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Conteúdo programado da disciplina EP107

Prof.ª Ana, ela afirmava que suas propostas pedagógicas eram intencional e cuidadosamente planejadas, mas que o resultado e as implicações disso não poderiam ser previstas. As reflexões podem despontar de detalhes, que muitas vezes nem estavam no centro da discussão, mas que tocam a aluna em uma questão que é crucial para sua experiência subjetiva presente. Para Julia2, o que ficou foi o problema dos celulares:

Essa aula foi, de novo, carregada de emoção! A professora Ana fez a leitura de um texto escrito pela Eliane Brum, chamado “É urgente recuperar o sentido de urgência”70, sobre o uso dos celulares e como isso nos afeta. Eu

me identifiquei muito com a leitura, pois, confesso, sou viciada em celular! E me fez refletir, durante a aula, sobre como isso afetava as relações pessoais (...). (Julia2, 15/06/2015)

O automatismo em que corremos o risco de entrar, no cotidiano, foi o que chamou a atenção de Amanda2 e a inspirou a escrever o registro poético daquela aula:

Iniciamos com a crônica: “Eu sei, mas não devia” de Marina Colasanti71.

Esta narrou várias coisas do dia, ações de rotina que nós nos acostumamos a fazer sem dar-nos conta do quanto essas coisas já se tornaram automáticas. Acostumamos para não sofrer, para nos adaptar de maneira menos dolorosa, para conseguir nos encaixar nos parâmetros da sociedade que nos dita o que devemos fazer e como agir. Na verdade, eu penso que acostumamos para viver, simplesmente viver. Isso que chamamos de minha vida, não cabe a mim decidir? É extremamente bizarro pensar o tanto de atrocidades que vivemos. Diante disso lembrei-me de alguns pensamentos nesta mesma linha que escrevi e quero compartilhar... (Amanda2, 27/04/2015)72

Nos três trechos selecionados, acima, como indício para o núcleo dos aprendizados pessoais, as crônicas trazidas na atividade “leitura que acolhe”, do início da aula, foram o elemento disparador. No dia 13 de abril de 2015, o processo foi diferente: no espaço reservado para apresentação dos registros poéticos, a aluna A. R. escreveu na lousa: “Siga sempre seus sonhos”. Em seguida, leu um poema atribuído a Veronica Shoffstall, chamado “Depois de um tempo”73:

Depois de um tempo você aprende que até mesmo a luz do sol queima se você se expuser demais

então plante seu próprio jardim

70 Publicado na Revista Época, em abril de 2013. Link disponível no Apêndice IV.

71 Publicada no livro “Eu sei, mas não devia”, pela editora Rocco. Link disponível no Apêndice IV. 72 A fim de não truncar a discussão, a continuação dos pensamentos de Amanda

2 está no Apêndice VII.

73 Circula na internet, em vários sites e blogs, sem referência bibliográfica, às vezes erroneamente atribuído a

e enfeite sua própria alma

ao invés de esperar que alguém lhe traga flores E você aprende que você realmente pode resistir que você realmente é forte

que você realmente tem valor e você aprende

e você aprende

com cada adeus, você aprende.

Não houve referências explícitas à aula; reflete mudanças e aprendizados relevantes no campo pessoal trazidos, por iniciativa da aluna, para a disciplina, que era vista como espaço aberto ao compartilhamento dessas experiências. Embora os aprendizados de cunho pessoal tenham marcado a análise desde o início, considerei importante destacá-los um núcleo de significação à parte, para explicitar sua importância na experiência.

À luz da discussão sobre a indissociabilidade entre a dimensão profissional e pessoal do sujeito, apresentada mais adiante (Cheia de impressões pessoais, 7.2.11), tais aprendizados no campo pessoal tornam-se ainda mais relevantes.

7.2.10. Tornar as coisas mais “práticas”

No entanto, ao me deparar com a apresentação da disciplina, começou a se confirmar que [eu] estava no lugar certo. Estava realmente impressionada de como aquele plano de curso veio para me alegrar e tornar as coisas mais “práticas”: iríamos ter conhecimento de como lidar em sala de aula, como portar-se com alunos e seus pais, e até mesmo ter contato com planejamentos (...). (Juliana2, 23/03/2015)

Trago novamente este trecho do registro de Juliana2, já apresentado no núcleo do Contraste..., desta vez como indício que abre o núcleo das coisas práticas. Ao lado do saber teórico e dos aprendizados pessoais, as alunas davam bastante destaque ao aspecto prático da pedagogia que encontravam na disciplina, mesmo sabendo que ainda teriam todo o curso à frente, com diferentes professores, olhares e sistemas teóricos. O conhecimento de como lidar em sala de aula vinha para alegrar. A atividade de leitura dos livros infantis inspirou muitas ideias na aluna Cecília:

“No Reino das Letras Felizes”74 traz para as crianças o conhecimento das

letras do alfabeto, iniciando, assim, o seu processo de alfabetização.

74 Escrito por Lenira Heck e ilustrado por Adriana Dessoy. Publicado pela editora UNIVATES. Link disponível

Portanto, é um livro com uma importante utilidade pedagógica. Além disso, o livro trabalha a importância da união, o que é interessante, pois as crianças aprendem como elas devem trabalhar em grupo.

“O Segredo da Lagartixa”75 trabalha a questão do egoísmo e da timidez.

Com sua leitura a criança pode aprender a emprestar seus brinquedos, por exemplo, e também aprender a se abrir para os outros, que podem se encantar com o amor que ela pode dar. (Cecília, 06/04/2015)

Assim como outros, esse registro poético mostra a preocupação da aluna com a aplicabilidade daquilo que está sendo estudado na disciplina, e o movimento de pensar, desde a formação, no trabalho pedagógico a realizar. As histórias infantis são vinculadas à sua utilidade pedagógica, o que aparece em indícios como os aprendizados que o livro trabalha. Embora proporcionasse experiências práticas consideradas relevantes pelas alunas, a disciplina não enveredava pelo viés pragmático: na seção 8.2, mais adiante, reflito sobre as estratégias formativas adotadas e encontro, nos registros, marcas de tensão nos momentos em que as propostas destoavam da expectativa por aplicabilidade imediata e pareciam ser, para as alunas, algo vago. Foi no decorrer do semestre que tais impressões viriam a se modificar, revelando um amadurecimento do olhar, que passava a valorar a formação menos pelo critério da aplicação prática direta e mais pela possibilidade de, a partir de conceitos e reflexões, formular melhores análises e argumentos acerca de fatos, problemas e concepções de mundo.

A partir dos assuntos tratados na aula, o exercício do olhar pedagógico também ocorre fora de classe, e as reflexões são trazidas de volta para a sala – como no registro poético de Ana Carolina2:

A aula desse primeiro dia de junho começou com a história de um olhar, de uma professora que soube olhar, e me lembrei de uma história que vi de manhã. A televisão estava ligada enquanto eu tomava café, mas era apenas pela minha aversão ao silêncio total, até que o vídeo de uma dupla de crianças me chamou a atenção.

Os dois eram melhores amigos de escola, e a professora de dança deles olhou. No sentido mais simples da palavra, olhou e viu que eles poderiam, sim, dançar juntos e se apresentar. Ela olhou diferente de como todas as outras professoras já haviam olhado, afinal, sua mãe disse que aquela foi a primeira apresentação do dia das mães em que pode ver seu filho dançar. Aquilo me tocou. Realmente lindo ver a diferença que um olhar pode fazer. (Ana Carolina2, 08/06/2015)

A aluna Ana Carolina2 também olhou, não apenas como quem assiste ao programa, mas como quem pensa a mediação. Ao apresentar seu registro, trouxe o vídeo para

que também pudéssemos olhar – e aquilo também me tocou. O olhar de professora parecia também fazer parte de Bruna, quando fez sua própria reflexão sobre o conceito teórico de objeto transicional:

É importante que nós, como professores, tenhamos a sensibilidade para perceber esse objeto e saber como contornar a situação quando uma briguinha entre duas crianças surgir por causa do tal. Essa discussão me prendeu bastante, pois, diversas vezes, nós encaramos o fato de a criança não emprestar seu objeto como pura frescura e/ou mimo, egoísmo, mas é necessário estarmos atentos ao fato de que pode ser apenas a maneira que ela encontrou de se sentir menos isolada do lugar onde tem conforto e segurança. (Bruna, 23/03/2015)

A futura professora cogitava o que fazer, a partir dos novos conhecimentos, diante de situações-problema comuns da convivência entre crianças. O olhar profissional, no entanto, não neutraliza (e nem deveria!) a pessoa singular das professoras presentes ou futuras; é de tal percepção que trata o núcleo de significação a seguir.

7.2.11. Cheia de impressões pessoais

Fizemos um vídeo77 sobre o que cada uma de nós refletimos sobre as aulas

passadas de Introdução a Pedagogia. Esses pensamentos, palavras, reflexões, juntas, culminaram em uma videopoesia, cheia de impressões pessoais, portanto subjetivas, mas com sensibilidade suficiente para abranger a todas nós e se preciso a turma inteira! (Carla, 23/03/2015)

A aluna, por meio da afirmação que dá nome ao núcleo, mostra perceber como as marcas da subjetividade das autoras ficaram impressas no registro poético. Denominando-o de “videopoesia”, diz ter sido a culminância de um processo que aglutinou pensamentos, palavras e reflexões.

É válido lembrar que, para Dewey, reflexão consiste em uma forma especializada de pensar que se distingue daquele ato rotineiro orientado pelo impulso, hábito, tradição ou por uma autoridade externa. É, pelo contrário, motivada pela curiosidade, pela vontade ativa, por valores como a busca da verdade e da justiça. Combina as lógicas racional e intuitiva – “irracional” – inerentes ao sujeito pensante; une cognição e a afetividade num ato especificamente humano (ALARCÃO, 1996).

76 Apresentação de dança feita por duas crianças, uma delas cadeirante, em um

programa de televisão. Disponível em <http://bit.ly/dancaccas>, ou pelo código QR ao lado. Acesso em 07 de dezembro de 2016.

Estar cheio de impressões pessoais, portanto, não é uma exclusividade do registro poético, apenas pelo fato de ser uma prática intencionalmente estética, expressiva e permeada de afetividade. Do ponto de vista da Psicologia Histórico-Cultural, cognição e afetividade são aspectos interdependentes, presentes em qualquer atividade. Rejeita-se a premissa dualista de que ambas as dimensões da consciência seriam separadas e antagônicas, pois assume-se que, assim como as demais funções psicológicas superiores, os afetos têm raiz biológica e sofisticam-se, ao longo do desenvolvimento do indivíduo, conforme tornam-se culturalmente mediados:

O medo, por exemplo, seria como uma fuga inibida, isto é, uma forma consolidada de comportamento que surge do instinto de autoconservação; a raiva, por sua vez, seria uma briga inibida, o instinto de conservação em sua forma ofensiva (Vigotski, 2003). Mas no decorrer do desenvolvimento as emoções vão se transformando, se afastando dessa origem biológica e se constituindo como fenômeno histórico e cultural (OLIVEIRA; REGO, 2003, p. 20)

Ainda segundo as autoras, “os processos cognitivos e afetivos, os modos de pensar e sentir, são carregados de conceitos, relações e práticas sociais que os constituem como fenômenos históricos e culturais” (p. 28). São, assim, indissociáveis, pois fazem parte de um mesmo sistema, de uma mesma unidade psicológica. Pela mesma perspectiva monista da consciência, entendemos, como apresentado na discussão sobre a formação do professor (5.3), que a profissionalidade é indissociável da pessoalidade. E isso é retratado de forma graciosa pelo registro de Juliana1:

No sentido de que somos mais do que temos, mais que um campo de atuação profissional e/ou acadêmico, reafirmo aqui que podemos ser escritoras, musicistas, bailarinas, bordadeiras, matemáticos, solitárias, atrizes, farmacêuticas, fãs de Elvis Presley, físicos, dançarinos, uma colcha de retalhos, fortalecidas em meio a dor, historiadoras, coordenadoras, românticas e fofas, donas de casas, guerreiras, rebeldes, filhos e filhas, netos e netas, mulheres e homens, mães... e também estudantes de Pedagogia, como vimos nos autorretratos da aula de hoje. (Juliana1, 06/04/2015).

A atividade dos autorretratos foi uma das que melhor proporcionaram essa imersão nas impressões pessoais. Neste registro poético, a aluna fez uma colagem dos muitos perfis que foram mostrados por suas colegas, revelando quantas histórias constituíam aquelas estudantes de pedagogia e futuras educadoras. Tal percepção é formativa, e favorecerá em grande medida o ofício da professora iniciante, como mostra a narrativa de Reis em sua Dissertação de Mestrado:

Em muitos momentos, vejo-me na incerteza das interpretações dos acontecimentos narrados / vividos / observados na escola e na pesquisa, já que elas são passíveis de mudança e, nesse sentido, coloco-me em questionamento em relação aos apontamentos dos quais devo seguir para a realização das atividades cotidianas da escola, pois são muitas tramas, muitos caminhos e diversos laços possíveis de se firmar: vejo-me moça, vejo-me tecelã que também destece sua composição para tecer novamente novos sentidos que estejam firmes e façam sentido com o propósito final da constituição da trama. (REIS, 2013, pp. 189-190)

Uma vez que o professor está constantemente a pensar e a fazer escolhas, é importante considerar a afirmação de Sadalla et al. (2002) de que, estando o professor consciente disso ou não, todo ato de ensino é resultado de uma decisão. E as decisões, que vão desde a seleção e organização dos conteúdos de cada aula até a forma de avaliar a aprendizagem dos alunos, são influenciadas pelos valores e pelas crenças dos professores.

Considerando a presença dessa concepção no projeto formativo, o desenvolvimento de uma percepção das próprias marcas pessoais no trabalho realizado é algo que se pretende promover. A sensibilidade estética é uma via privilegiada para buscar esse objetivo; a proposta dos registros poéticos admitia e incentivava diversos formatos, intencionalmente, como um convite à exploração dessa possibilidade. E o prazer em se expressar se expressou, por sua vez, naquilo que as alunas contaram – como destaco no próximo núcleo de significação.

7.2.12. Como é bom fazer arte!

Apresentamos com muito orgulho e felicidade, como é bom fazer arte! Como abre a mente, e nos dá liberdade. Liberdade para pensar, para agir, ser ativo, para aprender a ouvir, se ligar ao outro sem perder a conexão consigo mesmo. Como é bom fazer arte! (Carla, 23/03/2015)

A aluna Carla assim expressa o que sentiu ao coproduzir o vídeo A menina que não sabia sorrir. “A experiência estética”, explica Duarte Júnior (2011, p. 9), “permite que o nosso corpo se aprimore em suas percepções e sentimentos, descobrindo novas facetas do mundo e da existência, ao captá-los por ângulos novos e inusitados”.

A liberdade proporcionada pela arte está relacionada à dissolução de barreiras que o pensamento formal, estruturado em conceitos e generalizações, impõe à fluidez dos sentidos. “A arte”, ainda segundo Duarte Júnior (2012, p. 363), “nos ajuda a significar o

mundo e a existência, iluminando e desvelando aspectos não plenamente acessíveis ao conhecimento inteligível”.

O registro de Julia1 mostra, por outro lado, uma tensão no convite à expressão de si mesma:

Já caminhando para o final da aula, a professora Ana Aragão propôs uma atividade, onde tínhamos que fazer o nosso autorretrato. Achei muito difícil me contar em apenas uma folha. Não sabia quem eu era, sabia apenas de onde vinha, e o que gostava de fazer, mas aquilo não era o suficiente. Pensei, pensei, e, acabei fazendo alguma coisa. Sinceramente, não gostei, aquilo não falava nada sobre mim. No final de tudo não deu tempo de contar meu (péssimo) registro. Mas quem sabe na próxima. (Julia1, 23/03/2015)

O registro traz indícios de uma grande frustração diante dos empecilhos encontrados para compor o próprio autorretrato. A sensação de dificuldade em elaborar uma síntese de si e a insatisfação com o resultado, que não falava nada sobre ela – não a retratava de uma forma que se sentisse representada. A dificuldade de traduzir em signos todos os sentidos presentes no pensamento é uma questão recorrente, como aponta Vigotski:

Um pensamento pode ser comparado a uma nuvem parada, que descarrega uma chuva de palavras. É por isso que o processo de transição do pensamento para a linguagem é um processo sumamente complexo de decomposição do pensamento e sua recriação em palavras. (...) No nosso pensamento sempre existe uma segunda intenção, um subtexto oculto. Como a passagem direta do pensamento para a palavra é impossível e sempre requer a abertura de um complexo caminho, surgem queixas contra a imperfeição da palavra e lamentos pela inexpressibilidade do pensamento (...). (1934/2010, p. 478).

Na consciência de Julia1 certamente habitava uma nuvem de sentidos, cujos contornos, pouco precisos, carregavam miríades de representações sobre si mesma e sobre as experiências singulares que a constituíram. Porém, seu pensamento não choveu em palavras – ou imagens, sons, texturas e signos outros. Se a expectativa era produzir um material capaz de revelar uma pessoa em sua inteireza, talvez fosse alta demais; provavelmente ninguém ali sabia quem era com tanta definição. Os autorretratos, em geral, contaram histórias das pessoas; com suas peculiaridades, falaram de onde vinham, o que gostavam de fazer e algumas outras coisas.

Diria que, na maioria dos casos, falar sobre quem somos é, provavelmente, uma tarefa com a qual temos bem pouca familiaridade. Não é algo que geralmente se ensina na

escola. A educação formal, que nos oferece conteúdos teóricos e o desenvolvimento de certas habilidades, deixa-nos ainda a incumbência (desafiadora) de improvisar o (re)conhecimento de nossa própria identidade quando temos a oportunidade de apresentá-la aos outros, para além das formalidades. Além disso, tratando-se de uma apresentação baseada em recursos estéticos, deve-se também levar em conta que a apropriação técnica prévia de linguagens artísticas é um fator que facilitaria a fluidez de expressão de uma pessoa.

Na penúltima aula, as alunas Raphaela e Jade apresentaram um registro poético em forma de dança78, que depois foi narrado por muitas alunas:

O registro da Jade e da Raphaela foi apresentado através de uma dança (muito linda) e mostrou o processo de se tornar sensível ao outro. (Ana Maria, 15/06/2015)

(...) quanta doçura nos gestos, me senti diante de fadas, que me levavam para um lugar mágico. (Amanda2, 15/06/2015)

(...) nos envolveram em seus lindos e doces passos de dança, mostrando seus sentimentos com relação às nossas aulas. (Débora, 15/06/2015)

As formas de contar o que aconteceu mostram a potência da arte para produzir uma pluralidade de sentidos. Jade e Raphaela dançaram vendadas, tateando o entorno até se verem livres do véu. Essa imagem, para Ana Maria, representou o processo de se tornar sensível ao outro; transportou Amanda2 para um lugar mágico; envolveu Débora e comunicou sentimentos a respeito da aula. O encontro daquele dia também mexeu, de um modo muito cinestésico, com Julia1, que no começo do semestre tinha se frustrado com proposta dos autorretratos:

Até agora, essa aula foi uma das mais tocantes, o coração já não aguentava mais. Mexeu comigo de uma maneira que meus mais profundos sentimentos pareciam querer transbordar, arrepios passavam pelo meu corpo, indo dos pés à cabeça, lágrimas caíam dos meus olhos sem que eu pudesse controlar, e meu estômago, ahh... parecia estar cheio de borboletas, todas prestes a voar. O registro da Rapha e da Jade foi até agora uns dos mais encantadores e diferentes, por isso resolvi fazer alguns desenhos79. (Julia

1, 15/06/2015)

O que tantas sensações significam, na experiência formativa? Duarte Júnior (2011, 2012) enfatiza a necessidade de projetos educacionais levarem em

78 Gravação em vídeo disponível em <http://bit.ly/rpdanca>, ou pelo código QR ao lado.

Acesso em 08 de dezembro de 2016.

conta as experiências estéticas como importantes vias de conhecimento, lembrando que o verbo saber, que partilha a mesma raiz etimológica do substantivo sabor, não pode desvincular-se do verbo saborear. O modo como a atividade do registro poético foi proposta, prezando intencionalmente pela liberdade na escolha das formas e linguagens expressivas, cria um espaço para a inclusão da dimensão estética na formação inicial docente. O quanto essa possibilidade foi, no entanto, efetivamente explorada?

Trago, abaixo, um levantamento dos formatos utilizados nos 57 registros poéticos apresentados em classe: Formato Número % Escrito (leitura) 39 68% Vídeo 10 18% Intervenção 3 5% Slides 2 4% Desenho 1 2% Música 1 2% Página da internet 1 2%

De modo geral, cerca de dois terços dos registros apresentados eram escritos e foram lidos para a turma. Do outro terço, metade era vídeo e metade se dividia entre os demais formatos que foram explorados: intervenção, slides, desenho, música e página da internet.

Com exceção de duas alunas, que fizeram seus registros poéticos usando cadernos de papel, o suporte básico de todas foi, sem exceção, o texto em arquivo eletrônico. Uma forte razão para isso parece estar no fato de que todo registro poético precisaria ter materialidade –