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CONTEMPORÂNEOS À TEORIA CONSTITUCIONAL 273 5.1 PERMEABILIDADE DAS FRONTEIRAS: POR MECANISMOS

1. DA DEMARCAÇÃO DAS FRONTEIRAS DO ESTADO MODERNO: BASES INSTITUCIONAIS DO MODELO DE

2.2. TEMÁTICAS CENTRAIS DA TEORIA CONSTITUCIONAL

2.2.3. Constituição como organização das liberdades (como fator de integração)

A gramática dos direitos fundamentais, desenvolvida no âmbito do constitucionalismo moderno, em complemento à racionalidade instrumental insurgente no início do processo de consolidação do estado

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Demarcando o sentido jurisprudencial atribuível à chamada doutrina das questões políticas (political question) (TEIXEIRA, 2005), ou ainda, em outras palavras, na delimitação do “espaço vazio de jurisdição” (SAMPAIO, 2002, p. 329-345).

territorial soberano, opera um processo de ressubstancialização do fundamento de legitimidade do direito, representando o conjunto de elementos reconhecidos como valiosos e, como tal, merecedores de serem protegidos e promovidos pelo Estado (AGUILÓ, 2004a, p. 44- 45). Esta dimensão valorativa da constituição envolve as normas que (iii) versam sobre a justa ordenação na comunidade (através da previsão de garantias de bloqueio e critérios para distribuição) e (iv) definem a pauta de valores de legitimação do sistema constitucional (permitindo a identificação de ideologias constitucionais e de demandas por reconhecimento). (FRANKENBERG, 2007, p. 102-105)165.

Tais normas, de alguma forma, exprimem o debate que se inicia em solo britânico (Constituição sem forma constitucional) e resulta na diferenciação entre ter uma constituição e estar em forma constitucional166/167. Assim, o sentido de dotar-se de uma constituição traduz-se no ideal de refundação da comunidade política e incorporando, na visão de Josep Aguiló (2004a, p. 46-47), um sobrelevado potencial de crítica decorrente de uma dupla suposição: de que o reconhecimento de valores supõe que estes são anteriores às formas de ação criadas pela Constituição e, por sua vez, a ideia de reconhecimento de fins supõe que estes igualmente lhe são externos.

Em relação às normas que versam (iii) sobre a justa ordenação na comunidade, as mesmas reúnem o conjunto de direitos e garantias reconhecidos aos indivíduos e grupos e envolvem, no plano da fundamentação ética, os aspectos relacionados à justa representação, à justa distribuição de bens, ao justo reconhecimento e ao justo tratamento

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Esta tipologia foi fortemente influenciada pela identificação dos elementos constitutivos da arquitetura das constituições modernas de Gunther Frankenberg (2007) que identifica os identifica da seguinte forma: um conjunto de questões que são enfrentadas pelos diferentes documentos constitucionais concernentes: (i) questões de justiça e com a equitativa divisão de liberdades e bens públicos; (ii) pauta de valores compartilhados; (iii) regras organizacionais; e (iv) questão da validade e transição ordenada das constituições. Neste trabalho, a questão relativa às metanormas constitucionais será tratada separadamente, posto que é a partir delas que é possível identificar claramente, no âmbito da teoria constitucional, as questões concernentes à demarcação das fronteiras jurídicas e na identificação da constituição como elemento demarcador do espaço jurídico interno do externo.

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Neste sentido, cf. interessante apanhado acerca das diferentes matizações em que a oposição entre ter e estar em constituição é enfocada por Pablo Lucas Verdú (1994, p. 37-45).

167 Ao distinguir o ponto de vista jurídico de uma abordagem culturalmente mais ampla que se

ocupe do ter ou estar em constituição, HÄBERLE (1998,p. 46-48) adentra o debate acerca da concepção formal e material da constituição a partir do momento em que insere os elementos materiais na investigação teorético-científica. Esta discussão ecoa com proficuidade, há algum tempo, em solo continental, suscitando profundas reflexões face à entronização da preocupação em, através de uma teoria científica da constituição, inserir a realidade histórico-cultural nos textos normativos ao longo dos processos de atualização constitucional. Cf. subseção 1.1.2.1).

(WALKER, 2002b, p. 213). E, no plano jurídico, formulam-se através de regras jurídicas convencionalmente estipuladas (sobretudo pelo Estado) mediante estruturas normativas que têm por parâmetro nuclear o direito constitucional estatal168.

De acordo com o constitucionalismo liberal, tais questões representam o coração dos programas constitucionais correspondentes (LOIS, 2001), bem como “caracterizam-se por uma proximidade especial à moral e podem ser consideradas preferencialmente como ‘pontos de rompimento’ de doutrinas e conhecimentos filosóficos.” (FRANKENBERG, 2000, p. 221). Assim, “o reconhecimento de direitos, no constitucionalismo, situa-se frente ao problema da legitimidade do sistema político e jurídico. Isto lhes confere [aos direitos] um papel central de fundamentação ou justificação.”169 (AGUILÓ, 2004c, p. 111).

Por fim, quanto às normas que (iv) definem a pauta de valores de legitimação do sistema constitucional, este conjunto normativo reflete aquilo que Pablo Lucas Verdú (1976, p. 83), recuperando a teoria da integração smendiana, define como a “fórmula política” da constituição170, cuja dimensão política, segundo defende o juspublicista espanhol, deve ser recuperada ante a encruzilhada que se apresenta à constituição (LUCAS VERDÚ, 1994). Portanto, esta pauta de valores,

168 “Na tradição do liberalismo são regulamentadas questões de justiça, preferencialmente, por

normas constitucionais que colocam indivíduos e associações em relação entre si e com os poderes estatais, por meio da atribuição de um status jurídico-constitucional, a demarcação de esferas de ação livre de intervenção e a garantia de possibilidades de ação com auxílio de direitos e princípios (fundamentais). Direitos fundamentais – apesar das críticas quanto à sua indeterminação, seu conteúdo ideológico e suas conotações individualistas de posse – revelaram-se peça central normativa e ideológica das Constituições modernas” (FRANKENBERG, 2000, p. 102).

169 O que pode, porém, fundamentar estes direitos? Segundo o Josep Aguiló (2004c, p. 111-

112), claramente duas coisas: “En primero lugar, los derechos valen para fundamentar la obligación política. Es decir, sirven para establecer bajo qué condiciones el individuo de una comunidad política está obligado a obedecer (cumplir) las normas que esa misma comunidad se ha dado o reconocido. El poder político fundado en los derechos es poder político legítimo. (…) [Los derechos] sirven para fundamentar los límites del poder político, es decir, lo que el poder político puede y no puede ordenar legítimamente. En este sentido, el constitucionalismo en cuanto una teoría de la justicia. Este doble papel de fundamentación que los derechos cumplen tanto de la obligación política como de sus límites están en el centro de las discusiones del constitucionalismo, generan en su interior una suerte de tensión ineliminable y no son otra cosa que una especificación del ex parte principis/ex parte populis.”

170 O conceito de fórmula política é expresso, pelo autor, nos seguintes termos: “a expresión

ideológica jurídicamente organizada en una estructura social". Sua intenção consiste em pôr em relação diferentes elementos que interagem dinamicamente no interior do sistema constitucional, quais sejam: a cobertura (techo) ideológica, a finalidade da constituição (condicionando materialmente a interpretação constitucional) e, por fim, a estrutura social subjacente.

diferentemente de uma concepção individualista ínsita à gramática dos direitos, permite a formulação acerca da “vida boa em sociedade, transcritas como bem comum ou interesse público”171 (FRANKENBERG, 2007, p. 102).

Tais valores comunitários põem em relevo a dimensão simbólica das constituições modernas (NEVES, 1994) e afiguram-se relevantes para a formação de uma consciência política respectiva na coletividade (FRANKENBERG, 2007). Estes elementos, juntos, concorrem para o desenvolvimento do conceito de ‘sentimento constitucional’ (LUCAS VERDU, 1985) e para aquilo que Peter Häberle chama de “constituição como espelho da esfera pública” (1998, p. 46)172 e “função pedagógica da constituição”173 (2000, p. 34).

Esta dimensão da constituição afigurou-se essencial à formação das identidades constitucionais e, tendo em vista a centralidade deste conceito para o presente trabalho, remete-se, neste momento, o leitor para as considerações a serem feitas no cap. 5.

2.2.4.Constituição como elemento de conformação espaço-temporal

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