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Pós-modernismo à brasileira

No documento Casas de Sylvio de Podestá : 1979-1989 (páginas 59-66)

Com o objetivo de compreender o debate a respeito da pós-modernidade na arquitetura brasileira, foram identificadas algumas obras que cobrem as décadas de 1970 e 1980, período este em que se deu essa manifestação no Brasil. Destacam-se os autores: Bastos e Zein (2015); Segawa (1999); Mendes, Veríssimo e Bittar (2015) e Marques (2002).

Mendes, Veríssimo e Bittar (2015) reconhecem três tendências que se destacaram na produção arquitetônica brasileira na década de 1970. Primeiramente, a adoção do International Style norte-americano como a arquitetura oficial de grandes empresas estatais. Em comum, esses edifícios possuíam: escala monumental; implantação isolada; grandes átrios; materiais nobres; tecnologia e segurança.

No contexto da arquitetura residencial, os autores destacam a atuação do arquiteto José Zanine Caldas, no Rio de Janeiro. Com uma arquitetura que fazia um contraponto ao desenvolvimento urbano e a vida na metrópole, os projetos de casas elaborados por Zanine propunham um retorno à vida na natureza, ou uma comunhão com ela, com o uso extensivo de madeira bruta, grandes telhados, varandas sombreadas e alvenaria em pintura branca. Essa arquitetura, posteriormente reproduzida em diversas lugares, acabou sendo reconhecida como o “Estilo Zanine” (Figura 23).

Figura 23 – Residência em “Estilo Zanine”, projeto de José Zanine Caldas

A terceira tendência que despontou na década de 1970, de acordo com os autores, propôs uma saída pela contracultura. Arquitetos como Sérgio Bernardes, Eduardo Longo, Victor Lotufo, Gerson Castelo Branco, João Castro Filho e Severiano Porto, produziram uma obra marginal, bem distante do preceito universalista que caracterizou o Estilo Internacional:

Surgiram casas esféricas, desmontáveis, subterrâneas, flutuantes, ecológicas, solares, proposições que raramente se repetiam, numa vã tentativa de apresentar caminhos, porém já se distanciando, talvez inconscientemente, dos grandes ideais universais dos anos 1960. Ali se delineava a proposta restrita, individualizante, que caracterizaria a condição pós-moderna (MENDES; VERÍSSIMO; BITTAR, 2015, p. 306-307).

Já para Marques (2002), o debate sobre o pós-modernismo foi tomando corpo no discurso e na crítica arquitetônica brasileira apenas duas décadas posteriores ao contexto internacional. De acordo com o autor, na América Latina, o debate sobre o movimento pós- moderno foi pautado no retorno à tradição histórica frente ao internacionalismo apregoado pelo Estilo Internacional, assim como nas práticas vernaculares. Segundo o autor, as mudanças não foram repentinas. Elas aconteceram paulatinamente em direção às tendências do Pós- modernismo. Na década de 1970 e de 1980, a residência unifamiliar passou a ser objeto de pesquisa, investigação e experimentação em várias regiões do Brasil. De acordo com o autor: “Em diversos momentos da arquitetura, a casa seguidamente fez jus a uma espécie de laboratório de novas relações conceituais e projetuais, em função da íntima relação espacial com o habitante e de espelhar rapidamente novas demandas estéticas” (MARQUES, 2002, p. 165).

Assim, em um primeiro momento, sobressaíram três vertentes principais da arquitetura pós-moderna no Brasil: a primeira mais eclética e pop, recorrendo a colagens e citações, similares às obras de Robert Venture, Charles Moore, Robert Stern. Outra, relacionada ao trabalho dos Five Architects, em especial Richard Meier. E, por fim, uma vertente racionalista e neorracionalista, inspirada em Louis Kahn, Mario Botta e Aldo Rossi. O autor também menciona que a vertente regionalista foi praticada em algumas regiões do país.

No Rio Grande do Sul, nas décadas de 1970 e 1980, começaram a surgir algumas obras em que novos elementos e configurações formais e espaciais anunciavam o caráter experimental da arquitetura pós-moderna. A Residência Furlan, elaborada pelo arquiteto Silvio Abreu Filho, e a Residência Huk, dos arquitetos Luiz Antônio Carvalho e Cesres Magali (Figura 24), utilizam

elementos provenientes da tradição clássica, em arranjos compositivos enfatizados por simetrias e axialidades (MARQUES, 2002).

Figura 24 - Residência Furlan de 1980 e Residência Huk de 1983)

Fonte: Adaptado de (MARQUES, 2002, p. 168-169).

Em São Paulo, o arquiteto Eduardo Longo projetou, nesse período, as “Casas-esfera”, ou “Casas-bola” (Figura 25), um grande globo em estrutura metálica que abriga sua residência. De acordo com Carranza (2012), na década de 1970, o arquiteto abandou o concreto armado como estrutura predominante, partindo para experimentações inspiradas nas obras das artes psicodélicas e experimentais de grupos internacionais como Archigram, Superstudio, Archzoom e Hipersensualistas.

Figura 25 – Casa-Bola de Eduardo Longo construída São Paulo em 1974

Vitor Lofuto, outro importante arquiteto em São Paulo, apresentou obras com formas inusitadas, como na Casa de Campo em Botucatu (Figura 26), realizada através de uma geodésica com cores primárias, além de outros trabalhos inspirados nas obras do arquiteto norte-americano Buckminster Fuller (CARRANZA, 2012).

Figura 26 - Casa Geodésica de Vitor Lotufo construída em Botucatu em 1978

Fonte: (CARRANZA, 2012, p. 236).

Na região nordeste, Gerson Castelo Branco, no Piauí, e Castro Filho, no Ceará, produziram uma arquitetura com materiais locais, adequando seus edifícios ao contexto geográfico. No Norte, a obra de Severiano Porto insere-se nesse contexto, que pode ser classificado como “regionalista”.

Na década de 1980, o uso da tecnologia de construção em tijolos cerâmicos no Brasil começou a ser explorada dentro das práticas arquitetônicas, em substituição à prevalência do concreto armado como técnica construtiva, inspirando formas alternativas. Influenciados pelos estudos desenvolvidos pelo engenheiro uruguaio Eladio Dieste, as experiências com o tijolo avançaram até a utilização desse material construtivo na totalidade da obra, ou seja, tanto nas alvenarias de vedações como nas estruturas e coberturas (BASTOS; ZEIN, 2011).

Cabe ressaltar os estudos desenvolvidos por Sylvio de Podestá com relação ao resgate da técnica construtiva em tijolos cerâmicos autoportante, como pode ser observado no projeto não construído da residência Rogério (1981) (Figura 27).

Figura 27 – Residência Rogério projetada em 1981

Fonte: (MAIA; VASCONCELLOS; PODESTÁ, 1982, p. 48-49).

Com um programa relativamente simples, composto por uma sala de estar, um mezanino que abriga um dormitório e um banheiro, além de uma pequena cozinha e área de serviços. O arquiteto adotou um partido arquitetônico em que quatro cúpulas organizam o programa, distribui-os segundo uma lógica de transposições de espaços circulares individualizados. Como afirma Podestá (2000):

Resultado de uma demorada pesquisa sobre o método construtivo, o projeto (não construído) sintetiza várias questões que foram sendo resolvidas durante o aprendizado: resgatar mão de obra capaz da execução e compreensão do método, que só existe quase que exclusivamente como construtores de fornos para indústrias cerâmicas; criar alternativa para projetos de baixo custo e facilidade de acesso aos materiais construtivos; ampliar a informação sobre o método; e, através da construção de prédios institucionais escolas, postos de saúde, etc. induzir as pessoas a este tipo de moradia possível, com melhores condições físicas e de saúde, menores custos senão, digamos, antropológicos: as casas não parecerem casas convencionais; em vista disto, o projeto estimula o estudo de possibilidades formais que retirassem do prédio, essa cara de forno cerâmico ou de moradia do deserto, com camelos passando ao longe (PODESTÁ, 2000, p. 56).

Essas especulações decorreram do contato com a obra escrita do arquiteto egípcio Hassan Fathy. Dedicado ao homem simples, em Construindo com o povo: arquitetura para os pobres, Fathy (1982) descreveu a precária situação em que se encontrava a população camponesa em seu país, fruto de problemas de âmbito cultural, social, político e econômico. O arquiteto utilizou a técnica de construção de tijolo de adobe, como uma alternativa para produzir uma arquitetura que atendesse às necessidades da população carente egípcia.

Figura 28 – Grupo Escolar Vale Verde de Timóteo projetado entre 1983 e 1985

Fonte: (MAIA; VASCONCELLOS; PODESTÁ, 1985, p. 68).

O Grupo Escolar Vale Verde (1983-1985) (Figura 28) em Timóteo, Éolo Maia e Josefina Vasconcellos partiram das pesquisas realizadas pelo arquiteto Sylvio de Podestá, a respeito dessa técnica construtiva. A riqueza do projeto decorre do tratamento plástico conferido pelos arquitetos, que empregaram um único material, de piso a teto. A horizontalidade decorrente da disposição das salas de aulas em pavimento único, em torno de um pátio central, é equilibrada através de elementos verticais de ventilação que sobressaem e intercalam-se entre uma sala e outra.

De acordo com Marques (2002), a crise econômica mundial associada ao ambiente político15 no Brasil levaram os arquitetos brasileiros a se empenharem em questões políticas de caráter social, mesmo que em plena ditatura militar. Essas discussões adentraram o ambiente acadêmico e de formação profissional, levando as questões da coletividade, do cenário político e da habitação às Universidades.

15 O golpe militar de 1964 e os atos discricionários de 1969, tiveram um grande impacto na produção cultural e

Já para Segawa (1999), apesar do caráter aparentemente pontual, as experimentações pós-modernas da arquitetura brasileira obtiveram seu maior êxito no despertar para a necessidade de uma reavaliação da disciplina arquitetônica. De acordo com o autor:

A percepção da falência de panaceias arquitetônicas (soluções supostamente válidas para todas as realidades), o maior diálogo com o contexto urbano ou o ambiente natural na implantação dos edifícios, o reconhecimento da história como referência projetual, a revalorização da reciclagem de edifícios como atitude de preservação cultural, a produção do espaço como resultado de uma colaboração entre arquitetos e usuários, bem como um postura menos hierática, unívoca, determinista e sintética, substituída por uma conduta mais analítica, simbólica, admitindo a ambiguidade (Segawa, 1999, p. 191).

Dentro desse contexto de experimentações, a atuação de Éolo Maia, Sylvio de Podestá e Josefina Vasconcellos, em Minas Gerais, caracterizou-os como responsáveis por introduzirem a linguagem pós-moderna nesse Estado. A pesquisa realizada por Cremasco (2014), Origens do Movimento Pós-Moderno em Minas Gerais, investigou os fatores que desencadearam o surgimento desse movimento no contexto mineiro.

De acordo com Cremasco (2014), a abertura política16, aliada ao fato de em Minas Gerais não se ter constituído “escolas” de arquitetura com vertentes definidas, como a Escola Paulista em São Paulo, e a Escola Carioca em no Rio de Janeiro, permitiu que a arquitetura pós- moderna surgisse em Minas Gerais, onde se destacou a atuação de Éolo Maia e o grupo Três Arquitetos. Além do Centro de Apoio Turístico Tancredo Neves, ou “Rainha da Sucata”, em Belo Horizonte, o trio desenvolveu diversos outros projetos sob influência da linguagem pós- moderna, seja em equipe, seja individualmente.

Por fim, a linguagem pós-moderna foi adentrando paulatinamente o debate a respeito da prática projetual. Deve-se destacar o ressurgimento dos periódicos impressos sobre arquitetura, em especial a revista Projeto (1972), contribuindo para a divulgação de obras, projetos e textos críticos referentes a temas relacionados com a arquitetura. Assim também a atuação isolada de arquitetos em várias regiões do país, experimentando novas práticas arquitetônicas, muitas das quais influenciadas pelos arquitetos e arquiteturas do contexto internacional.

16 Segundo Cremasco (2014), a revogação do ato institucional n. 05, em 1979, e a promulgação da nova

No documento Casas de Sylvio de Podestá : 1979-1989 (páginas 59-66)