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Pela análise contemporânea da teoria do processo, o direito tem que se preocupar, especialmente, com a legitimidade das decisões emitidas em qualquer um a das esferas de atuação do Estado (legislativa, administrativa e judicial). Isso se deve pela necessidade de legitimação do próprio Estado de Direito, que se vê diante do constante questionamento social de sua autoridade ao regular a vida da coletividade432. A legitimação se dá pela fiscalização

participativa da sociedade sobre as decisões estatais, seja judicial, legislativa ou administrativa.

A democracia material é a que se realiza não apenas pela satisfação de formalidades procedimentais para a escolha dos políticos, mas pela adoção de novos instrumentos de participação legitimatória para a escolha das políticas e para a permanente confirmação de que elas estão sendo executadas a contento. A democracia material se suporta pela participação política. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição433.

A legitimidade decorre do consenso e se mantém pelo desempenho no seu exercício somado ao resultado obtido. Num regime democrático estes elementos são aferidos de tempos em tempos através das eleições. O melhor caminho da sociedade é o de uma verdadeira democracia participativa, em que se estabelecem controles pela sociedade civil. Tanto do

431 GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos: direitos não nascem em árvores. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 127-143 e 233 ss.

432 PENNA, Saulo Versiani. Revista dos Tribunais. Ano 95, julho de 2006 – Vol. 849. p. 125-147. 433 Artigo 1, parágrafo único da Constituição Federal de 1988.

poder político e social, quanto do poder econômico, sendo especialmente necessário para que isso se implemente o irrestrito acesso do cidadão ao processo jurisdicional.

Acrescenta-se que além do processo jurisdicional todos aqueles que veiculem decisões estatais devem ser objeto de alcance dessa participação de forma especial434.

Diante dessa concepção democrática as decisões administrativas, legislativas e de Tribunais devem ser objeto de fiscalização da sociedade, do contrário, são ilegítimas. A formação dos provimentos não pode ser objeto de um grupo restrito de pessoas, na grande maioria das vezes sem qualquer legítima representação popular.

O controle social é o principal controle dentro das democracias modernas. Ademais, a fiscalização punitiva não inibe ou repara os passivos ambientais do país.

Na tutela ambiental, os TCs de Contas têm atuado para assegurar as garantias previstas em nível constitucional e infraconstitucional, aferindo o cumprimento dos comandos estabelecidos no artigo 225, em especial o inciso IV435e em vários dispositivos estabelecidos

na lei de licitações que exijam o EIA e o RIMA, pois a ausências desses estudos e relatórios ensejam a sua atuação.

Cabe aos TCs a verificação da exigência do cumprimento da licença Ambiental, que advém do dispositivo legal 10, da Lei 6.938/81, pois a licitação por menor preço só poderá ser realizada se todos os requisitos necessários a homologação da licença forem aprovados.

Ademais, há a exigência estabelecida no artigo 12 da Lei Federal n. 8666/1993, no sentido de seja considerado o impacto ambiental nos projetos básicos e executivos de obras e serviços436

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434 PENNA, Saulo Versiani. Revista dos Tribunais. Ano 95, julho de 2006 – Vol. 849. p. 125-147. 435

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...]

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

436 Art. 12. Nos projetos básicos e projetos executivos de obras e serviços serão considerados principalmente os

seguintes requisitos: (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994) I - segurança;

II - funcionalidade e adequação ao interesse público; III - economia na execução, conservação e operação;

IV - possibilidade de emprego de mão-de-obra, materiais, tecnologia e matérias-primas existentes no local para execução, conservação e operação;

V - facilidade na execução, conservação e operação, sem prejuízo da durabilidade da obra ou do serviço; VI - adoção das normas técnicas adequadas;

VI - adoção das normas técnicas, de saúde e de segurança do trabalho adequadas; (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

Como forma de atuação preventiva, dentro de uma tutela visando inibir os danos, a Lei de Licitações estabelece, no seu artigo 113437, a possibilidade (leia-se como dever) de

solicitação dos editais de licitação a fim de verificar a regularidade no cumprimento da legislação e demais requisitos regulamentares, determinando os ajustes necessários para a sequência do certame.

Na proteção ambiental, o Estado será um ator importantíssimo, uma vez que inúmeros poderes continuam em sua mão438. Nesse contexto, o papel principal de atuação, tanto de forma direta, como no seu papel regulador, será o que Estado irá adotar.

Quando da solicitação de editais para análise, o campo de verificação dos Tribunais de Contas é o que decorre da Constituição Federal, ou seja, conforme abordado no Capítulo I, consubstanciado principalmente no artigo 70 da Constituição, em que compete aos Órgãos de Contas a aferição da economicidade e legitimidade do gasto público juntamente com o controle patrimonial e operacional.

Portanto, dentro do exame da função pública, é amplo o campo de verificação e aferição na proteção do patrimônio público, aqui considerado de forma abrangente, englobando o patrimônio ambiental.

Caso esse exame se restringisse a verificação do melhor preço ofertado, sem consideração as externalidades negativas geradas, de muito pouco valeria a proteção legal estabelecida e não se alcançaria os objetivos insertos na Constituição Federal.

Comando semelhante para uma proteção inibitória extrai-se dos incisos X e XI do artigo 71 da Constituição Federal, cuja redação é a seguinte:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;

X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;

437 Art. 113. O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será

feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto.

§ 1o Qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno contra irregularidades na aplicação desta Lei, para os fins do disposto neste artigo.

§ 2o Os Tribunais de Contas e os órgãos integrantes do sistema de controle interno poderão solicitar para exame, até o dia útil imediatamente anterior à data de recebimento das propostas, cópia de edital de licitação já publicado, obrigando-se os órgãos ou entidades da Administração interessada à adoção de medidas corretivas pertinentes que, em função desse exame, lhes forem determinadas. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

Some-se ao acima exposto a possibilidade do exercício pelos Tribunais de Contas do poder geral de cautela, já referido.

Na mesma linha do pensamento exposto, segue a lição de Marinoni439:

Se o direito ao meio ambiente constitui direito fundamental, resta saber como esse direito deve se enquadrar diante das "funções" dos direitos fundamentais. O direito ambiental obviamente se impõe contra o Estado, que fica impedido de violá-lo. Porém, é claro que isso não basta. A efetividade do direito ambiental depende de prestações do poder público para a proteção e a prevenção do bem ambiental. Essas prestações podem ter por objeto um simples fazer do poder público, sem qualquer repercussão perante terceiros, ou se constituírem em normas e atividades que têm por meta proteger o meio ambiente contra terceiros. Além disso, porque o poder público deve ser controlado pela sociedade – que, como visto, possui o "dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações" – o direito ambiental não pode se desligar do direito à participação, ou melhor, do dever do Estado criar condutos para a participação da sociedade na gestão do poder, o que acontece, por exemplo, quando se pensa na ação popular e nas ações coletivas.

Portanto, a legitimidade dos órgãos estatais na atuação de defesa e proteção do ambiente será assegurada por uma ampla participação que deve ser objeto de permanente fomento para a sua concretização.