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O meio ambiente não é algo estanque que ao se aproximar das zonas urbanas é suspenso para retomar o seu curso ao final dela. Um rio, ao atravessar uma cidade, não deixa de ser rio. Se há a necessidade de proteção da mata ciliar em seu entorno, o mesmo se dá

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ANDRIOLI, Antônio Inácio & FUCHS, Richard (Orgs.). Transgênicos: as sementes do mal. A silenciosa contaminação de solos e alimentos. 1. ed., São Paulo: Expressão Polar, 2008. p. 260.

dentro das cidades. Todavia, não é o que se tem visto nos processos de urbanização ocorridos em nosso país. Em termos históricos, a urbanização é extremamente recente. No Brasil, é a partir dos anos 50 do século passado que passa a ter um forte aumento. Portanto, transformações profundas ocorreram com o deslocamento da população do campo para as cidades.

Nesse contexto histórico de evolução, não há como deixar de abordar o meio ambiente nas cidades. A Lei Federal nº 10.257, que instituiu o Estatuto das Cidades, de 10 de julho de 2001, ao regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição da República de 1988, passou a estabelecer diretrizes gerais da política urbana, normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Trata-se de lei de caráter nacional, dirigida a todos os entes políticos - União, Estados, Distrito Federal e Municípios -, objetivando a edição de normas gerais sobre política urbana e assuntos correlatos.

Com a sua edição busca-se implementar a função social do solo urbano, de cidades sustentáveis, conforme se afere em seu artigo segundo215.

A Constituição da República de 1988, dentro do Título VII referente à “Ordem Econômica e Financeira”, reservou o Capítulo II para tratar da política urbana. Estabeleceu, no artigo 182, que a propriedade urbana cumpre sua função social quando “atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressa no plano diretor” e, no artigo 186, que a propriedade rural cumpre sua função social, dentre outros requisitos, quando voltada para a “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”.

Extrai-se dos dispositivos referidos que cabe aos Tribunais de Contas atuar na defesa e proteção de um desenvolvimento sustentável e na implementação dos instrumentos de política urbana previstos no Estatuto da Cidade. Portanto, tanto no necessário desenvolvimento de políticas públicas, como na sua execução, cabe a fiscalização e controle para a aferição do cumprimento da legislação e dos princípios estabelecidos na Constituição. E não são poucos os recursos utilizados nessa finalidade que precisam de controle.

215 Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e

da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;[...]. grifou-se.

É tarefa deste Órgão a avaliação de políticas públicas no que se refere às dimensões ambientais e urbanísticas da gestão pública, visando ao aprimoramento e à otimização da atuação dos entes federativos. Deve-se dar concreção aos comandos constitucionais, explicitados na legislação que instituiu o Estatuto das Cidades. Admitir o contrário é um verdadeiro retrocesso.

Edésio Fernandes216aborda com clareza peculiar a mudança de paradigma, a partir do

estatuto da cidade, ao regulamentar o artigo 182 da Constituição Federal. Passa ao centro do sistema a função social da propriedade sobrepondo-se à visão individualista do código civil de 1916.

Segundo o autor: “Em última análise, toda e qualquer lei urbanística e ambiental implica em materializar o princípio da função social da propriedade, que é sem dúvida o princípio fundamental do direito urbanístico e do direito ambiental217”.

Os instrumentos previstos no estatuto da cidade voltam-se tanto ao particular como ao poder público. Tanto é verdade que, no artigo 52, II, está prevista sanção ao administrador público pela não utilização do imóvel objeto de desapropriação-sanção, caracterizando tal ato como improbidade administrativa. Veja-se que o benefício que visa atender é o da coletividade.

Neste sentido, há uma obrigação por parte do agente público na utilização do bem objeto de desapropriação, pois esta decorre da necessidade de dar uma destinação que atenda a função social deste imóvel diante da sua inserção urbanística.

Por esta razão é que o instrumento da desapropriação-sanção se liga a mais de um princípio constitucional, que são eles o princípio da função social da propriedade (tanto a privada como pública) e o como ao princípio da finalidade.

A finalidade que ensejou a desapropriação deve ser levada a efeito como forma de dar concreção aos princípios constitucionais e aos dispositivos legais insertos no estatuto da cidade. Não fosse este o enquadramento da atitude do gestor, como ato de improbidade, restaria esvaziado o benefício que deveria ser gerado a par da desapropriação, que é a devida utilização do imóvel urbano integrando-se, na forma devida, ao todo social.

216 FERNANDES, Edésio. Estatuto da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 35. 217 Idem., p. 35.

Para Vitor Carvalho Pinto218, as áreas a serem definidas no plano diretor, passíveis de

parcelamento ou edificação compulsórios, devem ser dotadas de infra-estrutura ociosa e para as quais haja demanda do mercado imobiliário.

Os instrumentos previstos nos artigos 1º a 8º visam a coibir a retenção especulativa de terrenos urbanos. Esta mudança cultural, por si só, traz grandes transformações de ordem urbanística, desestimulando ações nocivas ao desenvolvimento sustentável das cidades e possibilitando um direcionamento do espaço urbano voltado para o atendimento da sua função social.

Nesta nova concepção, o direito de propriedade aproxima-se do direito público, ou seja, o detentor tem o direito de propriedade garantido, na medida em que realiza a sua função social. Há verdadeiro conteúdo social.

O estatuto da Cidade, no parágrafo único do artigo 1º, fala em “[...] equilíbrio ambiental.” O direito ambiental deve ser atendido quando da formulação do plano diretor. Vários são os dispositivos inseridos no seu texto que se reportam à questão ambiental, demonstrando haver preocupação em compatibilizar este ramo do direito com o ordenamento urbanístico.

Existem outros dispositivos o Estatuto da Cidade que tratam do meio ambiente. Citam-se os seguintes: art. 2º, IV, VI, “f” e “g”; VIII, XII, XIII e XIV; art. 4º III, c; VI.

Outros diplomas legislativos tratam da questão ambiental no meio urbano. O Código Florestal é um deles. Dispõe sobre a matéria no parágrafo único do artigo 2º219

.

A degradação das matas ciliares e a impermeabilização das áreas de várzea são os principais elementos geradores de enchentes e inundações nos grandes centros urbanos.

O descumprimento do parágrafo único do artigo 2º do Código Florestal acarreta um custo social elevadíssimo para os cofres públicos e sacrifícios imensos para os atingidos.

As áreas de preservação permanente não são absolutas, conforme se depreende da análise dos artigos 3º, § 1º e o artigo 4º, do Código Florestal. Há casos restritos em que pode haver modificação destas áreas.

218 PINTO, Vitor Carvalho – Do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios. In MATOS, Liana

Portilho – Estatuto da cidade Comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 134/135.

219 Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de

vegetação natural situadas: [...]

Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.(Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989).

No entanto, para que isso ocorra devem ser considerados os valores em conflito e ver qual deles prepondera em determinado caso sob análise.

No que tange a aplicação ou não do parágrafo único do artigo segundo do Código Florestal no perímetro urbano, a doutrina inclina-se majoritariamente pela sua aplicação.

Para José Afonso da Silva, a política dos espaços verdes revela-se

[...] na proporção da Natureza, a serviço da urbanização, conexa com a proteção florestal ou parte dela, com o objetivo de ordenar a coroa florestal em torno das grandes aglomerações, manter os espaços verdes existentes no centro das cidades, criar área verdes abertas ao público, preservar área verdes entre as habitações – tudo visando a contribuir para o equilíbrio do meio em que mais intensamente vive e trabalha o homem.220

Refere, expressamente, o eminente autor, a necessidade de atendimento do parágrafo único do artigo 2º do Código Florestal, quando do estabelecimento dos planos diretores e leis de uso do solo dos Municípios ou Regiões Metropolitanas e Aglomerações Urbanas.

Paulo Affonso Leme Machado posiciona-se no mesmo sentido

Desnecessário seria este artigo, diante das obrigações que têm os Municípios de respeitar as normas gerais ambientais da União. Contudo, ao introduzir-se esse parágrafo único no art. 2º do Código Florestal, quis o legislador deixar claro que os planos e leis de uso do solo do Município têm que estar em consonância com as normas do mencionado artigo 2º. Isto quer dizer, por exemplo, que um Município, ao construir uma avenida nas margens de um curso d‟água, não pode deixar de respeitar a faixa de implantação da vegetação de preservação permanente, de acordo com a largura do curso d‟água. A autonomia ambiental municipal entrosa-se, pois, com as normas federais e estaduais protetoras do meio ambiente.221

Como visto até aqui, o Estatuto da Cidade não exclui a incidência de normas de direito ambiental. Pelo contrário, é perfeitamente compatível com o seu conteúdo a proteção do meio ambiente. Neste sentido, a função ambiental no perímetro urbano está preservada. Ademais, a compatibilidade do texto do estatuto com os demais diplomas legais e, em especial, com a Constituição Federal, demonstra estarem ao abrigo da proteção ambiental os bens imóveis situados dentro do perímetro urbano necessários ao adequado equilíbrio ambiental.

Um dos principais instrumentos para esta proteção são as áreas de preservação permanente previstas no Código Florestal e com incidência na área urbana, como demonstrado.

220

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 175

221 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11 ed., São Paulo: Malheiros, 2003.

Além dos instrumentos citados, como forma de preservação do meio ambiente urbano, previsto no artigo 4º, inciso VI do Estatuto da Cidade, tem o EIA (estudo prévio de impacto ambiental) e o EIV (estudo prévio de impacto de vizinhança). Referidos instrumentos são requisitos para a obtenção de licenças e autorizações de empreendimentos e atividades definidos em lei, portanto, passíveis de controle pelos órgãos externos.

Faz-se indispensável o aprimoramento de mecanismos que permitam assegurar o sistema democrático, ampliando sempre os espaços públicos de efetivação da cidadania, tais como o plano diretor, plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias e lei orçamentária anual, que devem ser legitimadas por audiências públicas.

Sachs222estuda a questão do meio ambiente e sustentabilidade na gestão pública do

meio ambiente e das cidades. Na busca da renovação da teoria e das práticas de mudança social para concepção de ecodesenvolvimento, o autor discute a contribuição do setor público e privado na preservação ambiental, como é possível um desenvolvimento sustentável sob a ótica do binômio desenvolvimento e meio ambiente.

Há a necessidade do desenvolvimento de políticas públicas, de forma coordenada, pelos entes públicos das três esferas, voltados para a sustentabilidade das cidades.

Nesse sentido, acentua-se o papel a ser desempenhado pelos Tribunais de Contas na aferição das políticas públicas implementadas e, caso necessário, no redirecionamento das ações para que seja alcançada a máxima efetividade com o mínimo de recurso.

Como já abordado, não se trata de uma faculdade, mas de um dever a cargo destas instituições.

Não há como abordar a crise ambiental, seja na área urbana ou rural, sem levar em conta os processos de consumo nas sociedades modernas. Por esta razão, passa-se ao exame desta questão para a sua adequada compreensão e efeitos sobre o meio ambiente.

3.3 MEIO AMBIENTE, RELAÇÕES DE CONSUMO E A SUSTENTABILIDADE EM