• Nenhum resultado encontrado

Prevalência da insegurança alimentar – uma visão global do fenómeno

No documento Alimentação em tempos de crise (páginas 102-105)

Atendendo à forma como categorizam a sua situação alimentar nos últimos 12 meses, 66,7 % das famílias inquiridas têm uma ali- mentação adequada, tanto do ponto de vista da quantidade de ali- mentos ingeridos, quanto em relação à qualidade dos mesmos – por este motivo, escusaram-se estas famílias de responder aos itens do índice de (in)segurança alimentar.4 As restantes famílias dividem-se entre uma alimentação adequada em termos de quantidade, mas defi- ciente do ponto de vista das preferências (30,9 %), e uma alimentação insuficiente em termos da quantidade de alimentos ingeridos (2,3 %).

Quadro 3.3 – Situação que melhor descreve a alimentação do agregado familiar nos últimos 12 meses

N.º %

Comemos sempre o suficiente e os alimentos que

queremos 1339 66,7

Comemos sempre o suficiente mas nem sempre

os alimentos que queremos 619 30,9

Por vezes não comemos o suficiente 23 1,1

Muitas vezes não comemos o suficiente 25 1,2

Total 2006 100,0

Fonte: Inquérito à Pobreza e Segurança Alimentar das Famílias Portuguesas com Crianças em

Idade Escolar 2014.

Nota: No quadro reportam-se 2006 casos no total, pois há um inquirido que não respondeu a

esta pergunta e foi considerado missing value.

Relativamente aos fatores explicativos associados a estas situa- ções, estes podem ser cumulativos entre si. Apesar disso, salienta-se o enorme peso que os fatores económicos representam. De facto, mais de metade das famílias com uma alimentação deficiente do ponto de vista da qualidade justificam a sua situação remetendo para

4 Com base na questão «qual das seguintes situações descreve melhor a sua ali-

mentação nos últimos 12 meses?», que operou como filtro para as perguntas do índice de segurança alimentar, em conformidade com a proposta apresentada em Bickel e colegas (2000).

a indisponibilidade financeira (ver o quadro 3.4). Se considerarmos as famílias com insuficiências alimentares do ponto de vista da quan- tidade («por vezes» ou «muitas vezes não comemos o suficiente»), notamos que as causas económicas assumem uma preponderância ainda maior, sendo apontadas como fator explicativo por mais de 80 % das famílias. Não obstante, 15,2 % afirmam que «comem sempre o suficiente mas nem sempre os alimentos que querem» por questões que se prendem com algum tipo de dificuldade em encontrar alimen- tos de boa qualidade, outros 10,7 % apontam constrangimentos no acesso aos alimentos desejados (10,7 %) ou, ainda, por motivos de dieta associada à perda de peso (10 %).

Quadro 3.4 – Fatores explicativos da situação alimentar do agregado familiar

Comemos sempre o suficiente mas nem

sempre os alimentos que queremos Por vezes não comemos o suficiente Muitas vezes não comemos o suficiente Não temos dinheiro suficiente para

comprar alimentos 63,5 % 87,0 % 80,0 %

É muito difícil ter acesso a um local

de venda de alimentos 5,8 % 8,7 % 24,0 %

Estamos em dieta para perder peso 10,0 % 13,0 % 12,0 % É muito difícil encontrar os tipos

de alimentos que queremos 10,7 %

É muito difícil encontrar alimentos

de boa qualidade 15,2 %

Não temos condições para cozinhar adequadamente (p. ex., falta de gás, de eletricidade ou de algum eletrodoméstico)

13,0 % 16,0 % Não somos capazes de cozinhar

ou comer por problemas de saúde 4,3 % 4,0 %

Fonte: Inquérito à Pobreza e Segurança Alimentar das Famílias Portuguesas com Crianças em

Idade Escolar 2014.

Nota: Existem células vazias porque, dependendo da situação alimentar reportada, são previstos

conjuntos de fatores distintos.

Atendendo à ampla legitimação da escala de segurança alimen- tar utilizada nos inquéritos do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, decorrente do seu carácter transversal que permite

comparabilidade entre diferentes contextos, adotámos esta escala pro- posta por Bickel e colegas (2000). O índice tem por base a contagem de respostas afirmativas a um conjunto de questões que remetem para a fragilidade da situação alimentar em diferentes dimensões, permi- tindo classificar as famílias por situação de (in)segurança alimentar. Em função do número de respostas afirmativas, é atribuído um score a cada família, associado, por intervalos, às seguintes situações:

•   segurança alimentar – agregados sem evidências ou com evidên- cias mínimas de insegurança alimentar;

•   insegurança alimentar ligeira (sem fome) – onde a insegurança ali- mentar se manifesta essencialmente a partir de preocupações e ajustamentos na gestão alimentar;

•   insegurança alimentar moderada (com fome) – agregados onde os adultos reduziram a ingestão alimentar ao ponto de experien- ciarem fome;

•   insegurança alimentar grave (com fome) – onde as crianças dos agregados são também afetadas pela redução da ingestão de ali- mentos, sentindo fome.

Temos para o conjunto da nossa amostra uma prevalência de insegurança alimentar de 11,6 % (n = 232), sendo as restantes famílias consideradas em situação de segurança alimentar (88,4 %; n = 1775) (figura 3.4). Em relação à gravidade deste problema, observamos que a maior parte dos casos se situa no nível ligeiro (7,5 %; n = 150), ou seja, não regista redução do tamanho ou do número de refeições, mas manifesta preocupações quanto às disponibilidades alimentares que se traduzem na adoção de estratégias de adaptação como, por exemplo, comprar alimentos mais baratos; economizar energia para cozinhar; preparar refeições e congelá-las em doses individuais para durarem toda a semana. Por outro lado, 3,1 % (n = 62) das famílias em situação de insegurança registam já uma diminuição no consumo alimentar, salvaguardando, contudo, a alimentação das crianças, estando assim, num nível moderado de insegurança. O mesmo não se verifica nas famílias que se encontram no nível mais grave de insegurança alimen- tar (1 %; n = 20), onde todos os elementos do agregado são afetados pela redução do consumo alimentar, incluindo as crianças, havendo aqui, portanto, situações de fome entre as crianças.

Figura 3.4 – Situação e gravidade de (in)segurança alimentar das famílias

Fonte: Inquérito à Pobreza e Segurança Alimentar das Famílias Portuguesas com Crianças em

Idade Escolar 2014. Infografia: João Pedro Silva.

É interessante notar que dados recolhidos pelo IAN-AF (2017) vão de encontro ao número que obtivemos relativamente à percenta- gem de famílias portuguesas com menores em situação de insegurança alimentar (11,4 %). Para além disso, neste mesmo inquérito, também se confirmaram, tal como indicam os nossos dados, prevalências de insegurança alimentar mais elevadas e mais severas entre famílias com baixa escolaridade e famílias com rendimentos disponíveis inferiores ou próximos do salário mínimo nacional.

Prevalência da insegurança alimentar – focos

No documento Alimentação em tempos de crise (páginas 102-105)