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Problemática: Tempo, Tecnologia e Género

2.4 O percurso da investigação

2.4.1.1 Construção do questionário

Como já referido, o questionário tinha como objetivo a recolha de informação descritiva sobre os usos do tempo e da tecnologia dos indivíduos que moram em casal (de facto ou de direito) residentes nos distritos de Braga e Castelo Branco. Consistiu de quatro blocos temáticos, incidindo, respetivamente, sobre: caraterísticas sociodemográficas dos agregados; o uso do tempo dos inquiridos; a posse e o uso de tecnologias no agregado; as deslocações (ver anexo 1).

O primeiro bloco do questionário recolhe as informações sobre as caraterísticas sociodemográficas do agregado familiar. Para cada um dos membros foram registados dados sobre o sexo, a idade, o grau de parentesco, o nível de escolaridade, a eventual situação de dependência (entendida como a necessidade de cuidados regulares por uma terceira pessoa), os rendimentos do agregado e a situação laboral do casal. Em relação à situação laboral, registou-se, de ambos os membros do casal, a sua profissão (codificada a nível de subgrupo segundo a Classificação Nacional de Profissões CNP9417) e a situação perante o emprego. Essas informações foram posteriormente utilizadas para construir o indicador individual e familiar de classe conforme o

17 Para uma informação detalhada sobre os conceitos, a estrutura e a codificação desta

classificação pode ser consultada na página do INE as entradas: meta informações/classificações (www.ine.pt).

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esquema proposto por Almeida, Costa e Machado, também designado por ACM (ver Machado et al. 2003).

O segundo bloco de perguntas está orientado para a recolha de informação sobre o uso do tempo, e a sua formulação é fruto de escolhas metodológicas em função do objeto de estudo: Que atividades devem ser escolhidas? Qual o marco temporal de referência para cada atividade? Como contabilizar as atividades que decorrem em simultâneo? Qual o instrumento para registar os tempos? A perspetiva quantitativa do uso do tempo assume implicitamente a definição economicista18 do tempo como um recurso limitado (Becker 1965),

medindo o uso diferencial do mesmo por parte dos indivíduos, famílias, coletivos, etc., no pressuposto de que esta variabilidade na alocação do tempo é socialmente condicionada. Neste sentido, a medição do tempo está associada estreitamente com “o fazer”, com os conteúdos desse tempo, isto é, com as atividades que decorrem nesse tempo. Existem numerosas classificações das atividades que os indivíduos podem realizar e a mais utilizada nos estudos do uso do tempo é baseada na proposta de Dagfinn As (1978), já referida no capítulo 1, que compreende a seguinte hierarquia de atividades: tempo necessário (para cuidados pessoais); tempo contratado (contracted time, para trabalho remunerado e estudos); tempo comprometido em outras atividades, ou seja, committed time (tarefas domésticas, voluntariado); e tempo livre. Como acontece com todas as classificações, esta não está isenta de problemas. Por um lado, a mesma atividade pode, segundo o significado que os sujeitos lhe atribuem, ser incluída em várias categorias. Por outro lado, muitas atividades decorrem em simultâneo, o que é particularmente comum no trabalho doméstico e no tempo para os cuidados. Assim, pode acontecer que os tempos estão duplamente computados, ou que apenas uma atividade é mencionada (como sendo a primária) sem referência à segunda, levada a cabo em simultâneo.

O questionário da presente investigação recolhe informação sobre as categorias de atividade antes mencionadas, atendendo, especialmente, aos

18 Não é por acaso que o instrumento específico para a recolha de dados desenvolvido pelos

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tempos despendidos em atividades relacionadas com as tecnologias em estudo (TIC, meios de transporte e tecnologias de apoio às tarefas domésticas). No que diz respeito ao tempo para cuidados pessoais, foram recolhidas informações sobre os tempos destinados pelo inquirido a dormir e/ou descansar, higiene pessoal (tomar banho, se vestir, maquilhagem, etc.) e tempo despendido nas refeições. Em relação aos tempos contratados, inclui- se uma série de perguntas sobre as condições de trabalho de ambos os membros do casal, horas de trabalho semanal e tipo de horário (trabalho noturno, fim de semana, turnos, etc.). Com estas questões pretendeu-se obter informação sobre o grau de condicionamento do tempo de trabalho sobre a organização do dia-a-dia do casal, tendo em conta a crescente flexibilização dos tempos de trabalho e a difusão de horários atípicos.

O terceiro grupo de atividades, ainda no segundo bloco, foca-se no trabalho doméstico e nos cuidados “pelos outros”. Foi recolhida informação sobre o tempo que o inquirido despende semanalmente nas seguintes atividades: preparação de refeições, lavagem e arrumação da loiça, limpeza da casa, lavagem da roupa (lavar, estender e recolher), passar a roupa, manutenção e reparações na casa, serviços administrativos, compras habituais e cuidados com os filhos menores de 16 anos e com outros dependentes (alimentação, higiene, vida escolar, brincar, etc.). Para completar a informação sobre o cuidar das crianças e dependentes foi registado o recurso a cuidadores informais e institucionalizados (cônjuges, outros familiares, empregadas, lares, ATL, etc.). A seleção de algumas atividades, como lavar a loiça, foi determinada pelas tecnologias de apoio que lhes são associadas na sua realização, tendo em vista a avaliação dos efeitos da presença da tecnologia na poupança de tempo. Face à variedade de rotinas na execução das atividades de trabalho doméstico foi introduzida uma pergunta sobre a frequência com que são realizadas. Algumas tarefas, como a preparação de refeições, costumam ser realizadas diariamente; enquanto outras, como as reparações, são esporádicas; ou ainda outras, como as limpezas, tendem a ser comprimidas no fim-de-semana. Além disso, a informação sobre a frequência na realização das tarefas é particularmente útil no caso dos homens, dada a assimetria na divisão do trabalho doméstico nos casais, que implica que os

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homens apresentam padrões de realização das tarefas mais irregulares. Servem de exemplo os inquiridos que destinam várias horas semanais a cozinhar mas apenas realizam esta tarefa no fim-de-semana; havendo, no caso oposto, aqueles que preparam o pequeno-almoço diariamente, o que se traduz num cômputo semanal que em minutos é significativamente inferior aos primeiros, que apenas uma ou duas vezes tratam de uma refeição. Portanto, a frequência de realização permite contextualizar “as quantidades” do tempo gasto nas atividades, o que é de grande utilidade para caraterizar a variedade de padrões de uso do tempo.

Outra dimensão relevante para a contextualização social dos tempos despendidos nas tarefas domésticas foi a participação de outras pessoas na execução da tarefa, de forma a captar a situação na divisão do trabalho doméstico no seio do agregado, nomeadamente entre os cônjuges, mas também em relação aos filhos, empregados, familiares, e outras pessoas. Adicionalmente, houve questões sobre o eventual recurso regular a ajudas pagas e não pagas (em geral empregados e familiares) na realização de tarefas domésticas, calculando-se os tempos e as frequências dos mesmos. Dada a relevância que as “representações” (do tempo e da tecnologia) têm no projeto, foi aferida a perceção dos inquiridos relativamente ao grau de partilha entre os cônjuges.

Devido à ambiguidade e indefinição da categoria “tempo livre” (ver Schouten e Araújo 2012), optou-se por registar apenas a frequência com que os inquiridos realizam algumas atividades consideradas de lazer. Compreende atividades que se levam a cabo no espaço doméstico, incluindo algumas que envolvem o uso de certas tecnologias (ver televisão, ouvir música, etc.) e atividades que decorrem fora do dito espaço (práticas desportivas, assistência a espetáculos e exposições, visitas a amigos e familiares, etc.). A heterogeneidade das atividades e dos seus ciclos de realização precisavam da adoção de um marco de referência temporal superior à semana, tendo-se optado por um mensal.

Chegado ao terceiro bloco do questionário, recolhe-se informação referente à posse e uso (com os indicadores: utilizador principal e grau de domínio) de

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alguns equipamentos relativos às grandes categorias do estudo: eletrodomésticos, TIC e meios de transporte. Este bloco do questionário abre com um conjunto de perguntas abertas em que se pedia aos inquiridos que elegessem, de entre todas as tecnologias que possuem, aquela que consideram a mais essencial; a que lhes poupa mais tempo; a mais útil: a desnecessária; e, finalmente, aquela que ainda gostariam de possuir. A provocação desta avaliação espontânea tinha como objetivo apreciar algumas hierarquias em relação ao lugar que as tecnologias ocupam na vida quotidiana dos inquiridos. Por último, procurámos aferir as possíveis diferenças de género no uso do computador e da internet no espaço doméstico, atendendo aos tempos despendidos pelos cônjuges e às justificações para a sua aquisição. O quarto e último bloco do questionário contém uma série de perguntas relativas aos meios de transporte usados e aos trajetos realizados pelos inquiridos, assim como o motivo e o tempo do itinerário. A crescente relevância das deslocações na vida quotidiana em termos de tempo e do uso privilegiado do carro nas mesmas, foi decisivo para dedicar a esta temática um espaço próprio. Por um lado, as deslocações fazem parte das rotinas quotidianas dos casais, e embora decorram fora do espaço doméstico, espelham, em certa medida, a divisão de responsabilidades domésticas (cuidado dos filhos, compras, etc.) e as conexões com outros espaços que não o doméstico. Por outro lado, o facto da maioria das ditas deslocações serem realizadas com o carro (quer como condutor quer como passageiro), permitiu explorar o uso desta tecnologia, tradicionalmente genderizado, nomeadamente no caso de existir apenas um carro na família. Foram recolhidas informações sobre as razões das deslocações que tinham como origem ou destino o domicílio familiar, a saber o trabalho, o transporte de filhos, visitas a familiares e amigos, compras e atividades de lazer durante a semana e ao fim de semana.

O longo questionário elaborado na primeira fase da preparação sofreu sucessivas alterações e reduções na sequência de pré-testes, sobretudo no bloco das tecnologias, em que foram eliminadas várias perguntas (por exemplo, os modos de aprender a lidar com os aparelhos, e a frequência na

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utilização das funcionalidades de certos aparelhos). A aplicação do questionário final demorou, em média, 45 minutos.

2.4.1.2 A amostra

Devido às limitações logísticas e ao caráter exploratório do estudo, optou-se por uma amostragem não-casual.

Construiu-se inicialmente uma estratificação não proporcional segundo o distrito e a classificação de freguesias do INE de tipologia de áreas urbanas, que distingue entre áreas predominantemente urbanas, medianamente urbanas e predominantemente rurais, ou seja APU, AMU, APR, respetivamente (TIPAU 2009). Em cada distrito e tipo de área foram escolhidas aleatoriamente freguesias, e para a determinação dos sujeitos finais a inquirir, fixaram-se quotas por idade e sexo. Dado que se trata de uma amostra não- representativa, os resultados da análise têm um valor apenas indicativo (ver anexo 2).