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Considerações sobre o Pós-modernismo

No documento Casas de Sylvio de Podestá : 1979-1989 (páginas 34-40)

Em meados da década de 1960, questionamentos ao Movimento Moderno na arquitetura trouxeram, à teoria e prática arquitetônica um novo rumo de debates, constituindo a crítica Pós- moderna. Esse movimento que eclodiu na década de 1970, através da materialização de diversas obras de arquitetos como Aldo Rossi e Robert Venturi, tinha como objetivo a superação das propostas elaboradas pela vanguarda moderna no início desse século.

O termo pós-moderno engloba uma série de transformações culturais, econômicas e sociais que ocorrem na segunda metade do século XX. Na arquitetura, reúne diversas tendências muitas das quais antagônicas entre si, como nas manifestações ligadas à pop-art e ao vernáculo comercial, até os movimentos de caráter historicistas, revivalistas e descontrutivistas.

Ghirardo (2002), em seu livro Arquitetura Contemporânea: uma história concisa, aponta que a partir das décadas de 1950 e 1960, a utilização da estética moderna foi apropriada pelos arquitetos, porém isenta do ideal reformista propostos por arquitetos como Le Corbusier, Mies van der Rohe e Gropius. De acordo com a autora:

O modernismo adquiriu vida nova depois da Segunda Guerra Mundial, principalmente nos Estados Unidos, onde a estética do movimento moderno, polida e sem ornamentos, voltou-se para tecnologias como as estruturas de aço e as paredes de vidro para produzir arranha-céus, prédios de escritório e centros comerciais a um custo viável. Ao mesmo tempo, a noção do arquiteto como grandioso criador de formas começou a dominar as escolas e, depois, a profissão (GHIRARDO, 2002, p. 05).

Para a autora, a crítica ao Movimento Moderno começou a surgir a partir da publicação de quatro livros, que assinalavam uma mudança que estava por vir: Morte e vida das grandes cidades, de Jane Jacobs, lançado em 1961, questionando o planejamento urbano moderno; Construindo com o povo: arquitetura para os pobres, escrito pelo arquiteto Hassan Fathy em 1969, tratando sobre a incorporação de tecnologias estrangeiras em contraposição às práticas vernaculares presentes no Egito; Complexidade e Contradição em Arquitetura de Robert Venturi, e A arquitetura da cidade de Aldo Rossi, ambos publicados em 1966, tratando da importância das cidades e edifícios históricos6.

6 Os livros, assim como as obras dos arquitetos Robert Venturi e Aldo Rossi, serão tratados mais detalhadamente

De acordo com Marques (2002), a partir das décadas de 1950 e 1960, intensificam-se os debates em torno dos questionamentos a respeito do Movimento Moderno. Além das publicações citadas por Ghirardo (2002), o autor menciona que revistas internacionais como a AD – Architectural Design e Casabella-Continuitá, e eventos como a exposição New York Five, catalisaram as novas vertentes que estavam emergindo naquele momento. Segundo o autor, o debate em torno do referencial à tomada de decisões projetuais voltou-se a questões ligadas ao uso da história e do passado, assim como da convenção como elemento de projeto. Assim, os paradigmas e valores essenciais do Movimento Moderno, como a cresça na técnica, da razão estética e do funcionalismo, foram, paulatinamente, sendo questionados.

Apesar da grande variedade de temas, os debates tinham em comum a ideia de superação da teoria moderna, e alguns dos seguintes princípios: a relação entre forma e função; a ruptura com a história da arquitetura; a expressão honesta da estrutura e do material; a fé depositada no racionalismo; a arquitetura como promotora de mudanças sociais (NESBITT, 2008).

De acordo com Coelho (2011), a produção arquitetônica pós-moderna surgiu no século XX, sustentando-se em dois pilares fundamentais: recusa-se a ideia/obsessão pelo novo, aceitando o recurso da história e de seu amplo estoque cultural; recusa-se a ideia do funcionalista, pautada na ciência e tecnologia.

Já para Ficher (1984), dentre as causas que levaram os próprios arquitetos e teóricos da arquitetura, a partir da década de 1960, a se posicionaram diante da hegemonia da linguagem moderna, destaca-se a adoção de formas geométricas arbitrárias, derivadas de uma linguagem supostamente racionalista, pilar central do Movimento Moderno na arquitetura. Segundo a autora, essas formas abstratas despertaram questionamentos quanto a sua real pertinência em termos de uso, construção e significado.

Portoghesi (1985) também reflete sobre esse fato. A arquitetura moderna, ao recorrer ao abstracionismo formal, perdeu o papel comunicativo, e, portanto, a capacidade de se comunicar com um público que não compreende os códigos formais estabelecidos pelos arquitetos modernos. De acordo com o autor: “Acho que os arquitetos deste século se basearam demasiado no fascínio da surpresa e da estranheza, não cuidando, de modo suficiente, o efeito tranquilizador do que é familiar” (PORTOGHESI, 1985, p. 99).

Por outro lado, os códigos escolhidos pelos arquitetos pós-modernos baseavam-se em elementos presentes na arquitetura, assim como também da arquitetura não-erudita, como elementos do kitsch, pop e vernacular, realizados com materiais e técnicas correntes na construção. Nesse sentido, a crítica repousou inicialmente nos aspectos formais e no seu processo de significação, que posteriormente será objeto de teorização por diversos autores. De acordo com Abascal (2005), na década de 1980, através da utilização de frontões clássicos, ornamentos justapostos, tripartições e de paródias de colunas gregas, os arquitetos exaltaram a “desreferenciação”, por meio da prática de citação e colagens, de elementos que, historicamente e culturalmente, não pertencem a determinado contexto. No entanto, a autora ressalta que essa arquitetura demonstrou-se mais como uma possibilidade de experimentação e especulação projetual, do que, de fato, uma nova prática hegemônica nesse período.

Vemos em Tagliari (2018), quatro modelos conceituais de análise de projetos com foco nos sistema de circulação e percursos. São eles: O Modelo Estático; O Modelo da continuidade espacial e visual; O Modelo quadro a quadro, das sequencias e das surpresas; O Modelo heterogêneo. De acordo com a autora, o modelo referente ao período da Pós-modernidade, os espaços são percebidos paulatinamente, ou como denomina a autora, “quadro a quadro”, em contraposição ao espaço Moderno, onde predomina-se a fluidez, continuidade e desobstrução visual. Nesse modelo de percurso, procura-se uma integração entre o edifício e o contexto, tanto internamente quanto externamente, buscando-se revelações graduais de parte de edifício, assim como de visuais e surpresas.

A pluralidade que caracteriza a arquitetura pós-moderna também foi observada pelo importante historiador inglês Frampton (1997). Ao contrário de outros autores, o historiador inglês mostra-se cético ao tentar compreender as origens e anseios desse movimento. O autor entende sua origem como uma tentativa, ou tendência, à fuga da vida contemporânea dominada pelos valores pautados pelo complexo industrial-científico.

O que fica evidente na leitura de Frampton (1997) é que o autor discorda com os argumentos defendidos por outros autores, especialmente sobre a desintegração e, portanto o esgotamento dos preceitos modernos. Segundo o autor, as “citações históricas” presentes em obras de diversos arquitetos, especialmente os norte-americanos nesse período, são uma afronta aos valores tradicionais da arquitetura. De acordo com o autor:

Na arquitetura pós-moderna, as “citações” clássicas ou vernaculares tendem a interpenetrar-se de modo desconcertante. Invariavelmente apresentadas como imagens desfocadas, elas se desintegram com muita facilidade e misturam-se com outras formas mais abstratas, em geral cubistas, pelo quais o arquiteto não tem mais respeito do que aquele que atribui a suas alusões históricas extremamente arbitrárias (FRAMPTON, 1996, p. 372-373).

Já para Montaner (2014), a década de 1960 foi um momento crucial de questionamentos e revisões. Inicialmente, foi nesse período que morreram os grandes mestres modernistas Le Corbusier, Mies van der Rohe, Gropius e Ernest Rogers. Simultaneamente, emergiram arquitetos que realizaram projetos com uma linguagem que mostrava uma verdadeira vontade de superação dos princípios estabelecidos pelos antigos mestres, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa.

No contexto norte-americano cabe ressaltar a importância do arquiteto Louis Kahn, projetando a partir de um método de composição geométrica. O arquiteto utilizava figuras elementares em que a forma possui a capacidade de evocar a função. Seus trabalhos tiveram um grande impacto nos jovens arquitetos nos anos 1950 e 1960.

Outros importantes trabalhos foram desenvolvidos nos Estados Unidos. As obras realizadas pelos arquitetos Peter Eisenman, Michael Graves7, John Hejduk, Charles Gwathmey e Richard Meier, conhecidos como New York Five, resgatavam o racionalismo dos primeiros trabalhos de Le Corbusier e Giuseppe Terragni, porém partindo para novas experimentações formais. Os trabalhos desses arquitetos não tinham como pretensão um retorno ao Movimento Moderno, mas o uso de suas formas de modo neutro e isento das ambições de transformações sociais através da arquitetura.

Por outro lado, os arquitetos Robert Venturi e Robert Stern constituem uma vertente oposta ao trabalho dos New York Five. Venturi e Stern ficaram reconhecidos por produzirem uma arquitetura com forte viés comunicativo, recorrendo ao vernáculo comercial e elementos históricos.

7 Posteriormente, Michael Graves abandona o recurso as experimentações junto aos demais arquitetos do New

York Five, desenvolvendo trabalhos com grande apelo comunicativo e figurativo, como pode ser observado no

Já na Europa, particularmente os arquitetos italianos, tiveram uma grande importância ao proporem uma reconexão com a História da Arquitetura, as preexistências ambientais, a importância dos monumentos, e o papel do artista e intelectual dentro da sociedade. Dentro desse contexto, cabe mencionar os arquitetos Aldo Rossi, Carlo Aymonino, Mandredo Tafuri, Giorgio Grasse, Giancarlo De Carlo.

Na Espanha, o trabalho do grupo Taller de Arquitectura, composto por Ricardo e Ana Boffil, destacou-se por meio de seus grandes projetos de conjuntos habitacionais com grande apelo figurativo e cenográfico, como pode ser observado em seu projeto Les Espaces d’Abraxas de 1982, construído em Noisy-le-Grand, região de Paris (Figura 10). Também outros arquitetos experimentaram uma ligação com a história no continente europeu como: Ungers e Gottfried Böhm, na Alemanha, Hans Hollein, na Áustria, James Stirling e Leon Krier, na Inglaterra, Mario Botta, na Suíça.

Figura 10 – Les Espaces d’Abraxas, 1982, Taller de Architectura

Fonte: http://www.ricardobofill.com/projects/les-espaces-dabraxas/

No caso de Mario Botta, Pizzi (1994) reconhece uma oposição deliberada entre o edifício e a natureza. Sua arquitetura possui como principal característica a não integração com a paisagem, possibilitada pela “aceitação resignada de regras possessivas correntes, evidenciado ainda mais pelo uso de formas primárias: o cubo, o cilindro e o prisma triangular” (PIZZI, 1994, p. 13).

Para lidar com a complexidade projetual na pós-modernidade, arquitetos desse período recorreram ao uso de desenhos perspectivados, que melhor representavam a forma e o espaço. Goldschmidt e Klevitsky (2004) apontam que a utilização da axonometria já era conhecida desde a Renascença. Porém, foi com os arquitetos modernos no início do século XX que adentraram as convenções de representação na arquitetura.

Segundo as autoras, no período pós-moderno, os meios de representação não sofreram grandes transformações quanto as arquiteturas que eles representam. Porém, pequenas variações foram incorporadas aos modos tradicionais de representação, como no caso das “worm’s-eye” views, realizadas pelos arquitetos James Stirling e Mario Botta (Fugira 11), cuja principal característica é a possibilidade de representação da planta, elevações, volumetria e espacialidade em um único desenho.

Figura 11 – Banco do Estado de Mario Botta, construído em Friburgo em 1977

Fonte: (CROSET, 1982, p.52).

De acordo com Haraguchi (1988), ao contrário dos desenhos perspectivos mais subjetivos, muito utilizados desde o Renascimento, a axonométrica tem uma característica de objetividade da era moderna. Acima de tudo, tem a vantagem de apresentar a composição espacial, de maneira visual e clara.

Por fim, cabe ressaltar que a crítica aos preceitos do Movimento Moderno na arquitetura, a partir da década de 1960, foi-se estabelecendo por parte de determinados grupos de teóricos e arquitetos. Os fatores que desencadearam e contribuíram para o surgimento do Movimento Pós-moderno, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, possuem em comum a vontade de superação de determinadas práticas modernas consolidadas. Seja através de projetos ou textos, uma mudança na própria linguagem da arquitetura demonstrou-se necessária.

No documento Casas de Sylvio de Podestá : 1979-1989 (páginas 34-40)