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“Na perceção visual, quase nunca se vê uma cor como ela realmente é – como ela é fisicamente.

Isso faz com que a cor seja o meio mais relativo dentre os empregados pela arte. Para utilizar a cor de maneira eficaz, é preciso reconhecer que a cor sempre engana. Tendo isso em vista, não se começa por um estudo dos sistemas de cores.

Em primeiro lugar, é preciso aprender que uma mesma cor evoca inúmeras leitu- ras.” (Albers, 2009 [1963], p. 3)

Como exposto no capítulo Visão Cromática, a perceção da cor não depende apenas do estímulo luminoso que chega à retina mas de operações consequentes que são processa- das a nível cortical, a resposta a um mesmo padrão de estímulos dos cones pode produzir diferentes perceções de cor, dependendo de outras variáveis como o contexto espacial ou temporal28.

Ainda não há explicações sólidas para os processos de processamento neurológico da cor mas pensa-se que características como a interferência de cor por adjacência poderão ter a contribuição do campo recetivo das células ganglionares ou do processo de oponên- cia. O contraste de cor poderá ser calculado no córtex visual primário e deverá haver célu- las responsáveis pelo processamento do matiz no córtex infratemporal (IT), parte do cére- bro também ligada à memória visual.

A perceção forma-se não apenas pelas características do estímulo na retina ou das propriedades físicas das superfícies dos objetos mas também pelo que um estímulo, ou um estímulo semelhante, significou no passado, ou seja, a perceção de cor depende também do resultado das experiências anteriores29. O observador utiliza o conhecimento adquirido

para responder e melhorar a sua ação face a estímulos visuais inconsistentes recebidos na retina, por esta razão, diferentes comprimentos de onda de luz podem produzir a mesma sensação percetiva de cor – constância cromática –, e por oposição, o mesmo comprimento do onda de luz pode produzir o mesmo padrão de estímulo de cones e mesmo assim pro- duzir diferentes perceções de cor – contraste de cor (Lotto & Purves, 1999).

O contexto cromático é particularmente importante nas imagens bidimensionais, porque permite organizar ou hierarquizar a informação. Se é necessário destacar um ele- mento visual em relação aos restantes basta recorrer a diferenças substanciais ao nível da cor, explorando uma ou várias dimensões – pop-out (Treisman, 1985). Atributos como cor,

28 O contexto espacial implica que a perceção de uma cor depende da cor adjacente (contraste de cor) e a

influência temporal implica que a perceção da cor pode ser afetada pelo que foi observado em momentos anteriores (imagem residual), como se explicará adiante neste capítulo.

29 “Rather than analyzing the components of the retinal image as such, percepts are determined probabilisti-

cally, using feedback from the outcome of visually guided behavior in the past to progressively improve per- formance in the face of the inevitable uncertainty of retinal information. The result of this process, and in- deed the evidence for it, is that what we perceive accords not with the features of the retinal stimulus or the properties of the underlying objects, but with what the same or similar stimuli have typically signified in both the experience of the species over the eons and the experience of individuals over their lifetimes.” (Purves et al., 2002)

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orientação, textura e movimentos são atributos visuais que o nosso sistema visual pode sintonizar em separado, tornando possível a segregação de padrões visuais (Ware, 2008, p. 52).

Importa referir o efeito aguarela ou spreading-effect de perceção de cor, este não de- pende em exclusivo do contexto cromático mas do modo como está formalmente organi- zado (desenhado ou pintado) (Pinna et al., 2003).

Os pintores já tomaram empiricamente consciência destas qualidades percetivas da cor e do impacto que pode ter na organização, composição e até qualidade estética de uma imagem. Um dos melhores exemplos do reconhecimento da importância do contexto cro- mático para a perceção de cor talvez seja o livro de 1963 sobre interação da cor de Josef Albers (Albers, 2009 [1963]), que explora, entre outros, a importância do contraste cromá- tico da perceção da cor.

Algumas das imagens que se seguem são menos interessantes do ponto de vista ar- tístico mas apresentam-se úteis porque demonstram de modo claro e simples estes fenó- menos, tornando mais precisa a sua compreensão.

Constância

Um fator emergente do sistema visual cromático é a constância cromática. Esta ca- racteriza a capacidade em visualizar corretamente uma cor independentemente de modifi- cação da composição espectral da fonte de luz30.

Grosseiramente, a constância cromática pode ser comparada à constância de tama- nho. Há vários aspetos na perceção visual que estabelecem algum tipo de permanência ou constância entre elementos visuais percecionados. Fenómenos como a constância de tama- nho ou constância de forma são descritos como a perceção correta do tamanho ou da for- ma independente da distância ou da orientação do objeto. Se vemos uma pessoa ao longe, não achamos que essa pessoa diminuiu substancialmente de tamanho, apenas que está afas- tada mas ainda do seu tamanho normal. A constância cromática garante que a cor de um objeto permanece constante apesar de haver variações nas suas condições de observação ou iluminação.

A constância cromática é o fenómeno que permite à maioria das superfícies (obje- tos ou figuras) manter aproximadamente a sua aparência visual mesmo quando observada sob condições luminosas distintas. O sistema nervoso central extrai, dos dados recebidos pelos sentidos, aquilo que é invariável apesar de haver mudanças nas condições de ilumina- ção. Embora a radiação luminosa provoque mudanças transitórias, a mente reconhece cer- tos padrões constantes nos estímulos percetivos, agrupando-os e classificando-os como se fossem iguais. O que vemos não é exatamente o que é recebido na retina mas corresponde

30 “Colour constancy refers to a phenomenon in which observers can see the ‘true’ colour of an object to

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a um modelo simplificado e útil da realidade. É aparentemente mais importante reconhecer o objeto, mesmo que a luz afete a sua cor, do que estar sempre a calibrar a perceção cromá- tica e encará-lo como algo novo a cada instante.

Uma das importantes funções do processamento visual é permitir a perceção das propriedades das superfícies em vez de calcular a quantidade de luz que vem dessas super- fícies e muitos dos mecanismos da visão cromática existem para suportar esta função. A adaptação dos fotorrecetores, e em fases subsequentes dos pós-recetores, significa que so- mos relativamente insensíveis às variações gerais de luz, o mecanismo de contraste torna- nos mais sensíveis às variações locais das cores das superfícies em vez de variações de luz e sombra na cena (Ware, 2008, pág.73).

A perceção da cor é afetada pela informação obtida no momento e interpretada com base nos conhecimentos adquiridos em experiências visuais anteriores, então, a infor- mação diretamente recebida do real e que atinge a nossa retina, a cor física, pode ou não coincidir com a perceção dessa cor. Uma alteração na qualidade da luz tem por consequên- cia a alteração da composição da luz refletida da superfície de um objeto, o que por si só deveria alterar a perceção da própria cor e interferir com o entendimento do objeto. O sis- tema percetivo cromático permite compensar a modificação da composição espectral da luz e percecionar “corretamente” cor em função do seu contexto, por exemplo, como acontece ao longo do dia no nosso quotidiano, onde não há consciência das diferenças de cor na luz solar da manhã ou da tarde e do modo como afeta as cores do meio circundante.

Uma alteração na qualidade da luz afeta as cores do que nos rodeia, no entanto, essa alteração cromática não parece interferir com a perceção. Esta característica do sistema visual é bastante útil, porque se a cor fosse apenas determinada pela luz refletida num objeto então a cor desse objeto estaria sempre a ser modificada e esta não seria um indica- dor de confiança. Como o sistema percetivo visual permite compensar mudanças de lumi- nosidade mantendo a constância cromática (Land, 1977) torna a cor um dos indicadores visuais mais confiáveis, assim, mesmo que um objeto mude a sua forma com o ângulo de visão, é sempre possível reconhecer o objeto pela sua cor.

A constância cromática é útil e fundamental para a nossa sobrevivência e reflete-se nas representações do mundo, talvez seja por isto que parece mais compreensível aceitar uma representação naturalista do mundo do que a sua versão “impressionista”.

A série de pinturas da Catedral de Rouen de Claude Monet (1840-1926) é um exemplo das alterações de cor e luz ao longo do dia. Um observador comum poderia não detetar estas mudanças mas Monet estava interessado em representar as dramáticas alterações de cor e luz na fachada da Catedral de Rouen, percorrendo desde a manhã azul- cinzento até à luz quente laranja-dourado de um dia de sol. Esta série de pinturas é demonstrativa de que o fenómeno da constância cromática é possível de ultrapassar, uma vez que é possível controlar o mecanismo processual da visão e sintonizar a atenção para aspectos específicos no ambiente ou na imagem.

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5. 17 - Claude Monet (1840-1926), Catedral de Rouen : Luz do Sol, 1894, Coleção Theodore M. Davis.

5. 18 - Claude Monet , Catedral de Rouen, tempo cinzento, 1894, Museu d'Orsay.

5. 19 - Claude Monet, Catedral de Rouen, luz do sol, harmonia de azul e ouro, 1894, Museu d'Orsay, Paris.

5. 20 - Claude Monet, Catedral de Rouen, efeito da manhã, 1893, Museu d'Orsay, Paris.

No quotidiano não se experienciam grandes diferenças de cor provocadas pela constante modificação da qualidade da luz, mas mesmo na representação da Catedral por Monet estas fortes variações cromáticas não impedem o correto reconhecimento do monumento ou do material construtivo. No entanto, acrescenta informação sobre a qualidade de luz e de cor, representando distintas atmosferas cromáticas e revela o modo como a luz/cor afetam a perceção dos volumes, acentuando ou tornando mais homogéneos os planos da fachada.

Contraste

O contexto cromático influencia a perceção de cores afetando o modo como os elementos de uma cena interagem. Vemos uma cor em função do ambiente cromático on- de está inserida, condicionada pela qualidade e quantidade de cores e pela disposição dos elementos na cena.

Quando duas cores adjacentes interagem tornando-se muito diferentes, afetando a perceção do matiz ou do valor, este efeito é designado por contraste simultâneo [5. 21]. A intensidade do contraste simultâneo é proporcional à diferença cromática, atingindo o seu limite máximo com duas cores complementares, cores diametralmente opostas no círculo cromático. Quando duas cores contíguas interagem tornando-se semelhantes o efeito é designado por assimilação ou Efeito de Bezold31 [5. 22], este efeito está relacionado com a

dimensão da mancha de cor. O efeito de cores adjacentes não é previsível nem universal, tornando a cor numa questão intrigante e cativante.

31 “Há um tipo especial de mistura óptica, o Efeito de Bezold, cujo nome provém de seu descobridor,

Wilhelm von Bezold (1837-1907). Ele descobriu esse efeito quando tentava encontrar um método que lhe permitisse alterar completamente as combinações de cores de seus desenhos para tapetes por meio do acrés- cimo ou da modificação de uma única cor. Aparentemente, até ao momento não se identificaram com clareza as condições óptico-perceptuais que fazem parte do processo.” (Albers, 2009 [1963], p. 43) Hoje sabe-se que este efeito visual é evidência do processo de funcionamento dos cones e do processo de oponência.

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5. 21 - Contraste de cor (Stockman & Brainard, 2010, p. 11.4): Os pares de quadrados menores em cada uma das

quatro colunas verticais são fisicamente os mesmos, ou seja, são metricamente a mesma cor, mas a aparência da cor é diferente nos dois quadrados. As cores parecem diferentes pela influência da cor adjacente, por in- troduzir mudanças de complementaridade.

5. 22 - Assimilação de cor (Stockman & Brainard, 2010, p. 11.4) ou o efeito de espalhamento von Bezold: Os pequenos

quadrados que compõem os padrões de xadrez em cada uma das quatro colunas são idênticos, exceto nas áreas centrais quadradas onde as cores foram substituídas por uma terceira. A cor substituída é igual mas o quadriculado é diferente e invertido, de forma que a cor substituída se encontra rodeada por uma cor diferen- te nos padrões superiores e inferiores. Embora a cor de substituição seja fisicamente a mesma, a sua perceção é diferente por causa da cor imediatamente circundante. Ao contrário do que acontece no contraste, a mu- dança de cor aparente tende para a cor dos quadrados adjacentes.

Uma das consequências do contraste de cores é a imagem residual (after-image), que resulta da persistência da imagem na retina e é designada por contraste sequencial32. Uma

imagem residual é a impressão visual de um negativo de configurações da cor, manifesta-se como uma imagem fantasma brilhante após olhar para uma cor, ou figura, durante um de- terminado período de tempo e de seguida mudar o foco de observação para uma nova su- perfície (neutra ou de outra cor). Esta sensação visual é um dos mais fascinantes aspetos da cor e tem intrigado cientistas há séculos. Uma das mais interessantes descrições do contras- te simultâneo encontra-se na teoria das cores de Goethe.

“I had entered an inn towards evening, and, as a well-favoured girl, with a brilliant- ly fair complexion, black hair, and a scarlet bodice, came into the room, I looked attentively at her as she stood before me at some distance in half shadow. As she presently afterwards turned away, I saw on the white wall, which was now before me, a black face surrounded with a bright light, while the dress of the perfectly distinct figure appeared of a beautiful sea-green.” (Goethe, 1970 [1810], § 52)

A acentuação do contraste da cor nas zonas contíguas facilita a interpretação das configurações, o reconhecimento dos objetos e a tomada de decisões. Os contrastes aju- dam o sistema percetivo a interpretar a realidade envolvente, acentuando a diferença entre as superfícies ou padrões visualizados de modo a compreender os objetos, as figuras e o ambiente em redor. O sistema visual procura extrair padrões na cena envolvente, nomea-

32 “Durante os segundos subsequentes à interrupção da visão, o contraste sequencial transforma as sensações

das cores que observáramos em sensações das cores complementares.” (Bernardo, 2010, p. 653). Os efeitos de contraste necessitam do fator de proximidade para se manifestarem, no contraste simultâneo a proximida- de é espacial e no contraste sequencial o efeito é temporal.

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damente através de cores, movimentos, texturas ou direções, permitindo a interpretação do meio em que o sujeito está inserido.

5. 23 - Goethe, Retrato de uma menina em cores revertidas, aguarela sobre papel (circa 1810) (MacEvoy, 2010). Visu-

alizar esta imagem por meio minuto e de seguida olhar para o ponto do retângulo branco da direita. Deve haver a perceção de uma imagem temporária da rapariga que Goethe contemplou no pub.