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Consumo e despesas – tendências e alterações

No documento Alimentação em tempos de crise (páginas 114-119)

Os últimos anos foram marcados por ajustamentos orçamentais e alimentares em muitas famílias, na sequência da crise económica e das medidas de contenção orçamental que tiveram impacto sobre as receitas dos agregados familiares (Truninger e Teixeira 2013). A ali- mentação, por permitir alguma flexibilidade no conjunto das despesas do orçamento das famílias, é frequentemente sujeita a transformações em períodos de dificuldade financeira. O gráfico seguinte permite comparar o número de famílias em situação de segurança e de inse- gurança alimentares que registaram alterações de qualquer tipo na sua alimentação (figura 3.12).

Como se vê no gráfico, à pergunta de resposta dicotómica (Sim ou Não) – «Nos últimos dois anos, diria que houve alterações na ali- mentação na sua casa?» – a maior parte dos inquiridos em situação de segurança alimentar não assinala quaisquer alterações (79,8 %).

Contudo, as famílias em situação de insegurança alimentar divi- dem-se a este respeito, observando-se que uma maior percentagem de agregados categorizados no nível moderado de insegurança ali- mentar terá registado transformações (61,3 %). Pelo contrário, mais

Figura 3.12 – Alterações na alimentação nos últimos dois anos (sim/não), por situação de (in)segurança alimentar, N = 2007

Seg. Alimentar IA Ligeira IA Moderada IA Grave

Fonte: Inquérito à Pobreza e Segurança Alimentar das Famílias Portuguesas com Crianças em

Idade Escolar 2014.

de metade das famílias que se encontram em insegurança alimen- tar grave responderam que não mudaram os seus hábitos alimentares (57,9 %), o que pode ser explicado pelo facto de já estarem a manter práticas restritivas há mais de dois anos, eventualmente tratando-se de casos de pobreza prolongada.

Quanto ao teor das alterações, as diferenças entre as famílias em situação de segurança e insegurança alimentares remetem novamente para o peso da componente financeira. Os dados reportados provêm de uma questão aberta onde os inquiridos apontavam as razões prin- cipais das alterações. Dos 2007 inquiridos, apenas 363 responderam a esta pergunta. Depois de feita a codificação das respostas abertas em quatro categorias principais (ver a figura 3.13), foi possível apurar que enquanto na maior parte das famílias em situação de segurança ali- mentar as alterações remetem para o plano da saúde e da dieta (67 %), as transformações ocorridas nas famílias em situação de insegurança alimentar decorrem essencialmente da necessidade de ajustar a ges- tão financeira da alimentação, sobretudo nas famílias com níveis mais

Figura 3.13 – Tipo de alterações na alimentação, por situação de (in)segurança alimentar, n = 363

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Fonte: Inquérito à Pobreza e Segurança Alimentar das Famílias Portuguesas com Crianças em

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graves de insegurança alimentar. Ou seja, as famílias em situação de insegurança ligeira dividem-se entre mudanças por causa da contenção orçamental (mais acentuadas) e por razões que se pren- dem com a saúde/doença que implicam alterações na dieta (menos acentuadas, mas ainda assim relevantes). Há ainda um outro grupo de razões menos frequentemente apontado, mas que se prendem sobretudo com mudanças nas rotinas (divórcio, mudança de casa, emigração, novos horários de refeições por questões de organização diária) que fizeram alterar os quotidianos alimentares. Além disso, na categoria «outras» foi incluído outro tipo de razões, como por exemplo, alterações nas preferências alimentares das crianças (e. g., pedir mais doces).

Tendo em conta que as famílias em situação de insegurança ali- mentar foram as que maiores ajustes orçamentais realizaram na sua alimentação, não surpreende que seja entre elas que se encontra a maior proporção de casos onde as despesas alimentares terão sido reduzidas nos últimos dois anos (figura 3.14). Não obstante, a maioria dos inquiridos em todos os níveis de insegurança alimentar afirma

Figura 3.14 – Evolução das despesas com alimentação nos últimos 2 anos, por situação de (in)segurança alimentar, N = 2007

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Fonte: Inquérito à Pobreza e Segurança Alimentar das Famílias Portuguesas com Crianças em

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que nos dois anos anteriores as suas despesas com a alimentação aumentaram mais do que diminuíram, evidenciando o facto de o custo de vida ter aumentado com a crise.

Para além destas alterações mais genéricas na alimentação, averiguaram-se as mudanças nos consumos de géneros alimentares específicos, de modo a observar que tipo de produtos as famílias passaram a consumir com maior, menor ou a mesma frequência (ver a figura 3.15).

Entre aproximadamente 60 % e 77,3 % das famílias em situação de segurança alimentar mantiveram a mesma frequência no con- sumo de todos os tipos de alimentos considerados. O maior decrés- cimo regista-se no consumo dos produtos enlatados ou de conserva (24,6 %) e nos produtos congelados (19,7 %), e o maior aumento observa-se no consumo de legumes (32,6 %) e fruta (32,3 %), segui- dos mais abaixo dos produtos frescos (22,5 %) e do peixe (20,2 %), notando-se uma tendência para a procura de uma alimentação cole- tivamente considerada como sendo de melhor qualidade, e até, mais saudável (Truninger 2010).

Figura 3.15 – Alterações na frequência dos consumos alimentares, por tipo de produto e por situação de (in)segurança alimentar, N = 2007

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Fonte: Inquérito à Pobreza e Segurança Alimentar das Famílias Portuguesas com Crianças em

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Relativamente ao conjunto das famílias em situação de insegu- rança alimentar, observa-se um maior número de alterações nas fre- quências de consumo. As maiores quebras no consumo alimentar das famílias em situação de insegurança alimentar verificam-se no consumo de peixe (49,1 %) e de carne (44,2 %), notando-se que os grupos que mais cortam nestes consumos são, precisamente, os que se situam nas escalas de maior gravidade, os quais têm de fazer uma gestão financeira mais rigorosa da alimentação. Verifica-se um ligeiro

aumento do consumo de produtos congelados (27,9 %), sendo mais expressivo sobretudo entre os grupos em situações mais graves de insegurança alimentar (moderada e grave). Verifica-se também uma diminuição considerável no consumo de legumes (33,3 %) e de fruta (33,2 %). Estas alterações parecem estar associadas à diminuição do consumo de produtos frescos, uma vez que peixe e carne são tenden- cialmente mais baratos quando congelados do que quando compra- dos frescos.

No documento Alimentação em tempos de crise (páginas 114-119)