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INE/PORDATA 2013 22 INE/PORDATA 2013.

No documento Alimentação em tempos de crise (páginas 51-56)

Transformações nas políticas de bem-estar, apoio social e alimentar

21 INE/PORDATA 2013 22 INE/PORDATA 2013.

flexibilização de procedimentos para acesso a estes apoios, através da viabilização da «reavaliação dos escalões de rendimentos nas situa- ções em que, após a prova anual […] se verifique a alteração de rendi- mentos ou da composição do agregado familiar do titular ou titulares do abono de família para crianças e jovens que determine a alteração do rendimento de referência a considerar na determinação do escalão de rendimentos».23 Como referem Truninger e colegas (2013a, 35), a propósito desta flexibilização de procedimentos para aceder a apoios sociais: «Apesar da atual fragilização do Estado Social, as redes de provisão estatais continuam a ser centrais para providenciar bens e serviços, tais como a alimentação escolar, recorrendo a arranjos criati- vos que tentam colmatar os efeitos da crise económica e das políticas de teor neoliberal.»

Em relação a outro tipo de apoio de cariz alimentar, embora não haja indicadores relativos ao número de crianças que beneficiam do Regime de Fruta Escolar (RFE), introduzido em 200924, este é um instrumento de reforço alimentar a considerar no quadro dos apoios alimentares na escola (Truninger et al. 2013b). Em contrapartida, e também no campo da alimentação, foram introduzidas alterações ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, que garante o pagamento da pensão de alimentos quando o progenitor não cum- pre o seu dever, com diminuição do limite de rendimentos a par- tir do qual se pode recorrer a este apoio: «À semelhança do que se verificou para as restantes prestações sociais, a partir de janeiro de 2013, também o acesso ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (crianças e jovens até aos 18 anos de idade) ficou mais restrito; o limiar de rendimentos que permite o acesso à prestação passou de 485 euros (valor do salário mínimo) para 419,22 euros (valor do IAS)» (Wall et al. 2015, 88).

A necessidade de contenção orçamental caracterizou as opções realizadas pelo governo de coligação em matéria de políticas de pro- teção social. Os agentes de governação ou das comunidades locais (e. g., municípios, juntas de freguesia, IPSS, Igreja) muitas vezes são chamados a intervir para solucionar situações da responsabilidade do Estado. A existência da designada «sociedade-providência» pode

23 Portaria n.º 244/2012, de 26 de outubro de 2012. 24 Portaria n.º 1242/2009, de 12 de outubro de 2009.

eventualmente representar um «complemento» ao apoio estatal, ainda que, como resultado de fenómenos como o desemprego e cor- tes salariais, se tenha vindo a fragilizar (Santos 1991, 2011; Santos e Nunes 2004). Para além disso, a sociedade-providência no nosso país, a existir, está assente num modelo de profundas desigualdades sociais, onde os que têm mais capital social são também aqueles que têm maiores volumes de outros capitais – económico e cultural –, fazendo este facto toda a diferença quando se atravessa um período complicado de dificuldades económicas no decorrer do curso de vida (Wall et al. 2001; Aboim, Vasconcelos e Wall 2013).

Em Portugal, para além de algumas iniciativas específicas e de alcance relativamente curto, e excluindo os apoios prestados à popu- lação infantil no âmbito da Ação Social Escolar, só muito recen- temente, e na sequência da crise económica, foram formulados instrumentos de combate à pobreza alimentar no quadro da provisão social. De facto, para além do progressivo e significativo alargamento dos apoios alimentares prestados em meio escolar, são ainda parcas as iniciativas do Estado no sentido de prestar apoio alimentar aos grupos sociais desfavorecidos. As existentes são de âmbito muito focalizado. É o caso do fornecimento de refeições às pessoas sem abrigo apoia- das por instituições da cidade de Lisboa, no âmbito do Programa Comunitário de Ajuda Alimentar a Carenciados e do II Plano Nacio- nal de Ação para a Inclusão (2003-2005), que visava cobrir uma média de 650 mil pessoas por ano.

Em 2013, com a disponibilização de um orçamento de cerca de 157 milhões de euros no âmbito do Fundo Europeu de Auxílio aos Carenciados (FEAC), são estabelecidas as operações «Aquisição de Produtos Alimentares» e «Distribuição de Produtos Alimentares»,25 embora os impactos destas iniciativas não tenham sido modificados.

A crescente consciencialização pública sobre o problema da pobreza e insegurança alimentar é expressa, não apenas pela formu- lação de instrumentos de combate à pobreza, mas também porque começa a emergir um discurso em torno do desperdício alimentar, com instrumentos concretos de atuação. É disso exemplo o Plano Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar que foi apresentado no dia Mundial da Alimentação (16 de outubro de 2014). Este plano

foi elaborado pela Comissão de Segurança Alimentar criada em maio de 2014 e tem várias medidas, desde incentivos fiscais às empresas para evitarem o desperdício alimentar (e no fundo atuarem dentro de uma lógica da economia circular) até a uma grande aposta no comér- cio de proximidade (mercados locais) de forma a que os produtores consigam escoar os excedentes agrícolas diretamente para o consu- midor. Alinhado com este plano nacional, a Câmara Municipal de Lisboa aprovou em janeiro de 2015 o seu plano municipal para o Combate ao Desperdício Alimentar, que é composto por 22 ações. Um dos objetivos é monitorizar e investigar do ponto de vista social, económico e ecológico as questões relacionadas com o desperdício alimentar (através de um observatório nesta área), mas também inclui a ambição de implementar uma rede de núcleos para o combate ao desperdício alimentar nas 24 freguesias do município. 26 Apesar do mérito destas ações, é necessário não cair na tentação de esbater as questões da pobreza nas do desperdício alimentar, e portanto enten- der que ao resolver-se um problema – o desperdício alimentar –, auto- maticamente se resolve o outro – a pobreza. Ambas as questões têm causas diferentes, apesar de andarem em paralelo, o desperdício ali- mentar não pode ser visto como a solução para a pobreza, sob pena de mais uma vez se desfocar o alvo estrutural desta última: a falta de capital económico para ter acesso a uma vida digna e com bem-estar. Assim, as questões do mercado de trabalho e a distribuição mais equitativa de rendimentos – no fundo, o problema das desigualdades sociais – devem ser equacionados como um dos principais alvos para combater a pobreza.

Para além das questões das desigualdades sociais, pobreza e des- perdício alimentar, a saúde também tem mobilizado intervenções relevantes nesta matéria. Exemplo disso são os relatórios anuais Portugal – Alimentação Saudável em Números, já com cinco edições (2013, 2014, 2015, 2016, 2018) promovidos pela Direção-Geral de Saúde. Do relatório que respeita aos resultados do inquérito aplicado em 2014 (1.ª vaga) nos centros de saúde portugueses concluiu-se que: 22,8 % dos portugueses inquiridos nem sempre comem o suficiente

26 Informação coligida de notícias que saíram no Observador. Ver Agência Lusa,

«Cinco milhões de refeições por ano salvas do desperdício», 5 de junho de 2017; Fábio Monteiro, «Luta contra o desperdício alimentar vai começar na escola», 16 de outubro de 2014.

porque não têm dinheiro para comprar alimentos, e 24,7 % admitem que nem sempre têm os alimentos que querem ou de que necessitam também por questões económicas (DGS 2015).

Este relatório enquadra-se, aliás, no âmbito de um relevante ins- trumento político na área da saúde alimentar e que tem possibilitado uma atenção concreta às questões do acesso da população portuguesa a uma alimentação nutricionalmente adequada. Trata-se do Programa Nacional para a Promoção de uma Alimentação Saudável (PNPAS). Este programa desenhado e implementado pela Direção-Geral de Saúde (DGS) foi aprovado em 2012 por Despacho de 3 janeiro daquele ano pelo secretário de Estado adjunto do Ministério da Saúde. A missão deste programa é:

[...] melhorar o estado nutricional da população, incentivando a dis- ponibilidade física e económica dos alimentos constituintes de um padrão alimentar saudável e criando as condições para que a popu- lação os valorize, aprecie e consuma, integrando-os nas suas rotinas diárias. É pressuposto deste programa que um consumo alimentar ade- quado e a consequente melhoria do estado nutricional dos cidadãos tenha um impacto direto na prevenção e controlo das doenças mais prevalentes a nível nacional (cardiovasculares, oncológicas, diabetes, obesidade) e que permita, simultaneamente, o crescimento e a com- petitividade económica do país em outros sectores como os ligados à agricultura, ambiente, turismo, emprego ou qualificação profissional [Graça e Gregório 2013, 7].

Algumas das atividades realizadas no âmbito deste programa têm-se focado na diminuição das desigualdades sociais nas áreas da alimentação e da saúde, com uma atenção especial às questões da obesidade, da insegurança alimentar e da malnutrição. A título de exemplo de iniciativas e atividades que enquadram estas preo- cupações, refira-se o livro Alimentação Inteligente: Coma Melhor, Poupe

Mais publicado pela DGS em parceria com a Edenred Portugal

em 2012 (no âmbito do programa europeu Food ), bem como a participação no Projeto EPHE (EPODE for the Promotion of Health

Equity).27

27 Para informações mais detalhadas sobre estes programas e projetos, ver o site do

Mais de três décadas depois do primeiro grande inquérito nacio- nal à alimentação que teve lugar no início dos anos 80, o Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (IAN-AF 2017) utilizou indicadores relevantes no contexto europeu, pro curando constituir uma base descritiva da alimentação, da atividade física e do estado nutricional da população portuguesa. Com base no Registo de Uten- tes do Serviço Nacional de Saúde, este inquérito contou com uma amostra representativa da população portuguesa de 5819 indivíduos, com idades compreendidas entre os 3 meses e os 84 anos. Particu- larmente interessantes para o âmbito deste livro, são os resultados referentes à insegurança alimentar, avaliada com base em quatro dimensões: disponibilidade, acesso, utilização e estabilidade/resi- liência. Os dados mostram que em 2015-2016, 10,1 % das famílias portuguesas estavam em situação de insegurança alimentar (dificul- dades em fornecer alimentos suficientes para toda a família, devido à falta de recursos financeiros). Quando consideradas apenas as famílias com menores, 11,4 % estavam numa situação de insegurança alimen- tar. As prevalências de insegurança alimentar foram mais elevadas e mais severas entre as famílias com rendimentos disponíveis inferiores ou próximos ao salário mínimo nacional e entre as famílias com baixa escolaridade, sendo, contudo, a insegurança alimentar transversal a todos os grupos de rendimentos e escolaridade.

Iniciativas promovidas pela sociedade civil

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