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CAPÍTULO 3 MÉTODO DA PESQUISA

3 Método da pesquisa

3.1 Construção de teoria a partir de estudos de casos

A partir de uma síntese de trabalhos prévios em métodos qualitativos, Eisenhardt (1989) introduz conceitos e práticas tais como “especificação de construtos a priori”,

literatura existente”, como parte de um processo para desenvolver teoria a partir de estudos de

caso. O Quadro 3.1 sintetiza esse processo proposto por Eisenhardt (1989).

Quadro 3.1 Processo de construção de teoria a partir de estudos de caso

Passo Atividade Razão

Início

Definição da pergunta de pesquisa Possíveis construtos a priori Nem teoria nem hipóteses

Foca os esforços

Fornece melhores medidas do embasamento dos construtos

Mantém flexibilidade teórica

Seleção de casos

População especificada

Amostragem teórica, não randômica

Restringe variações estranhas e fortalece a validade externa

Foca esforços em casos teoricamente úteis – ex. aqueles que replicam ou estendem teoria preenchendo categorias conceptuais

Elaborar instrumentos e protocolos

Múltiplos métodos de coleta de dados Dados qualitativos e quantitativos

combinados

Múltiplos pesquisadores

Fortalece fundamentação da teoria por triangulação de evidências

Visão sinérgica das evidencias

Fomenta perspectivas divergentes e fortalece o embasamento

Entrar em campo

Sobrepor coleta e análise de dados, incluindo notas de campo Métodos flexíveis e oportunistas de

coleta de dados

Acelera a análise e revela ajustes úteis da coleta de dados

Permite pesquisadores aproveitar temas emergentes e características únicas do caso

Análise dos dados

Análise intra-caso

Busca de padrões inter-casos usando técnicas divergentes

Aumenta familiaridade com dados e produção da teoria preliminar Força os pesquisadores a olhar além da

impressão inicial e ver a evidência através de múltiplas lentes

Formulação das hipóteses

Tabulação iterativa da evidência de cada construto

Replicação, não amostragem, através dos casos

Busca evidencias para o “por que” por trás das relações

Fortalece definição de construtos, validade e mensurabilidade

Confirma, estende e aperfeiçoa a teoria Constrói a validade interna

Envolvendo a literatura

Comparação com literatura conflitante Comparação com literatura similar

Constrói validade interna, eleva o nível teórico e aguça a definição de construtos Aperfeiçoa a generalização, melhora a

definição de construtos e eleva o nível teórico

Fechamento Saturação teórica quando possível Finaliza processo quando a melhoria marginal é pequena

Fonte: Eisenhardt (1989)

O ponto de partida é a definição da pergunta de pesquisa como em qualquer outro método de pesquisa científica. A racionalidade para definição da questão de pesquisa é a mesma daquela usada na pesquisa que usa teste de hipóteses. Sem uma questão bem definida será impossível manter o foco e decidir quais dados são pertinentes e deveria ser coletados, o pesquisador então ficaria sobrecarregado com o grande volume de informações.

Eisenhardt (1989) defende uma especificação de construtos a priori como uma ajuda para dar forma ao desenho inicial da pesquisa. Porém, é necessário reconhecer que tanto a pergunta como os construtos definidos a priori são tentativas e que não tem lugar garantido na teoria, pois a estratégia de construção de teorias a partir de estudos de caso precisa manter- se o mais próximo possível do ideal de “nenhuma teoria em questão e nenhuma hipótese para

testar” como forma de evitar o viés do pesquisador e se focar nas evidências para descrever o

fenômeno e estabelecer as relações entre construtos. Caso os construtos elencados a priori se mostrem importantes à medida que o estudo progride, então o pesquisador terá fundamentação empírica para a teoria, caso contrário os construtos inicias poderão ser substituídos por outros ou incluir novos construtos e até a questão de pesquisa poderá ser revista.

No segundo passo é necessário definir a população e a amostragem, que nesta proposta metodológica seriam os casos a serem estudados. O conceito de população é crucial para definir o grupo de entidades do qual será extraída a amostra, evitar variações estranhas e limitar a generalização das descobertas tanto em pesquisas que testam hipóteses quanto em pesquisas que desenvolvem teoria a partir de estudos de caso. Mas, é na amostragem que aparece uma diferença importante entre esses dois tipos de pesquisa. Quando se usa estudos de caso a amostragem é feita por razões teóricas e não estatísticas, uma forma diferente daquela usada em teste de hipóteses, que precisa ser randômica (EISENHARDT, 1989).

Após a definição dos estudos de casos, o terceiro passo consiste em elaborar os instrumentos e protocolos. Estes devem prever uma combinação de métodos de coleta de dados, o que permite a triangulação dos mesmos como forma de prover a mais forte fundamentação possível dos construtos. O uso concomitante de dados qualitativos e quantitativos cria uma sinergia, na qual os dados quantitativos podem: i) indicar relações não evidentes para o pesquisador, ii) evitar que o pesquisador se deixe levar pelas impressões vivas, mas falsas, dos dados qualitativos, e iii) dar suporte as conclusões quando corroboram as evidências qualitativas. Por outro lado, a possibilidade de participação de vários pesquisadores pode ser usada para fortalecer o embasamento teórico por meio do encontro de perspectivas.

O passo seguinte, que a autora chama de “entrar em campo”, também se diferencia das outras abordagens metodológicas, pois a coleta de dados acontece de forma concomitante à análise com a finalidade de permitir ajustes úteis na coleta de dados e acelerar a análise dos mesmos. Outro aspecto importante é a flexibilidade na coleta de dados. Nesse sentido, a autora defende a legitimidade de alterar (ou ainda acrescentar) métodos de coleta de dados

durante o estudo, tendo em vista que o pesquisador busca entender o caso tão profundo quanto possível. Assim, faz sentido alterar o que estava previsto a fim de aproveitar a oportunidade de trazer uma fundamentação mais forte para a teoria que está sendo desenvolvida.

No quinto passo da proposta Eisenhardt (1989) expõe a necessidade de fazer uma análise intra-caso como forma de lidar com o grande volume de dados e de atingir a compreensão do padrão ou características próprias de cada caso antes de partir para uma generalização entre os diversos casos em estudo. Desta maneira, a análise inter-casos (posterior à análise intra-caso) se concentrará em identificar semelhanças dentro de grupos ou diferenças entre grupos baseados em categorias ou dimensões previamente estabelecidas. Este processo pode ser realizado em comparações por pares de casos ou dividindo os dados de acordo com a fonte. A finalidade desta etapa última é forçar o pesquisador a ir além das

impressões iniciais, especialmente utilizando “lentes” diversas e estruturadas sobre os dados,

além de permitir que possa capturar as novas descobertas que podem existir nos dados.

A proposta inicial de Eisenhardt (1989) baseia-se no uso de casos múltiplos como forma de dar mais consistência a análise do fenômeno, buscando entender o porquê das diferenças no comportamento entre os vários casos em estudo. Porém, em um trabalho mais recente, que aborda e aprimora essa proposta inicial, admite também a possibilidade de trabalhar com um único caso como base para criar construtos teóricos e proposições que formem uma teoria (Eisenhardt e Graebner, 2007). Nesse trabalho também se destaca que a estratégia de desenvolver teoria a partir de estudos de caso é particularmente apropriada para

resolver questões do tipo “como” e “por que” em áreas de pesquisa relativamente

inexploradas.

O sexto passo sugerido por Eisenhardt (1989) é a formulação das hipóteses a partir das evidências que surgem do passo anterior, para tanto, é necessário refinar os construtos através da revisão da definição do construto e da identificação de evidências que possam medi-lo em cada caso. Este é um processo iterativo, no qual se verifica se os relacionamentos entre construtos se encaixam com as evidências de cada caso (para confirmar ou não). Cada hipótese é examinada para cada caso em estudo, não de forma agregada para todos os casos, a lógica por trás desse procedimento é a replicação. A replicação é um processo semelhante à medida de um construto simples na pesquisa de teste de hipóteses, a diferença é que o construto, sua definição e sua medida amiúde surgem do processo de análises por si mesmo, em lugar de ser especificados a priori. É importante descobrir as razões teóricas subjacentes que explicam o porquê das relações descobertas. Os pesquisadores devem, por tanto, julgar a

força e consistência das relações intra e inter-casos e tornar explicito toda a evidência e procedimentos usados, de modo que os leitores possam aplicar seu próprio padrão.

No sétimo passo, fica evidente outro aspecto particular da estratégia de desenvolver teoria a partir de estudos de caso que é o papel dado à literatura existente. A partir de uma revisão bibliográfica abrangente deve-se perguntar: a que é semelhante? a que contradiz? e por que?. A literatura contrária às descobertas do pesquisador é importante porque o obriga a pensar de maneira mais criativa e evita que simplesmente ignore os conflitos já levantados por outros pesquisadores, sob pena de ver reduzido o nível de confiança em suas descobertas. Neste passo busca-se fortalecer a validade interna da pesquisa e aperfeiçoar a generalização das conclusões.

O último passo proposto por Eisenhardt (1989) envolve duas questões importantes: quando parar de adicionar casos e quando parar a iteração entre teoria e dados. O conceito de saturação teórica é fundamental para responder ambas as questões, tal saturação é atingida quando a melhoria incremental da teoria é mínima.