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Considerações sobre o tipo

No documento Casas de Sylvio de Podestá : 1979-1989 (páginas 54-59)

Outro importante conceito que foi retomado nas obras dos arquitetos pós-modernos, como o já citado Aldo Rossi, é o conceito de “tipo”. Segundo Martínez (2000): “a tipologia é uma aproximação ao existente em arquitetura, que coloca o papel do estabelecido em face do novo” (MARTÍNEZ, 2000, p. 105).

De acordo com esse conceito, os arquitetos pós-modernos historicistas acreditam, segundo Nesbitt (2008): “... na existência de um inventário a priori de tipos passíveis de serem

transformados em modelos” (NESBITT, 2008, p. 51). Esses “tipos”, construídos ao longo da história, possuem a possibilidade de serem apropriados e transformados, através da sobreposição de elementos ou fragmentos de estilos históricos, construindo uma narrativa e estabelecendo associações.

No movimento moderno, a adoção do preceito funcionalista como norteador e gerador da forma arquitetônica, levando em consideração o programa de necessidades, a função que abriga e suas características utilitárias, propôs uma ruptura com a tradição acadêmica de composição clássica, onde o “tipo” era dado a priori. O fundamento compositivo da arquitetura moderna, em parte, tinha como base uma abstração da função, em que o sistema de circulação era decisivo na organização e composição do edifício.

De acordo com Marques (2002), o impacto da Revolução Industrial e o surgimento de novos paradigmas formais baseados no ideário racionalista, na ciência e tecnologia, e o surgimento de novos programas, como por exemplo as fábricas e as indústrias, foram de grande importância nas mudanças na cultura arquitetônica da vanguarda moderna. No século XX, o referencial estético passava então a se voltar para os edifícios industriais, o automóvel, as máquinas e as obras se engenharia, símbolos da modernidade, e representativos do espírito da época.

Já para Argan (2000), a noção e valor do “tipo” foi renegada pela crítica moderna, sob a alegação de uma não correspondência entre uma forma abstrata ideal e seu valor como referencial artístico. No entanto, a construção histórica da arquitetura realizada pela literatura e a prática individual dos arquitetos, mostram a permanência de determinadas tipologias, e que, portanto, não podem ser renegadas.

Através da definição de “tipo” realizada por Antoine-Chrysostome Quatremère de Quincy (1755-1849) em seu Dicionário histórico, observa-se o estabelecimento de uma distinção, necessária à compreensão do conceito, entre “tipo” e “modelo”. Segundo essas definições, o “tipo” estaria associado mais a algo que serviria de inspiração do que a algo a ser copiado, processo esse mais associado à noção de “modelo”. De acordo com o autor:

O modelo, entendido segundo a execução prática da arte, é um objeto que se deve repetir tal qual é; o tipo é, pelo contrário, um objeto segundo o qual qualquer pessoa pode conceber obras que não se assemelharão em nada em si. Tudo é preciso e dado no modelo; tudo é mais ou menos vago no tipo (Quincy apud ARGAN, 2000, p. 66).

No século XIX, os estudos realizados por Jean-Nicolas-Louis Durand, na École Polytechnique de Paris (Figura 20), decompuseram as diversas partes constituintes de edifícios, denominados de elementos da arquitetura por Durand, com o objetivo de tornar o exercício projetual em uma atitude prática e objetiva, através de critérios de racionalidade e economia construtiva, em contraposição aos ideais artísticos que permaneciam na École des Beaux-Arts. Umas das grandes contribuições do tratado de Durand foi a utilização de esquemas geométricos como instrumento de visualização dos elementos e tipologias de exemplares do passado.

Figura 20 – Estudos realizados por J. N. L. Durand no século XIX

Fonte: (CASABELLA, n. 463-464, 1980, p. 32).

Argan (2000) ressalta que a condição fundamental na definição ou formulação de um “tipo” é a existência de uma considerável quantidade de edifícios com similaridades e características formais. Assim, a natureza do “tipo” vincula-se à construção de um repertório de formas, construído ao longo da história, que permite sua análise através da eliminação das particularidades inerentes a cada edifício, mantendo-se apenas aquelas comuns a todos. De acordo com o autor:

O nascimento de um tipo é portanto condicionado ao fato de já existir uma série de edifícios que têm em si uma evidente analogia formal e funcional: em outros termos, quando um tipo se fixa na prática ou na teoria arquitetônica ele já existe, numa

determinada condição histórica da cultura, como resposta a um conjunto de exigências ideológicas, religiosas ou práticas (ARGAN, 2000, p.67).

De acordo com Colquhoun (2008), a questão da tipologia é mais do que uma mera forma de categorização de edifícios dentro de um repertório histórico. A necessidade de conhecimento das soluções do passado torna-se uma importante ferramenta na concepção do projeto. Daí a importância do contexto para a criação de uma nova obra. A rejeição, por parte dos arquitetos e teóricos modernos, ao conceito de tipologia, deve-se à associação aos métodos precedentes de épocas anteriores.

Na década de 1960, o estudo tipológico foi retomado pelos arquitetos, especialmente os italianos, que acreditavam nas contribuições ao desenvolvimento de métodos projetuais. Nesse contexto, segundo Mahfuz (1995), o arquiteto Aldo Rossi privilegiou a tipologia como base essencial de seu trabalho, no qual a forma possui grande importância na organização funcional do edifício. Sobre a estratégia de projeto utilizada pelo arquiteto, Mahfuz (1995) destaca que:

A partir de uma decomposição analítica da cidade, Rossi criou uma série de partes as quais ele utiliza na maioria de seus projetos. Essas partes variam desde elementos que não podem ser mais reduzidos do que já são a elementos mais complexos que podem ser até um edifício inteiro. As partes irredutíveis, caracterizadas por variações dimensionais e proporcionais, são: a coluna cilíndrica; as pilastras; a parede plana; o seguimento fino de parede – setto sottile; aberturas de tamanho e medidas limitados, tais como a onipresente janela quadrada; a escadaria externa; vigas de seção retangular e triangular; e coberturas planas, semiesferas e cônicas. As partes mais complexas, que aparecem em várias escalas, são: o prisma de seção triangular; o paralelepípedo; o tambor cilíndrico ou elíptico; o edifício linear; a fonte-monumento; e o pórtico que é uma espécie de colunata encimada por uma cobertura triangular (MAHFUZ, 1995, p. 45).

Cabe ressaltar que, de acordo com o autor, não há uma relação hierárquica entre essas formas, ou seja, a acentuação de um determinado elemento em comparação aos demais. A independência que Aldo Rossi atribui a esses elementos faz com que adquiram novos significados cada vez que são recombinados. Assim, subverte-se o paradigma moderno de que a forma deriva da função. Nos trabalhos de Aldo Rossi, a forma evoca a função (Figura 21).

A edição n. 509-510 da revista Casabella-Continuità de 1985 (Figura 22) trouxe um vasto estudo pormenorizado a respeito da tipologia em sua edição de janeiro e fevereiro daquele ano. Com textos de arquitetos como Vittorio Gregotti, Leonardo Benevole, Giarcarlo de Carlo, Oswald Mathias Ungers, Oriol Bohigas, Carlo Ayamonino, Aldo Rossi, Manuel de Solà- Morales Rubió, Ludovico Quaroni, Rob Krier e Aldo van Eyck, o conceito é revisitado,

monstrando-o como uma importante ferramenta da prática projetual. De acordo com Gregotti (1985):

Este interesse tenta reintroduzir a noção de composição como uma operação formal específica do processo de projeto em arquitetura, baseado no encontro da construção geométrica e da função; o tipo deveria, portanto, se tornar um ponto de referência para estabelecer o começo e final de um projeto (GREGOTTI, 1985, p. 04, tradução nossa)14.

Figura 21 – Desenho Aldo Rossi, 1975

Fonte: (CASABELLA, n. 654, out. 1988, p. 04).

Figura 22 – Capa Revista Casabella-Continuità, edição especial sobre Tipologia

Fonte: (CASABELLA, n.509/510, 1985).

A investigação que o periódico se propôs a fazer a respeito da tipologia em arquitetura teve como objetivo explorar o campo de aplicação da noção de “tipo”, através de suas diversas acepções. Os temas tratados nessa edição da revista Casabella-Continuità foram organizados em torno de quatro eixos fundamentais, com questões a respeito desde as estratégias de organização da cidades e seus aspectos geomorfológicos, até os aspectos históricos inerentes ao conceito de “tipo” na arquitetura, como a interpretação de Quatremère de Quincy realizada por Argan, a tradição moderna e a tipologia, análise sobre o trabalho de Louis Kahn, Viollec- le-Duc e Auguste Choisy.

Por fim, uma vez revisitado o campo teórico do “tipo” e/ou tipologia, o que fica evidente é que arquitetos como Aldo Rossi recorrem a esse conceito a fim de estabelecer analogias entre formas, edifícios, história e memória. No período pós-moderno, este recurso foi explorado seja

14 This interest tried to reinforce the idea of composition as a specific formal operation of architectural design, base

on the encounter of geometry construction and function; the type would therefore become a reference point where to fix the beginning and end of the project.

como um instrumento de análise do contexto urbano, seja como um instrumento de processo projetual.

No documento Casas de Sylvio de Podestá : 1979-1989 (páginas 54-59)