a seguir para chegar à verdade nas ciências". (JOLIVET, 1979, p.71)

O objetivo central nesta dissertação é compreender como os relacionamentos em comunidades virtuais influenciam o processo identitário com o sentido emancipatório de seus participantes.

Para responder à questão central da pesquisa, vamos utilizar a técnica da narrativa de história de vida de uma pessoa que utiliza no NEPIM que tem se mostrado um importante instrumento para compreender como identidade é metamorfose em busca de emancipação.

Para o autor, “o singular materializa o universal na unidade do particular” (CIAMPA, 1995: p.213). Assim, cada história de vida constitui uma identidade que se dá como um processo ao mesmo tempo coletivo e individual. A partir dessa premissa, acreditamos que por meio do relato de uma história de vida podemos atingir o objetivo da pesquisa.

A história de vida também pode ser usada como método de pesquisa usado em abordagens qualitativas e foi introduzido no meio acadêmico em 1920, pela Escola de Chicago e desenvolvida por Znaniescki na Polônia. Contudo, somente na década de 1960 esse método de pesquisa foi estruturado, estabelecendo estratégias de análise e constituindo um método de coleta de dados do sujeito no contexto de suas relações sociais (CHIZOTTI, 1991).

O termo História de Vida, traduzido de historie (francês) e de story (inglês), tem significados diferentes. O sociólogo americano Denzin propôs, em 1970, a distinção das terminologias: life story (a estória ou relato da vida), terminologia que designa a história de vida contada pela pessoa que a vivenciou – neste caso, o pesquisador não confirma a autenticidade dos fatos, pois o importante é o ponto de vida de quem está narrando; e life

history (ou estudo de caso clínico), o qual compreende o estudo aprofundado da vida de um

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testemunhas, enfim, tudo o que envolve o indivíduo (BERTAUX, 1980, apud SPINDOLA, T., SANTOS R.,2003).

Na perspectiva adotada o contato direto do pesquisador com a situação estudada valoriza o processo e o resultado da pesquisa, porque retrata a perspectiva dos entrevistados, possibilitando que este se aproxime dos significados que o entrevistado atribui aos acontecimentos da vida (LUDKE M., MEDA A., 1986). O importante é o significado que o indivíduo atribui ao relato; podemos nos preocupar se é um fato ou não, analisando a coerência da narrativa.

A história de vida, mesmo sendo relatos ímpares, é sempre relato de práticas sociais: das formas com que o indivíduo insere-se e atua no mundo de que faz parte. Desta forma, a narrativa tem a função de descrever e avaliar, visto que avaliamos os fatos naquele momento. O pesquisador respeita a opinião e conta a história que lhe foi contada. Assim, a avaliação é muito mais do sujeito do que do pesquisador.

Nesta pesquisa a história de vida é usada como uma técnica de investigação que permite ao entrevistado uma narrativa livre, o que não impede que o entrevistador, ao longo do depoimento, faça intervenções a fim de aprofundar temas de seu interesse. Segundo Becker, a história de vida “... se interessa... por um relato fiel da experiência e interpretação

por parte do sujeito do mundo no qual vive” (BECKER,1999, p.102).

Trata-se de uma pesquisa qualitativa e considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre a realidade objetiva e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa. Não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é o instrumento chave. O processo e seu significado são os focos principais de abordagem (KAPLAN & DUCHON, 1988, apud MORESI, 2003, p.71).

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Para a pesquisa foram realizadas diversas entrevistas exploratórias até chegar a um caso que pareceu-nos atender aos nossos objetivos. Optamos por trabalhar com um relato porque sendo esse um estudo exploratório, em que a pessoa fala sobre toda sua vida, foi possível discutir as principais questões envolvendo sua identidade a partir de um caso emblemático.

Chegamos à nossa entrevistada por meio das relações de trabalho com o pesquisador que enxergou ali um sujeito potencial para a pesquisa. Em seguida foram realizadas conversas no sentido de verificar o interesse em participar do projeto e tendo sido confirmado passamos às entrevistas que aconteceram em três momentos diferentes. Primeiro para estabelecer um vínculo de confiança e fazer alguns esclarecimentos; num segundo momento ouvimos seu relato de história de vida; e, por fim, cerca de um ano depois retomamos os encontros para alguns esclarecimentos sobre questões mais pontuais envolvendo seu relacionamento em comunidades virtuais e os processos emancipatórios.

Os encontros para ouvir as histórias de S.1, deviam ocorrer de modo a revelar a base

subjetiva de mudanças sociais duradouras nos padrões de percepção e comportamento de grupos sociais particulares. Isso garante maior profundidade qualitativa, pois permite ao entrevistado falar sobre assuntos de sua escolha, nas suas próprias estruturas de referência e permite que os significados que as pessoas atribuem para os eventos e relacionamentos sejam compreendidos nos seus próprios termos.

Assim chegamos a S., estudante de Psicologia que aos 13 anos começou seu relacionamento em comunidades virtual. A opção por S., em princípio, deu-se porque foi quem apresentou maior potencial para os objetivos da pesquisa. Outro fator importante, esse só descobrimos depois, foi que o discurso apresentado era quase auto-interpretativo, provavelmente devido ao fato de estudar Psicologia S. apresentou um discurso carregado significados que ela atribui às coisas e à vida.

Conhecemos S. no trabalho e a proximidade das relações permitiu uma aproximação amigável entre pesquisador e entrevistado, criando um ambiente propício para que o relato de sua história de vida transcorresse sem maiores dificuldades. A narrativa da história de vida de S. será apresentada na segunda parte do trabalho em que vamos aproximar os conceitos teóricos do trabalho com a práxis social.

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