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2.2 NATUREZA JURÍDICA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

2.2.1 Contas de Governo e Contas de Gestão

A importância da clara distinção entre contas de governo e contas de gestão prende- se ao fato de que nem todas as manifestações exaradas pelos Tribunais de Contas ensejam

julgamento. As primeiras caracterizam-se como opinativas. Já as segundas são verdadeiros

julgamentos. Portanto, é necessário definir com clareza quais são as decisões que se enquadram na função de julgamento, pois estas é que ensejarão limites à sua revisibilidade, como se verá adiante. A atuação, em matéria ambiental, diz respeito a ações de gestão. Portanto, dentro da esfera de competência exclusiva dos Tribunais de Contas.

Augusto Sherman Cavalcanti55 sustenta que o processo de contas contempla três

dimensões relevantes, três vertentes necessárias ao cumprimento integral de seus fins. Segundo o autor, “[...] a primeira diz respeito ao julgamento da gestão do administrador responsável; a segunda, à punibilidade do gestor faltoso; e a terceira, à reparação do dano eventualmente causado ao erário”. Percebe-se que a primeira das responsabilidades acentuadas tem natureza política, em atendimento ao princípio republicano de prestar contas para toda a sociedade, de quem busca os meios necessários para fazer frente aos serviços públicos, meios estes impostos aos cidadãos através dos tributos.

A segunda das responsabilidades diz respeito à função sancionatória decorrente da má gestão pública, do descumprimento das normas de gestão financeira e orçamentária. A terceira das responsabilidades decorre da obrigação de reparar o dano causado, desde que configurados os elementos que a ensejam.

55 CAVALCANTI, Augusto Sherman. “O Processo de Contas no TCU: o caso do gestor falecido”. Revista do

As contas de governo derivam do art. 71, I, combinado com o art. 49, IX, primeira parte, da Constituição Federal. Este julgamento terá o auxílio consubstanciado no parecer prévio que deverá ser elaborado pelo TCs.

O objeto deste julgamento conterá o cumprir do orçamento, dos planos de governo, dos programas governamentais, demonstrará os níveis de endividamento, o atender aos limites de gasto mínimo e máximo previstos no ordenamento para a saúde, a educação, os gastos com pessoal.

Decorrem da ação dos órgãos governamentais supremos, constitucionais, aos quais incumbe traçar planos de ação, dirigir, comandar. Consubstanciam-se, enfim, nos Balanços Gerais prescritos pela Lei 4.320/64. Por isso, é que se submetem ao parecer prévio do TCs e ao julgamento pelo Parlamento.

Todavia, não se há de olvidar que o perecer emitido tem caráter eminentemente técnico.

José Ribamar Caldas Furtado56 ressalta que, nas contas de governo, o que deve ser

levado em consideração não são propriamente os atos administrativos isolados, mas a conduta do administrador no exercício das funções políticas de planejamento, organização, direção e controle das políticas públicas idealizadas na concepção das leis orçamentárias (PPA, LDO e LOA), que foram propostas pelo Poder Executivo e recebidas, avaliadas e aprovadas, com ou sem alterações, pelo Legislativo.

O que é considerado é a avaliação de desempenho do Chefe do Executivo, considerada de forma global.

Para o autor:

Enquanto na apreciação das contas de governo, o Tribunal de Contas analisará os macroefeitos da gestão pública; no julgamento das contas de gestão, será examinado, separadamente, cada ato administrativo que compõe a gestão contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do ente público, quanto à legalidade, legitimidade e economicidade, e ainda os relativos às aplicações das subvenções e às renúncias de receitas.

Aqui, as contas não contêm indicativos de irregularidades na ação dos ordenadores de despesas, mas apenas os resultados do exercício. Por esta razão é que o seu julgamento se dá pelo Parlamento, levando-se em consideração os aspectos políticos, facultando-se ao Legislativo aprová-las ou rejeitá-las.

56 FURTADO, José Ribamar Caldas. “Os Regimes de Contas Públicas: Contas de Governo e Contas de Gestão”.

Este julgamento em nada prejudica o julgamento técnico das contas prestadas ou tomadas dos administradores abrangidos pelo parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal.

No julgamento técnico, haverá a incidência do inciso II do art. 71 da Lei Maior. A matéria foi objeto de julgamento no Superior Tribunal de Justiça, no ROMS 11.060-GO, onde se concluiu que as contas de administradores e gestores públicos, dizem respeito ao dever de prestar (contas) de todos aqueles que lidam com recursos públicos, captam receitas, ordenam despesas (art. 70, parágrafo único da CF/88). Submetem-se a julgamento direto pelos Tribunais de Contas, podendo gerar imputação de débito e multa (art. 71, II e § 3º da CF/88)57.

No julgamento das contas efetivado pelas Câmaras Municipais, a manifestação só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos seus membros (CF, art.31 §2º). Já, no parecer prévio sobre as contas do Governador ou do Presidente da República, a deliberação da respectiva casa legislativa se dará pela maioria simples de votos, presente a maioria absoluta de seus membros (CF, art. 47).

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STJ, RO em MS nº 11.060 – GO. Rel. Min. Laurita Vaz. Ementa:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ATOS PRATICADOS POR PREFEITO, NO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO ADMINISTRATIVA E GESTORA DE RECURSOS PÚBLICOS. JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DE CONTAS. NÃO SUJEIÇÃO AO DECISUM DA CÂMARA MUNICIPAL. COMPETÊNCIAS DIVERSAS. EXEGESE DOS ARTS. 31 E 71 DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Os arts. 70 a 75 da Lex Legum deixam ver que o controle externo –contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial – da administração pública é tarefa atribuída ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas. O primeiro, quando atua nesta seara, o faz com o auxílio do segundo que, por sua vez, detém competências que lhe são próprias e exclusivas e que para serem exercitadas independem da interveniência do Legislativo. O conteúdo das contas globais prestadas pelo Chefe do Executivo é diverso do conteúdo das contas dos administradores e gestores de recurso público. As primeiras demonstram o retrato da situação das finanças da unidade federativa (União, Estados, DF e Municípios). Revelam o cumprir do orçamento, dos planos de governo, dos programas governamentais, demonstram os níveis de endividamento, o atender aos limites de gasto mínimo e máximo previstos no ordenamento para saúde, educação, gastos com pessoal. Consubstanciam-se, enfim, nos Balanços Gerais prescritos pela Lei 4.320/64. Por isso, é que se submetem ao parecer prévio do Tribunal de Contas e ao julgamento pelo Parlamento (art. 71, I c./c. 49, IX da CF/88). As segundas – contas de administradores e gestores públicos, dizem respeito ao dever de prestar (contas) de todos aqueles que lidam com recursos públicos, captam receitas, ordenam despesas (art. 70, parágrafo único da CF/88). Submetem-se a julgamento direto pelos Tribunais de Contas, podendo gerar imputação de débito e multa (art. 71, II e § 3º da CF/88). Destarte, se o Prefeito Municipal assume a dupla função, política e administrativa, respectivamente, a tarefa de executar orçamento e o encargo de captar receitas e ordenar despesas, submete-se a duplo julgamento. Um político perante o Parlamento precedido de parecer prévio; o outro técnico a cargo da Corte de Contas.

Inexistente, in casu, prova de que o Prefeito não era o responsável direto pelos atos de administração e gestão de recursos públicos inquinados, deve prevalecer, por força ao art. 19, inc. II, da Constituição, a presunção de veracidade e legitimidade do ato administrativo da Corte de Contas dos Municípios de Goiás.

Recurso ordinário desprovido. Brasília (DF), 25 de junho de 2002(Data do Julgamento). No mesmo sentido: STJ, 2ª Turma, RMS 4.309/PR, Rel. Min. Hélio Mosimann.

Quanto ao julgamento das contas de gestão, o objeto diz respeito ao dever de prestar (contas) de todos aqueles que lidam com recursos públicos, captam receitas, ordenam despesas (art. 70, parágrafo único da CF/88). Submetem-se a julgamento direto pelos TCs, podendo gerar imputação de débito e multa (art. 71, II e § 3º da CF/88).

Os atos de gestão decorrem dos órgãos administrativos, subordinados, dependentes (administração pública em sentido estrito), incumbe executar os planos de governo. Citam-se os seguintes exemplos, não exaustivos, caracterizadores das contas de gestão: arrecadação de receitas e ordenamento de despesas, admissão de pessoal, concessão de aposentadoria, realização de licitações, contratações, empenho, liquidação e pagamento de despesas.

O Supremo Tribunal Federal58 examinou a matéria, pronunciando-se no seguinte

sentido: “Aprovação de contas e responsabilidade penal: a aprovação pela Câmara

Municipal de contas de Prefeito não elide a responsabilidade deste por atos de gestão.”

Hélio Saul Mileski59, ao abordar a responsabilidade dos agentes públicos, demonstra

a evolução desta partindo do ordenador de despesas, com base na Constituição Federal de 1967 e no Decreto-Lei 200/67.

Com a Constituição de 1988 há uma extensão da responsabilidade. Para o autor, a partir de 1988 passa-se a ter a figura do responsável. Mais tarde, com a edição da Lei Complementar 101/2000, agrega-se ao sistema de responsabilidade a figura do responsável pela Gestão Fiscal.

O advogado Marcelo Bessa Nunes60

faz clara distinção entre as contas de governo e contas de gestão. É referente às contas de governo que há a emissão de parecer prévio. Já, com relação às contas de gestão, há julgamento por parte dos TCs. Adiante segue a exposição:

[...] Não obstante a clara separação entre os atos de governo e de gestão, e da necessidade de serem analisados em processos de contas distintos, observa-se que, a despeito da orientação clássica no sentido de descentralização administrativa, exposta na Lei n 4.320/64, é constante observar, principalmente, nos pequenos municípios brasileiros, que os Prefeitos Municipais, além de exercer o comando geral da administração (praticando atos de governo) também exercem, inadvertidamente, atos de execução, gerindo a máquina púbica nos seus pormenores administrativos.

Nesse caso, é de se perguntar se os atos de gestão praticados por Prefeito transmudam-se em atos de governo, e assim ficam imunes ao julgamento pelo Tribunal de Contas, sendo apenas submetido ao crivo da Câmara. Em outras palavras, a mera condição de Chefes do Poder Executivo faz com que todos os atos

58 Inq 1.070, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 24-11-04, DJ de 1º-7-05. (grifou-se). 59

MILESKI, Hélio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2003,. p. 117-135.

60 NUNES, Marcelo Bessa. Revista Fórum de Contratação e Gestão Pública, n. 58. Belo Horizonte, ano 5,

praticados, ainda que classificáveis como atos de gestão e não de governo, se submetam tão somente ao julgamento do Poder Legislativo?

Certamente que não. Se fosse, bastaria que o Prefeito, com os „estímulos‟ que sua criatividade pudesse conceber, consegui-se a maioria de votos necessária para derrubar o parecer prévio do Tribunal de Contas (2/3 nas Câmaras Municipais e simples nas Assembleias e no Congresso), para que ficasse livre das consequências civis e penais que seus atos tivessem provocado ao patrimônio público[...]. (grifou- se).

As contas serão julgadas: a) regulares: quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis, a legitimidade e economicidade dos atos de gestão do responsável; b) regulares com ressalvas: quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza forma de que não resulte dano ao erário. c) irregulares: quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências: omissão no dever de prestar contas; prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico ou infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial; dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico; desfalque ou desvio de dinheiro, bens ou valores públicos.