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Controvérsias entre o real (Baudrillard) e o virtual (Lévy)

PARTE III – Análise Crítica

3. Crítica e Contra crítica

3.2. Controvérsias entre o real (Baudrillard) e o virtual (Lévy)

Com relação ao que chamamos de controvérsias entre real e virtual, já fizemos referência na primeira parte do trabalho, portanto, vamos aqui, nos concentrar na crítica e contra-crítica envolvendo a questão. Destacamos esses dois autores por serem referência e por representarem posições antagônicas sobre o assunto.

Lévy entende a produção no ciberespaço como um elemento importante de uma sociedade em transformação onde o virtual articula com toda a vida social, marcada pela ruptura dos limites espaço-temporais e desterritorialização (LÉVY, 2007). Já Baudrillard (1997) compreende o virtual como sendo o esvaziamento do real e o fim da comunicação. Se Baudrillard é o profeta do fim, Lévy é o profeta do futuro envolvendo o ciberespaço.

A controvérsia é importante e provavelmente se estenderá por muito tempo porque – real e virtual – constituem o ponto central das divergências.

Alguns críticos contemporâneos fazem oposição à realidade virtual baseados em pesquisas anteriores, que apontaram aspectos negativos da intensificação do virtual na vida das pessoas. Estudos Norte-americanos como os realizados por Nie e Erdring (2000), observaram um padrão de interação pessoa a pessoa diminuído e apontaram para uma perda do envolvimento social entre os participantes de comunidades virtuais. Ou ainda estudos de Kraut (1998), que pesquisou uma amostra de 169 famílias durante os dois primeiros anos com comunicação mediada por computador e verificou que o maior uso da internet estava associado a uma diminuição na comunicação face a face dos membros da família em casa, ao ponto de acentuar nível de depressão e solidão (CASTELLS, 2003).

Nestes casos a contra-crítica diz que pesquisas mais recentes indicam que isso aconteceu devido à inabilidade e novidade da internet. Barry Wellman e Steve Jones mostram que essas críticas são infundadas. Naquela época, alguns participantes teriam recebido computadores para participar da pesquisa mostrando que não estavam preparados para seu uso. Estudos a partir do ano 2000 têm mostrado que as relações virtuais têm levado a maior satisfação e interação social. As pessoas estão aprendendo a usar as novas tecnologias. As primeiras pesquisas eram simplistas e baseadas num conceito de comunidade ideologizado (CASTELLS, 2003).

Hoje é possível observar padrões de sociabilidade bastante desenvolvidos como demonstram as pesquisas mais recentes. Segundo Castells (2003),

“...não há indícios, a partir destes dados, de que indivíduos que têm agora acesso à internet em casa e o utilizam gastando menos tempo assistindo televisão, lendo livros, ouvindo rádio ou envolvidos em atividades sociais na casa se comparados a indivíduos que não têm (ou não têm mais) acesso à internet em casa. As únicas mudanças que podem ser associadas ao ganho de acesso à internet são: um aumento do tempo dedicado ao e-mail e ao surfe na web – um resultado espantosamente óbvio. As únicas mudanças que podem ser associadas à perda do acesso à internet são: o menor tempo gasto no preparo da comida, mudanças em circunstâncias educacionais e no emprego remunerado baseado em casa (p.101).

Outro aspecto bastante criticado nas relações virtuais é seu caráter fluido. Alguns críticos argumentam que no mundo virtual um homem pode “ser” uma mulher, um velho “ser” um jovem, o que afasta da realidade. E, neste caso, encontra um teórico importante em sua crítica. Habermas (2003), acredita que os espaços concretos de um público presente nas esferas públicas sejam mais consistentes:

Quanto mais elas se desligam de sua presença física, integrando também, por exemplo, a presença virtual de leitores situados em lugares distantes, de ouvintes ou espectadores, o que é possível através da mídia, tanto mais clara se torna a abstração que acompanha a passagem da estrutura espacial das interações simples para a generalização da esfera pública. (p. 93)

Para o autor, a ausência de espaços concretos pode levar a uma abstração generalizada e desconectada das interações humanas. A inclusão do “anonimato”, característico dos relacionamentos em comunidades virtuais, passam a comprometer o entendimento comunicacional.

A contra-crítica discorda e diz que estes novos espaços não subvertem a argumentação e nem a discussão política. A esfera pública midiática, através da internet, corresponde a um espaço de troca, de produção e de estocagem de informações. Ao canalizar e entrelaçar múltiplos fluxos, quando bem utilizados, torna-se um instrumento de poder, abrindo também a possibilidade de um trabalho cooperativo no ciberespaço que escapa da manipulação e do controle pelo fato da acessibilidade universal na rede favorecer uma condição para que as vozes minoritárias e opositoras garantam seu lugar neste meio (CASTELLS, 2003).

Afastar ou aproximar da realidade baseando-se em “concreto” (realidade) “abstrato” (virtual) é difícil, pois dependemos dos signos para viver em sociedade. “A realidade é constituída socialmente” (BERGER & LUCKMANN, 1997, p. 11). Ou ainda, pensar que o “mundo virtual” não representa a realidade é negar o simbólico, não é possível experimentar o real sem codificá-lo. “De certo modo, toda realidade é percebida de maneira virtual” (CASTELLS, 2006: p.459).

Em termos mais práticos podemos apresentar como contra-crítica aos defensores de uma realidade presencial como sendo superior à realidade virtual, a seguinte questão: Quando uma pessoa identifica-se diferentemente de sua aparência, com uma “nova identidade”, essa é uma identidade (realidade) falsa e que não existe ou são mecanismos que a pessoa encontra para expressar como se sente naquele momento, livre de papéis ou de predicados indesejados? Essa “nova identidade” não seria a melhor resposta para identificar e dizer quem é? O jovem e o velho são definidos unicamente com dados cronológicos? O masculino e feminino é definido exclusivamente pelo órgão genital?

Essa é uma discussão sem fim e, talvez, infrutífera, seus motivos são compreensíveis uma vez que mudanças significativas implicam em conflitos, temores e sentimentos de ambivalência. O que parece mais provável é que aspectos positivos e negativos da internet e sua realidade virtual dependem da forma que se usa.

(...) as potencialidades positivas da cibercultura, ainda que conduzam a novas potências do humano, em nada garantem a paz ou a felicidade. Para que nos tornemos mais humanos é preciso suscitar a vigilância, pois o homem sozinho é inumano, na mesma medida de sua humanidade (LÉVY, 2007, p.234).

A reflexão crítica mostra que nem tudo são flores estaria faltando com a verdade se atribuíssemos somente aspectos positivos à intensificação do virtual na nossa realidade. Ainda que o ambiente virtual seja um lugar seguro, isso não é o bastante para possibilitar saltos qualitativos na busca de emancipação. Alguns não têm suportado essa realidade e partido para a realidade virtual, onde “pode-se tudo”. O que não deixa de ser um risco porque “a loucura, neste sentido, é o esforço de criação de um novo universo – louco porque singular, não compartilhado – consequentemente fuga de uma realidade: a realidade quotidiana” (CIAMPA, 1995, p.157). Devemos lembrar que não estamos falando de duas pessoas diferentes – uma online e outra offline – estamos falando de personagens que se complementam e, portanto, existe a possibilidade de que uma personagem anule a outra, neste sentido, loucura.

“... a Internet é um modelo sócio-técnico é uma rede que pode ser utilizada de modo positivo ou negativo. Portanto, torna-se crucial superar a dualidade utópicadistópica a respeito dos efeitos da utilização Internet, desvalorizando-se uma perspectiva maniqueísta e reconhecendo simultaneamente os seus aspectos bons e maus”. (CASTELLS, 2001).

Alguns podem usar o espaço das comunidades para reencenar as mesmas dificuldades da vida presencial. As comunidades proporcionam espaços fecundos tanto para a passagem ao ato como a “perlaboração” (TURKLE, 1997). Há neles genuínas possibilidades de mudança, e há lugar também para a repetição improdutiva. É uma possibilidade e uma realidade que se aproxima do que Ciampa (1995, chama de mundo da mesmice8 (...) a mesmice de mim é

pressuposta como dada permanentemente e não como re-posição de uma identidade que uma vez foi posta (p.164). Ou seja, é impossível manter a identidade inalterada, mas pode-se, à custa de muito trabalho (p.165), manter alguma aparência de inalterabilidade, manter a mesmice.

A realidade virtual, nesse sentido, pode ser vista como uma forma de romper com a mesmice, de uma forma radical o indivíduo “deixa” o mundo presencial para co-habitar no mundo virtual e quebrar o ciclo de reposição da identidade pressuposta. Isso leva-nos a um segundo conceito importante de Ciampa, a “mesmidade”, que é a superação da identidade pressuposta, ou seja, a oposição à mesmice. “Essa expressão do outro que também sou eu consiste na metamorfose da minha identidade, na superação de minha identidade pressuposta” (1995, p. 180). A mesmidade permite ao indivíduo se representar sempre como diferente de si mesmo e desenvolver uma identidade posta como metamorfose constante, foi o que observamos ao falar sobre o uso do nickname nas comunidades virtuais.

Isso posto, cabe retomar o que foi dito – real e virtual – não se opõem. Para dicionário inglês virtual é o que existe na prática, embora não estrita ou nominalmente, e real é o que existe de fato (Oxford Dictionary of Current English, 1992).

...a realidade, como é vivida, sempre foi virtual porque sempre é percebida por intermédio de símbolos formadores da prática com algum sentido que escapa á sua rigorosa definição semântica. É exatamente esta capacidade que todas as formas de linguagem têm de codificar a ambigüidade e dar abertura a uma diversidade de interpretações que torna as expressões culturais distintas do raciocínio formal/lógico/matemático. É por meio do caráter polissêmico de nossos discursos que a complexidade e até mesmo a qualidade contraditória das mensagens do cérebro humano se manifesta. Essa gama de variações culturais do significado das mensagens é o que possibilita nossa interação mútua em uma multiplicidade de dimensões, alguns explícitas, outras implícitas (CASTELLS, 2006, p.459).

O que podemos concluir é que, de modo geral, o corpo de dados não sustenta a tese de que o uso da internet leva a menor interação social e maior isolamento social. E encerramos essa parte da pesquisa ressaltando que não estamos defendendo o rompimento ou fazendo

oposição às relações presenciais. É preciso deixar claro que a hipótese defendida é a de que as comunidades de relacionamento virtual apresentam-se como outra forma de se relacionar, uma realidade potencializadora que emerge da própria dinâmica social.

É claro que não podemos descartar a crítica e os usos desviantes da internet. As comunidades de relacionamento virtual são formas potencializadoras, para o bem ou para o mal, mas isso acontece também nas comunidades face a face. Algumas comunidades religiosas em que pessoas cometem suicídio coletivo ou realizam atos terroristas, exploram seu potencial de forma negativa. Toda potência pode ser usada para o bem ou para o mal; se o indivíduo possui uma personalidade desviante, como uma timidez mórbida, poderá usar a realidade virtual para romper essa barreira ou se afundar ainda mais em seu isolamento social offline, as realidades – presencial e virtual – não determinam, por si só, seu potencial para o bem ou para o mal.

O debate é importante porque há certa ambivalência nas novas formas de relacionamentos. As comunidades virtuais são vistas por alguns como excitantes formas de comunidade, que liberta o indivíduo dos constrangimentos sociais da identidade estigmatizada e das restrições espaciais, dando um sentido de pertencimento e solidariedade, mas que precisam de uma dimensão ética que nem sempre aparece nas relações virtuais.

O ciberespaço facilita novas formas de participação na vida política e social. Contudo, a contribuição da comunicação por computador e os novos tipos de comunidades com seu potencial democrático baseado em princípios de discursividade está longe de ser uma unanimidade quanto a seu caráter: libertador ou opressor.