• Nenhum resultado encontrado

4 A CONSTRUÇÃO DO REFERENCIAL TEÓRICO SOB A LUZ DA

4.3 Teoria da Atividade: conceitos e perspectivas

4.3.1 Construtos teóricos da TA proposta por Leontiev

Após a síntese sobre a evolução da TA acreditamos ser necessário buscar uma definição para essa teoria que pudesse esclarecer o seu campo de pesquisa, bem como as diversas facetas de sua constituição. Dessa maneira, na obra intitulada “Perspectives on Activity Theory” de Engeström; Miettinene Punamäki (1999, p.2) encontramos uma definição para a TA a qual traduzimos como:

A Teoria da Atividade é uma abordagem interdisciplinar das ciências humanas que se origina na escola da psicologia histórico-cultural, iniciada por Vygotsky, Leontiev e Luria. A Teoria da Atividade considera o sistema de atividade coletiva orientado a objetos e mediado por artefatos como sua unidade de análise, preenchendo assim o abismo entre o sujeito individual e a estrutura social.

A definição apresentada acima consegue, a nosso ver, compreender todas as gerações da TA, uma vez que enfatiza o campo de pesquisa na área das ciências humanas, destacando o seus aspectos multidisciplinares e sua gênese na THC desenvolvida por Vygotsky e seus colaboradores. Descreve a evolução da TA na concepção de Leontiev ao propor sua unidade de análise o sistema da atividade coletiva orientada para o objeto e mediada por artefatos, criando pontes entre o sujeito individual e a estrutura social.

A partir dessa definição e tomando consciência do objeto de estudo dessa tese, nos apoiaremos nos pressupostos teóricos sobre a TA proposta por Leontiev, buscando caracterizar seus aspectos mais relevantes a partir do conceito de atividade.

A terminologia da palavra práxis, transcrita do grego, refere-se à noção de atividade social prática. Na concepção marxista a terminologia “[...] designa o conjunto de relações de produção e trabalho, que constituem a estrutura social, e a ação transformadora que a revolução deve exercer sobre tais relações” (ABBAGNANO, 2007, p. 797). Em outras palavras, a práxis é uma atividade plenamente perceptível e consciente para o homem.

No campo da Psicologia sabemos que as ideias de Marx serviram de inspiração para o desenvolvimento da THC de Vygotsky, que ao utilizar as noções de atividade social oportunizou o surgimento de outra teoria denominada Teoria da Atividade, inicialmente desenvolvida por Leontiev, Rubinstein e Luria.

Para Daniels (2003) o objetivo dos teóricos da atividade é analisar os impactos psicológicos da atividade organizada, considerando as condições e sistemas gerados em e por tal atividade. Assim, a atividade social prática se torna unidade de análise para o desenvolvimento da consciência.

Dessa maneira, Leontiev (1988, p. 68) no contexto da TA define a atividade da seguinte forma:

[...] aqueles processos que, realizando as relações do homem com o mundo, satisfazem uma necessidade especial correspondente a ele [...]. Por atividade, designamos os processos psicologicamente caracterizados por aquilo a que o processo, como um todo, se dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o objeto que estimula o sujeito a executar esta atividade, isto é, o motivo.

Leontiev (1978) se apropria dos estudos de Vygotsky e propõe que a atividade do homem é um processo de mão dupla entre os extremos sujeito e objeto, onde se manifestam os movimentos recíprocos, seja este um objeto material ou simbólico. Dessa forma, o autor pontua o aspecto objetivo da atividade, ressaltando a qualidade de ser sempre, e, necessariamente, orientada por um objeto.

Para Leontiev (1978) a atividade designa os processos que, efetivando as relações do homem com o mundo, satisfazem uma necessidade especial a ele correspondente (o motivo), enquanto outros processos que não atendem a esse pressuposto são por ele denominados de ações e operações. Nesse sentido, Kozulin (2004) menciona que Leontiev sugere que a atividade corresponde a um motivo, ação corresponde a um objetivo e operação depende de condições.

Segundo Leontiev (1978), a atividade é composta por ações, que têm relação direta com os objetivos. Essas ações, por sua vez, são compostas de operações, que podem ser definidas como os meios pelos quais as primeiras serão desenvolvidas.

A figura a seguir ilustra os elementos de uma atividade:

Figura 9 - Componentes de uma atividade

Fonte: Leontiev (1978).

Leontiev (1978) explica que uma ação pode ser realizada por diferentes operações e, esclarece que de maneira análoga, distintas ações podem ser desempenhadas pelas mesmas operações. O autor apresenta três níveis para diferenciar e relacionar os elementos estruturantes da atividade humana, associando motivo, meta e condições, com atividade, ação e operação.

Segundo Daniels (2001), o nível mais baixo e automático compreende-se a operação, inconsciente, que consiste nas rotinas realizadas pelo sujeito, associadas a uma ação e influenciadas pelas condições gerais da atividade. O nível seguinte consiste nas operações conscientes que surgem na forma de ação, podendo ser esta realizada pelo indivíduo ou grupo e subjugadas a uma meta. No último nível, consiste na atividade que é orientada a um motivo e realizada coletivamente.

Figura 10 - Estrutura hierárquica da Atividade de Leontiev

Fonte: Daniels (2001).

Leontiev (1978), no que tange à relação entre operação e ação, afirma que no momento que uma ação se automatiza ela passa a ser uma operação, possibilitando o surgimento e o desenvolvimento no indivíduo de ações cada vez mais complexas. Em palavras do próprio

autor, “[...] toda a operação é resultado da transformação de uma ação que ocorre com um resultado de sua inclusão e sua subsequente ‘tecnização’”. (LEONTIEV, 1978, p. 66, grifo do autor).

Ilustramos a relação dos elementos da estrutura da atividade, adaptando uma situação proposta por Leontiev (1978, p. 97) que tem a leitura de um livro como atividade de estudo para um indivíduo:

● A atividade é regida por seu motivo(s) – o estudante realiza um processo de leitura para obter conhecimentos necessários para ser aprovado em determinado exame ou para desempenhar uma futura profissão no mercado de trabalho. Para cada necessidade a leitura da obra terá um sentido para o indivíduo.

● As ações são regidas por seus objetivos – o estudante pode ler os capítulos ou conteúdo mais enfatizado pelo professor em sala de aula (conhecimento para o exame); ou realizar a leitura global da obra para compreender o campo de atuação e possíveis situações- problema que possa surgir durante o exercício da sua função como profissional de uma determinada área (conhecimentos para atuar).

● As operações são regidas pelas condições da leitura – como o estudante realiza diversas tarefas, elas dependerão de diversos fatores. Tais como: conhecimento em jogo, tipo de livro, luz adequada para o estudo, momento do estudo, local de estudo, etc.

Sforni (2006, p. 7-8) nos diz que o movimento entre atividade, ação e operação revela o processo contínuo de desenvolvimento do sujeito e sintetiza todas as ideias acima expostas:

1. Para que uma ação tenha significado para o sujeito, é necessário que ela seja produzida por um motivo;

2. Para que as ações passem para um lugar inferior na estrutura da atividade, tornando-se operações, é preciso que novas necessidades ou motivos exijam ações mais complexas;

3. Para que, subjetivamente, o sujeito sinta novas necessidades ou motivos que o estimulem a agir em um nível superior, é preciso que esteja inserido em um contexto que produza, objetivamente, a necessidade de novas ações;

4. Para que uma operação seja automatizada de forma consciente, é necessário que ela se estruture inicialmente na condição de ação.

Os elementos estruturantes da atividade humana são fundamentais para compreendermos as relações entre significado e sentido como componentes estruturais da consciência, que orienta a atividade no mesmo momento em que é por ela regulada, determinada (LEONTIEV, 1978). O autor debruça sobre dois importantes conceitos para o desenvolvimento de estudos na perspectiva Histórico-Cultural de Vygotsky: significado e

sentido, proporcionando um novo olhar para tais termos, expondo novas sutilezas em relação aos mesmos, denominando-os de significação social19 e sentido pessoal.

O esboço dessa pesquisa tem como cenário a formação inicial do professor de Matemática e pretende a partir da TA encontrar bases teóricas e metodológicas que favoreçam analisar a produção de significados de licenciandos do curso de Matemática sobre o estudo de Geometrias não Euclidianas.

Nesse sentido, utilizamos os termos significados social e sentido pessoal na acepção de Leontiev (1983) para realizar o estudo sobre a produção de significados. O autor coloca que o ser humano se vê imerso em um mundo de significações a partir das atividades que realiza. Essas significações traduzem e apresentam as normas, os conhecimentos à cultura de uma determinada sociedade, tornando-os sentido pessoal.

Leontiev (1978, p. 94) propõe como definição para o conceito de significação social:

A significação é a generalização da realidade que é cristalizada e fixada num vector sensível, ordinariamente a palavra ou a locução. É a forma ideal, espiritual da cristalização da experiência e das práticas sociais da humanidade. [...] A significação pertence, portanto, antes de mais, ao mundo dos fenômenos objetivamente históricos.

Em outras palavras, as significações sociais devem ser compreendidas como a generalização da realidade por meio das práticas sociais conjuntas, a forma ideal da existência humana, imerso num mundo objetivamente histórico e cultural.

Nas interações de Asbahr (2014) o processo de significação social se constitui como fenômeno da consciência individual, que tem por finalidade produzir dentro de sua subjetividade o conteúdo social. A forma como o sujeito se apropria ou não de determinadas significações, depende exclusivamente do sentido pessoal apreendido pelo sujeito.

Nesse entendimento, tem-se que Leontiev (1978) compreende o sentido pessoal como sendo produzido de forma subjetiva pelo sujeito e corresponde objetivamente entre o motivo da realização da atividade (aquilo que move ação) e seu objetivo imediato (aquilo que a orienta seu fim). Dessa forma, Duarte (2004) aduz que a consciência humana estrutura-se e funciona a partir das relações entre significado e sentido, uma vez que a atividade humana é realizada por meio da relação mediada psiquicamente entre o seu motivo, o conteúdo de cada ação que a compõe (significado da ação) e seu objetivo final.

19 Nesta pesquisa, os termos significado social e significação social serão utilizadas para expressar o mesmo conceito.

Ainda nas proposições de Duarte (2004) a educação escolar contemporânea tem como um dos grandes desafios viabilizar que a aprendizagem dos conteúdos escolares possa proporcionar determinado sentido para os estudantes. O ensino como principal atividade do professor deve ser organizado, intencional e sistematizado de modo a desencadear nos discentes a necessidade de apropriação do conhecimento científico, num processo que outorgue sentido pessoal à atividade de estudo (em relação ao estudante) e de ensino (em relação ao professor).

Segundo a pesquisadora Asbahr (2011) para que a aprendizagem escolar ocorra de forma satisfatória as ações provocadas pelos estudantes envolvidos neste processo devem ter um sentido pessoal correspondente aos motivos da atividade de estudar determinado conteúdo. O papel do professor como mediador da atividade de aprendizagem na direção de formalizar conhecimentos científicos deve considerar os conhecimentos espontâneos, isto é, busca-se a teorização do conhecimento sobre o conteúdo sensível20.

Em outros termos, o professor deve organizar a atividade de estudo de tal forma que possa garantir ao conteúdo a ser ensinado o lugar de objeto da atividade de aprendizagem para que este se torne o motivo desta atividade, ou seja, trata-se então de garantir também o encontro do objeto com a sua necessidade. Vale ressaltar, que não se trata neste caso de qualquer necessidade, mas sim, necessidades de ordem superior. Nos processos de ensino e aprendizagem tem-se a tarefa de produzir necessidades de ordem superior para evoluir em relação às necessidades imediatas e pragmáticas que os discentes espontaneamente apresentam (ASBAHR, 2011).

Como é de interesse desta pesquisa, destaca-se que o papel primordial da educação escolar é formalizar conhecimentos científicos, desenvolvendo as funções psicológicas superiores imprescindíveis para a apropriação da Ciência, da Arte e das demais produções humanas (VYGOTSKY, 2006). Assim, tem-se como ideia central que o professor deve estruturar a atividade de estudo de maneira que os objetos a serem apropriados tenham lugar estrutural na atividade dos estudantes, pois o sucesso da aprendizagem depende diretamente do sentido que esta tenha para o sujeito.

Dessa forma, justifica-se a pretensão desta pesquisa de analisar a produção de significados de futuros professores de Matemática acerca do estudo de Geometrias não Euclidianas na graduação, a fim de formalizar conceitos científicos através da exploração e da vivência de Atividades de Ensino que possam ampliar os conhecimentos no campo da

20

O conteúdo sensível (sensações, imagens de percepção, representações) é o que produz a base e as condições da consciência, o que cria sua riqueza e seu colorido (LEONTIEV, 1978, apud, ASBAHR, 2014, p. 267).

Geometria, a ponto de estabelecer sentido pessoal para a inserção desses modos de compreender os espaços nas aulas de Matemática.

No próximo capítulo, como desdobramento da TA proposta por Leontiev e colaboradores discutiremos as contribuições teórico-metodológicas da Atividade Orientadora de Ensino para o desenvolvimento de conceitos matemáticos e, consequentemente, para a formação inicial do professor de Matemática.

5 ATIVIDADE ORIENTADORA DE ENSINO: UM CONTEXTO PARA A