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PARTE II – DISCUTINDO UMA HISTÓRIA DE VIDA: ARTICULANDO TEORIA E

2.1. Identidade Virtual no Mundo da Vida

“Para os seres atentos, o mundo é um só.” Heráclito

A opção por falar em “mundo da vida” acontece porque vemos, na teoria de Husserl, um paralelo importante ao que acontece nas comunidades virtuais quando um indivíduo usa um nickname para co-habitar no mundo virtual.

Ao falar em mundo da vida não temos a intenção de discutir questões filosóficas envolvidas, mas apenas fortalecer nosso argumento de que práxis e teoria precisam caminhar juntas. A teoria de “Mundo da Vida” de Husserl objetivava, entre outras coisas, romper com o abismo entre práxis do cotidiano e a teoria da ciência da natureza como única forma de conhecimento. Para Husserl era preciso resgatar a noção de que o mundo real não é o mundo visto pela ciência, mas aquilo que é experimentado, aquilo que se vive. Nisto consiste o paralelo importante, o real não está restrito ao presencial, mas àquilo que é vivido.

Para o autor, a ciência tem pouco a oferecer, no que se refere às questões da humanidade, uma vez que ela deixa de fora as questões essenciais do homem, as questões que dizem respeito ao seu modo de ser, promovendo, assim, o distanciamento entre o mundo que eu experiencio e o mundo que me é dado cientificamente. A intensificação do mundo virtual na vida das pessoas parece remeter ao descontentamento de Husserl com o “mundo das ciências” que, segundo ele, promovia a desconstituição do sujeito na relação com o mundo da

vida. Era uma tentativa de aproximar o homem de sua realidade empírica. A obviedade do mundo, portanto, fora colocada em questão:"o ser do mundo não mais pode constituir para nós um fato óbvio, mas somente um problema de vigência" (HUSSERL, 1929, p.5).

É com essa abertura sobre o mundo da vida que iniciamos o relato da história de S., no “mundo da vida”. S. tem 25 anos e está cursando Psicologia; na época (2011) trabalhava como estagiária, remunerada, em uma cidade da região metropolitana de São Paulo. O início de seu relato fala de um momento difícil de sua vida, quando tinha 13 anos de idade.

O ano era 1999, eu tinha 13 anos, cursava a sétima série, morava com os meus pais e meu irmão. Era uma pré-adolescente típica, vivia entre o colégio e a casa das minhas melhores amigas (que são minhas melhores amigas até hoje). A única coisa “atípica” era um problema que eu tinha desde a infância: insônia. E o meu vício por livros.

Um dia, depois de já ter lido os meus livros e os livros do meu pai, fiquei aborrecida e perguntei se não havia mais. Ele abriu o armário e tirou uma caixa onde guardava (ou escondia) seus livros da maçonaria. Folheei alguns, a maioria escrita em códigos incompreensíveis pra mim, ele tirou de lá três livros do Paulo Coelho. Um deles mudaria a minha vida.

Quando li “Brida”, e descobri o que o Paulo Coelho chamava de Tradição da Lua, eu senti aquele “momento em que tudo faz sentido”, eu havia descoberto meu caminho, era como se tivessem aberto as janelas e eu conseguisse ver o mundo pela primeira vez. Fiquei extasiada, havia me encontrado. Até então, nunca havia me interessado por absolutamente nenhuma fé ou religião. O problema é que o livro não trazia maiores informações, e eu não sabia o quanto daquilo era ficção ou realidade. Fiquei dois meses entre o êxtase e a angústia. Eu havia descoberto meu caminho, mas não sabia o que ele era, não sabia por onde começar, não sabia por quem ou pelo que procurar... Perguntei onde meu pai havia encontrado aquilo, e ele respondeu no site do Paulo Coelho e me mostrou. Esse foi o meu primeiro contato com a internet. Naquela época o acesso a internet

era por conexão discada, ou seja, só conectávamos depois da meia noite, por causa do preço dos pulsos.

Assim começa a luta de S., em uma fase da vida em que as questões sobre a identidade são intensas, talvez a mais marcante – pré-adolescência. S. começa falando de sua vida “tipica”, talvez como crítica à sua realidade que se constituía apenas de escola, algumas amigas e sua casa. Depois de ler “todos os livros do pai” ela queria mais... “Eu havia descoberto meu caminho, mas não sabia o que ele era, não sabia por onde começar, não sabia por quem ou pelo que procurar”. A internet pareceu-lhe o seu caminho.

Ainda referindo-se às primeiras falas de S. é possível observar um movimento de metamorfose importante, diz que “... até então nunca havia me interessado por absolutamente nenhuma religião”, entretanto, mesmo sendo muito jovem S. está preocupada com uma questão existencial – a busca de sentido para sua vida – e é na religião que, conforme suas palavras, encontra “seu caminho”. Um pouco mais à frente S. vai dizer:

Foi também graças a esse despertar místico/religioso que passei a adolescência muito próxima do meu pai. Ele me apoiava em tudo. Deu-me meu primeiro pentagrama (impossível de achar naqueles dias...), fez com as próprias mãos meu altar, me deixava sair mais cedo do trabalho em dias de ritual (eu trabalhei dos 14 anos 17 anos como atendente em 3 pizzarias da família). Conversávamos muito sobre o assunto.

A maior parte das pessoas que passam horas nas comunidades de relacionamento virtual está em busca de encontro existencial. Para a Psicologia Existencial o encontro descreve uma relação especial entre duas pessoas e ocorre quando elas atingem uma verdadeira comunhão ou comunicação; quando uma existência se comunica com a outra. É através do encontro que o outro não é mais um indivíduo impessoal, ele passa a sentir-se humano, ou seja, parte da humanidade. Há uma espécie de fusão, apesar de cada um preservar o seu próprio eu distinto. Como escreve e.e. Cummings: (in POWELL, 1991) “Um não é metade de dois. Os dois é que são metades de um”.

É importante notar que apesar de sua fala carregada de conteúdos aparentemente emancipatórios como: “... senti que tudo fazia sentido... havia me encontrado... descoberto o

caminho...”, o que acontece são insights importantes em seu processo de metamorfose em busca de emancipação. Isso fica mais claro quando em seguida S. diz: “Eu havia descoberto meu caminho, mas não sabia por onde começar, não sabia por quem ou pelo que procurar... eu não sabia o quanto daquilo era realidade ficção ou realidade”. A luta estava apenas começando.

Bem, eu comecei a usar a internet e as redes virtuais quando essa identidade estava ainda em construção, quando eu buscava aprender sobre as coisas e sobre eu mesma.

(...) Também tive blogs, que na época eram diários virtuais, e o processo de escrita diário sobre as experiências que eu tinha era uma forma de reflexão, de internalizar e entender tudo aquilo. Sempre gostei muito de escrever, e na internet eu poderia também ser lida! Nisso, me tornei mais assertiva, ao menos na escrita. Na rede e nos blogs, eu falava sobre o que eu fazia, o que aprendia, sobre as minhas descobertas, o que eu não concordava, sobre as coisas engraçadas da minha família, sobre autores e livros, sobre diretores, sobre filmes. Questionava o mundo. Onde mais um adolescente tem “voz” pra isso?

Aos 13 anos a pretensão identitária de S. é acentuada, a busca por sua humanização se intensifica. S. depois de dizer que era “uma pré-adolescente típica”, talvez porque não reconhece sua própria identidade, diz que “essa identidade estava ainda em construção”. Usa os livros, estabelece diálogos intelectuais com o pai e finalmente encontra a realidade das comunidades virtuais um espaço para “reflexão, de internalizar e entender tudo”.

Uma noite eu descobri uma sala de bate papo no UOL sobre bruxaria. Entrei e conheci um garoto chamado M., tinha 21 anos na época, morava no Japão.

Esse é seu primeiro encontro com/na comunidade que iria fazer parte de sua vida e atuar diretamente em seu processo de pretensão identitária. S. conhece M., e aqui destacamos que, de todas as pessoas que conheceu na comunidade de relacionamento virtual essa é a única citada nominalmente, e também, a única que nunca conheceu pessoalmente. Talvez, a

falta da relação presencial acentuou seu potencial criativo para criar novas personagens de si mesma, livre de predicados indesejados. S. encontra um grupo com valores que eram também os seus, “encontra vida. Num grupo assim, pode-se supor, cada indivíduo reconhece no outro um ser humano e é assim reconhecido por ele. (...)Ter uma identidade humana é ser identificado e identificar-se como humano!” (CIAMPA,1995, p.38).

(...) Foi nessa época que adotei um nick2, um nome que “veio” na

minha mente, eu não sabia o que significava. Fui pesquisando o significado durante anos, esse nome e tudo que ele representa era exatamente a minha história de vida e foi se tornando parte de minha personalidade. A um ponto em que, em determinados momentos (muitos anos depois), eu era de fato a P (meu nick) e a S. (meu nome real) era a máscara que eu vestia pra sociedade.

Um fato revelador na história de S. diz respeito a seu nickname. Ela diz que o nick “veio à mente”, depois diz que foi buscar o que significa. Nisto vemos sua luta em busca de uma identidade livre da coerção do outro. Depois de algum tempo diz: “Meu nick representava exatamente a minha história de vida e foi se tornando parte de minha personalidade”. Noutro momento diz: “... quero buscar o melhor das duas (S. nome próprio e P. nickname) e criar uma terceira... a ética, doçura e sonhos de uma e as paixões e desejos da outra”. Freud diria que estamos descrevendo a relação Id, Ego e Superego, o princípio do prazer de uma e princípio da realidade de outra, em ação.

Vemos de forma clara a maneira saudável com que S. trata as duas realidades, ambas se completam, se retro-alimentam, co-habitam. Ela não rompe com o mundo tradicionalmente sistematizado, mantém o que ela chama de “máscara” (seu nome próprio) e naquilo que não a satisfaz busca na realidade virtual. É esse contato com a realidade objetiva, essa dialética entre o presencial e o virtual, que vai possibilitar um salto emancipatório importante como veremos no final de seu relato.

A história continua... depois de conhecer M.

Ele me conduziu em uma conversa que durou 5 horas, e eu não me sentia mais ali. Falou sobre Deus e o Diabo, sobre Yin e Yang, sobre

maniqueísmo, eu viajei em cada linha do que ele escrevia. Ideias totalmente inéditas pra uma garota de 13 anos. (grifo do autor)

O caso de S. representa bem a minha preocupação inicial e que gerou interesse pela pesquisa. Ela tinha o que chama de vida normal, com amigas da escola, mas só depois com amigos virtuais encontrou seu caminho. É como se, só agora (com a realidade virtual), encontrasse algo que buscava e não havia encontrado. E é interessante notar que ela logo trata de encontrar um nickname, um novo nome, para ela, uma nova identidade.

É difícil identificar alguém sem falar em nomes, o senso comum, aliás, começa por aí. A própria pessoa quando pretende se identificar começa dizendo: “meu nome é...”. Então vamos seguir esse caminho e falar sobre identidade no mundo da vida usando como referencial prático a narrativa de S., que em seu primeiro contato online tratou de adotar um nickname. Sabemos que o nome oficial não é a identidade, que é uma das formas de representação, uma forma que nos foi predicada. No caso das comunidades de relacionamento virtual o nickname assume um papel identificatório ainda maior; uma potencia à sua forma de representação, visto que ela mesma escolheu, um nome que lhe parece melhor apresentá-la e não algo predicado. Em suas palavras “um nome que representa exatamente minha história”.

S. encarna sua identidade virtual. Parece razoável pensar que, diante das dificuldades da realidade objetiva para conseguir “ser alguém”, S. se transforma em P., prefere deixar de lado a realidade do mundo presencial e parte para a realidade virtual. Algo muito semelhante ao encontrado no relato de vida da Severina que: “De repente, a realidade que se mostrava tão hostil... a ponto de ela começar inconscientemente a se evadir da mesma – muda surpreendentemente: encontra um rapaz com quem durante cinco anos tem um namoro e um noivado perfeitos”. (CIAMPA, 1995, p.57). S. encontra em M. um ideal para sua pretensão identitária.

Se no mundo presencial temos rostos, corpos, cheiros, jeito, voz que ajudam a nos identificar; no mundo virtual tudo isso inicialmente se reduz ao nickname. É ele que vai dar os primeiros dados sobre a pessoa, é como ela se apresenta. O nickname além de ser uma forma de apresentar-se, muitas vezes representa seus interesses, como a pessoa se sente e o que deseja, ou seja, ajuda a responder uma das perguntas chaves para nossa compreensão de Identidade: quem é você?

Usar um nickname foi, também, uma forma de romper com a mesmice de S., ela deixou sua identidade pressuposta. Para que a mesmice não se reproduza ou manifeste-se de

forma continua, é necessário que se elimine a identidade pressuposta e surja o outro "outro", que também sou eu, havendo a negação da negação de mim, superando, então, minha identidade pressuposta, desenvolvendo uma identidade posta como metamorfose constante (CIAMPA, 1995).

Isso acontece porque nas relações virtuais os indivíduos, de forma criativa e lúdica, adquirem uma identidade aparentemente imaginária (nickname) e apropriam-se dela para construir relações sociais. Um nickname pode ser uma oportunidade de não ficar preso àquilo que nos foi predicado, podemos fazer interiorizações além daquilo (representação do nome predicado) que nos foi imposto. Pode-se não ser ou ser algo mais que o “fulano filho de sicrano”. Trata-se de um recomeço de seu processo de construção da identidade; um recomeço de seus processos primários.

Atendendo à nossa proposta de articular teoria e práxis temos aqui algo que nos remete ao conceito de Mead para a formação do self. Para ele a criança, em seu processo primário, brinca (play) e encena seus personagens imaginários, apropriando-se do outro por meio de suas próprias atitudes. É neste momento em que a criança fala consigo mesma, imita pessoas próximas ou cria personagens, que ela constitui a relação com o outro e utiliza suas próprias respostas aos estímulos na construção do self. Ao assumir um nickname (nova identidade), o usuário da comunidade virtual está assumindo uma personagem de si mesmo; ele está “brincando” de ser outro para ser ele mesmo. É como se estivesse reconstruindo sua identidade.

Para Ciampa (1995), a identidade se apresenta empiricamente como uma personagem, ainda que esta seja apenas chamada por um nome próprio. Sua identidade se expressa por múltiplas personagens.

A identidade é composta por articulações de vários personagens e ela é posta sob a forma de personagem. A personagem é um momento da identidade que expressa as diversas formas que esta pode assumir, particularmente através dos papéis sociais atribuídos ao indivíduo - mãe, filho, etc. Nessa perspectiva, é necessário ver o indivíduo não mais isolado, mas entendê-lo numa relação. Portanto, identidade é a articulação da diferença e da igualdade, (CIAMPA 1995).

Esse é outro conceito importante que encontramos no relato de S. e, também, na obra de Mead, quando ele fala da relação entre “eu” e “mim”. Para explicar como se dá a apresentação da identidade enquanto metamorfose, Lima A, (2009), recorre a Mead quando fala da relação entre “eu” e os vários “mins”. Segundo ele, Mead

(...) escreve que a relação (“eu” e “mim”) é semelhante ao relacionamento entre parceiros de um diálogo, “a consciência de si-mesmo, atualmente operante no relacionamento social, é um “mim” objetivo ou vários mim (ns) num processo contínuo e que implica um “eu” fictício sempre fora de seu campo de visão” (MEAD, 1912, apud: LIMA, A. 2009, p. 117).

Em sua teoria de construção do self, Mead, argumenta ainda que a segunda etapa para sua formação, é o jogo (game), o que também encontramos paralelo nas relações virtuais. As relações virtuais pressupõem regras nas quais os participantes assumem seus papéis para estabelecer uma relação entre si. É por meio do jogo que a criança exercita a representação de papéis e a internalização de regras e de atitudes pois, “... a atitude dos outros jogadores que o participante assume organiza-se em uma unidade e é esta organização que controla a resposta do indivíduo (MEAD, 1967, p.154, apud: LIMA, A. 2009). Esse é o mesmo princípio encontrado nas comunidades de relacionamentos virtuais, de forma lúdica, os indivíduos assumem uma nova “identidade” (nickname). Ainda segundo Lima, A. (2009), o indivíduo assume novas atitudes que permitem sua transformação e passa a sentir-se, nas palavras de Mead (1967, p.159), “...membro orgânico da sociedade”. S. diz que agora é P. (abreviação do nickname escolhido) assume nova identidade e S. (nome oficial) era uma máscara.

Em seu discurso S., ainda que intuitivamente, faz diferenciação entre realidade objetiva e mundo da vida. Ela tem consciência de quem é, ou representa, para o mundo, enquanto sistema, mas intuitivamente busca no mundo da vida (naquele momento o mundo virtual) a solidariedade e um sentido maior para sua pretensão identitária. É na realidade virtual, onde é P. e não S., que se reconhece melhor.

A fim de revelar outra questão importante na teoria de Ciampa (1995) – a encarnação da personagem - recorremos à internet e buscamos o significado do nickname de S. e encontramos algo revelador sobre sua história, as descrições sobre o significado de “P.” diz que é uma pessoa que:

Passa a impressão de uma pessoa muito inteligente e intuitiva, desde muito cedo é notória sua vocação por atividades intelectuais. Não se atrai por atividades desgastantes e de esforço físico. Na maturidade demonstra ter a vida sob controle. Alguém que valoriza a espiritualidade. Sempre envolvida com seus pensamentos pode passar a impressão de solitária. Séria, não aceita intimidades ou brincadeiras inoportunas. Bastante reservada, torna-se difícil ter sua confiança, e guarda seus segredos sempre para si. Não se familiariza com encontros sociais, prefere sempre atividades que exijam concentração. Fala pouco, e evita comentários óbvios, nunca age com a intenção de impressionar, por isso só participa de conversas quando está embasada de sua observação e cuidadosa analise. Preocupa-se com o conteúdo e nunca com a forma. Esta postura tende a isolá-la do mundo, pois dificilmente confia

na ajuda de alguém, a maneira de ser bem compreendido e aproveitar os aspectos positivos da personalidade é controlar o egoísmo e buscar abrir-se mais ao mundo 3.

Para quem conhece S. pessoalmente essa é, exatamente, a melhor forma de descrevê- la; o que nos leva a pensar que ela dedicou-se, trabalhou, “lutou” para ser assim. S. encarnou a personagem para dizer “quem é”. Lembramos que o texto trata de responder a pergunta central: “Quem sou?”, para falar sobre identidade.

Lima, A. (2009) recorre a Ciampa (1995), quando utiliza a perspectiva da dramaturgia para falar da identidade de Severina, para dizer que metodologicamente isso implica em defender que a identidade passa a ser vista, expressada empiricamente, por meio de personagens. É a articulação dessas personagens que evidencia o processo de identidade e metamorfose do indivíduo. Ciampa (1995), baseado no pensamento de Hegel, diz que “as personagens são momentos da identidade, degraus que se sucedem, círculos que se voltam sobre si em um movimento, ao mesmo tempo, de progressão e de regressão” (p. 198). No relato de vida de S. podemos pensar que P. é um momento da identidade de S., um movimento que irá facilitar sua pretensão identitária e busca de emancipação.

Ainda segundo Ciampa (1995), a identidade é composta por articulações de diversos personagens. A personagem é um momento da identidade que expressa as várias formas que esta pode assumir. Nesta perspectiva, é necessário ver o indivíduo não mais isolado, mas entendê-lo numa relação. “Só assim ele pode ser determinado, pois efetivamente ele é determinado pelo que não é ele, pelo que o nega” (CIAMPA, 1995, p.137). Outros autores usam o termo personalidade para referir-se às identidades utilizadas no mundo virtual, mas com o mesmo sentido, reforçando o coro de que as personagens (nicknames) das comunidades de relacionamento virtual são representações de si mesmos.

“...a realidade parece ser que muitos, provavelmente a maioria, dos usuários sociais da comunicação mediada por computador criam personalidades online compatíveis com suas identidades offline. (BAYM, 1998, p.55, apud: CASTELLS, 2003, p. 110)

O mundo das comunidades virtuais é habitado por diferentes construções de identidades, que são distribuídas em diversas realidades. Tanto o avatar4 como o nickname

são realidades e fonte de autoconhecimento do Eu. É o que Richard Parrish chama a 'fluência da identidade', uma experiência que ele vê como potencialmente rica. Quando um indivíduo

3 Por motivo de sigilo não identificamos o endereço eletrônico da informação.

4 Cibercorpo inteiramente digital. Uma figura que empresta sua vida simulada para o transporte identicatório de cibernautas (Enciclopédia livre Wikipédia).

entra em uma comunidade virtual, os outros membros não sabem nada sobre ele, exceto o