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O nosso sistema visual está organizado de modo a ser mais sensível para mudanças rápidas de luz, luminosidade ou cor, e está adaptado para ignorar mudanças graduais de iluminação geral, aspetos que parecem ser menos importantes do ponto de vista biológico. Ao longo do dia as mudanças de luz no ambiente, quer pela alteração da iluminação natural pela artificial, ou a variação da iluminação geral pela passagem de uma nuvem no céu, não afetam substancialmente a perceção do ambiente ou das cores. Do ponto de vista de eco- nomia de recursos seria um gasto excessivo e desnecessário estar sempre a aferir a perceção da cor observada sob diferente luminosidade, provocada pela mais simples alteração da qualidade (comprimento) ou da quantidade de luz.

Para garantir a sobrevivência do indivíduo, o sistema de processamento visual visa a máxima produtividade e rapidez com o mínimo de recursos energéticos, assim, de modo

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grosseiro, durante o processamento de dados visuais apenas são ativadas as células onde há uma diferença de sinal no campo recetivo, deixando as restantes não ativas.

“The visual system also compresses images, first of all because it takes energy for nerve cells to signal, so the fewer cells that signal, the better. Second, higher-level visual processing, such as object recognition, is essentially the end result of extracting the infor- mation content image.” (Livingstone, 2002, p. 55)

Na última etapa do processamento visual na retina, a informação passa pelas células ganglionares que possuem diferentes campos recetivos [5. 9]. No centro da retina, onde há maior discriminação visual, a relação entre os cones e as células ganglionares é de 1 para 1, mas do centro para a periferia a relação entre cones e células ganglionares aumenta, assim, o seu campo recetivo é maior e apresenta uma organização específica. Esta organização chama-se centro-periferia (center-surround) e implica que em fases iniciais do processamento de informação visual as células são mais sensíveis às descontinuidades do que às continui- dades. Ou seja, se o campo recetivo de uma célula recebe ativação diferente entre o centro e a periferia, há envio de sinal, se as células estão a ser estimuladas todas do mesmo modo, não parece haver estímulo, por isso não há envio de sinal.

5. 9 - Diagrama dos campos recetivos das células ganglionares. Células ganglionares on-center e off-center (Torres,

2012).

Torna-se mais eficaz responder apenas quando há diferença de estímulo no campo recetivo do que analisar toda a superfície com o mesmo nível de esforço energético. Consi-

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dera-se que a perceção é inteligente e pragmática, recorrendo a conhecimentos prévios para compreender e analisar a envolvente de forma rápida e eficaz, pelo que depende tanto dos dados visuais recebidos como do seu próprio sistema percetivo (top-down), que é moldado por experiências prévias e conhecimentos adquiridos (bottom-up). Quando os níveis de aten- ção variam é possível sintonizar a observação para diferentes dados visuais com detalhe, mas alguns estudos apontam que para o imediato reconhecimento do objeto basta segregar contornos, o que se faz a partir do reconhecimento de padrões constantes e do aumento do contraste14.

“Center/surround organization makes retinal ganglion cells selectively responsive to discontinuities in light. […] Responding to spots, corners, and edges is informationally more efficient than responding to light at every point in the scene.” (Livingstone, 2002, p. 55)

O sistema centro-periferia parece ser útil para analisar a informação de matiz sepa- rada da informação de luminosidade, facilitando a extração de conhecimento importante para o sistema percetivo.

“Retinal ganglion cells either sum or subtract the inputs from different cones. Thus, before signals about light leave the eye they are already subdivided into luminance and hue signals.” (Livingstone, 2002, p. 90)

Este sistema também terá a ver com a própria evolução do sistema visual. Nos pri- matas a perceção de cores terá evoluído depois da perceção da luminosidade, o primeiro passo terá sido o aparecimento de um segundo tipo de fotorrecetores que aumentou o es- pectro de luz visível. A capacidade de subtrair ou somar a atividade das diferentes classes de cones terá evoluído muito recentemente e tornou-se mais simples sobrepor este sistema ao sistema já existente (Livingstone, 2002, p. 90). Mas a questão que se coloca é, se o sistema de luminância já existia, então que necessidade havia de ampliar esse sistema para a perce- ção de cor? Se fosse suficiente a informação de preto-branco da nossa envolvente, dos objetos ou do mundo, não tinha havido a necessidade do sistema visual cromático evoluir e não seria necessária a visão de cores.

“In evolutionary terms, the red-green colour vision system evolved after the lumi- nance system was already in place. Therefore, the natural question to ask is what colour in- formation can add to existing luminance information, rather than what it can do on its own. In other words, why did trichromatic colour vision evolve?” (Gegenfurtner, 2003, p. 565)

14 Entre as classes de cones e as células ganglionares existe outro tipo de células que pode ser transmissoras

de sinal, como as células bipolares ou interneurónios que inibem ou ampliam o sinal, tais como as células horizontais ou amácrinas; isto significa que onde há diferença de sinal as células interneuronais ampliam a diferença aumentando o contraste entre os padrões constantes visualizados.

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A imagem Checker Shadow Illusion [5. 10] é demonstrativa desta característica do sis- tema visual, porém esta ilusão não pode ser explicada apenas pela organização centro- periferia uma vez que a perceção resulta do funcionamento de todo o cérebro.

5. 10 - Checker Shadow Illusion de Edward H. Adelson.

Na imagem acima a maioria dos indivíduos regista que há variação de valor entre o quadrado A e o B, ignorando que a sombra afeta o valor do quadrado B, escurecendo-o. A variação de luminosidade da cena, provocada pela sombra do cilindro, afeta a cor do qua- drado B ao ponto de o igualar ao quadrado A. Assim, apesar da cor do quadrado A ser igual em B optamos por ignorar essa semelhança em virtude de uma lógica de quadrados pretos e brancos no tabuleiro de xadrez. Respondemos ao que faz mais sentido em vez de responder apenas ao estímulo luminoso, ou seja, não respondemos à distribuição espectral mas com base numa lógica percetiva eficaz.

Na prática pictórica é possível observar diversas estratégias que exploram ou con- tornam estas características do sistema visual em prol de uma experiência estética. Os artis- tas já reconheceram há muito estes mecanismos que as ciências só recentemente vieram explicar.

Livingstone (2002, p. 61) discorre sobre o desenho como um exemplo de uma ma- nifestação humana onde é explorada a seletividade da sensibilidade a descontinuidades, segregadas a partir do reconhecimento de padrões. A representação da realidade através de contornos não parece causar qualquer problema para o reconhecimento de objetos ou ce- nas para a maioria dos indivíduos.

Aparentemente o canal de luminância do nosso sistema percetivo tem maior acui- dade visual do que o canal da cor (matiz) (Sharman et al., 2013), pelo que, apesar de haver indícios fortes de que o canal da cor tem um papel importante na deteção de arestas ou fronteiras na observação do natural, o canal de luminância parece ser especializado na dete- ção de limites e a informação cromática na determinação das propriedades das superfícies. No entanto, convém sublinhar que ambas, a luminância e a cor (matiz), são calculadas pelo mesmo estímulo luminoso que ativa as distintas classes de cones.

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Esta qualidade do nosso sistema visual parece ser um importante recurso para o de- senho facilitando a deteção de arestas e limites dos objetos e segregando-os através de li- nha. Por outro lado, a cor interfere na perceção das formas ou do espaço, sendo algo que se evita no desenho porque complica, mantendo-se a representação circunscrita ao mero uso dos valores acromáticos. A cor distrai, chama a atenção para pontos na imagem que perturbam a narrativa, constrói a retórica da imagem, destabiliza a homogeneidade e con- corre com os outros elementos apresentados. Na representação do espaço em desenho, a segregação dos limites das formas, volumes, configurações, pode depender do canal de luminância, dos limites de uma textura ou de um brilho, o que interessa é a capacidade do sistema visual em segregar diferentes qualidades ou padrões e capacidade cognitiva em tra- duzi-los em configurações que se interpretam como uma ilusão bidimensional de uma rea- lidade tridimensional.

As teorias cognitivas de reconhecimento de objetos por tradição têm enfatizado a componente estrutural (Biederman & Ju, 1988). A ideia de que o reconhecimento dos obje- tos é impulsionado pela forma é considerada mais vantajosa para a construção das teorias por ser a opção mais económica, por reconhecer o objeto a partir de apenas um compo- nente visual. Os investigadores Biederman e Ju (1988) avaliaram a contribuição da cor para o reconhecimento dos objetos medindo o tempo de resposta dos observadores participan- tes para desenhos de contorno em comparação com imagens detalhadas e as cores de di- versos objetos. A conclusão destes resultados foi obtida não pela diferença de resposta, mas pela ausência de evidência de que a cor não foi utilizada (Biederman & Ju, 1988), o que torna problemática a solidez da própria teoria (Therriault, 2011). Poder-se-ia também acrescentar que uma imagem apenas em contorno de preto sobre fundo branco tem muito menos informação visual para extrair daí que parece óbvio que possa ser mais rápido o seu reconhecimento.

Trabalhos recentes têm constituído teorias opostas, fornecendo evidências de que o nível de informação da superfície, como a cor, é utilizado para o reconhecimento de obje- tos, pelo que há muitas questões em aberto sobre o contributo da cor para a perceção. Se- gundo estas teorias: a apresentação de cor correta reforça sempre o reconhecimento e con- ceitualização de uma figura (Therriault, 2011); em certas situações onde a forma é ambígua recorre-se a experiências percetivas de cor prévias para um melhor reconhecimento dessa mesma figura (Mapelli & Behrmann, 1997). Evidências apontam (Therriault, 2011) para a construção de teorias de reconhecimento de objetos que reconheçam mais variação, flexibi- lidade e integração de áreas do conhecimento complementares e o contributo da cor no processamento top-down e bottom-up.

1) Recetores receção da luz

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tórios

células horizontais: dois tipo C - canais de oponência cromática (RG e BY) e um tipo L – luminosidade

introduzem inibição lateral que dá lugar à organização centro-periferia 2) Transmissor de

sinal

10 tipos de células bipolares Interneurónios inibi-

tórios

30 a 40 tipos de células amácrinas

introduzem inibição lateral mas a sua função ainda não é clara

3) Neúronios células ganglionares ≥20, número total, localização exata e funções ainda não estão determinadas (Dacey, 2000, p. 749).

1) Células ganglionares anãs (on-off para L, M e S), projetam para as

camada parvocelular - (cromáticas - sensíveis ao matiz e luminân- cia); velocidade de condução de informação lenta e contínua, res- ponsável pela cor e acuidade

2) Células ganglionares parasol (on-off), projetam para as camadas

magnocelular - (acromáticas - sensíveis à luminância); velocidade de condução de informação rápida e intermitente, responsável pe- las mudanças de estímulo como o movimento

3) Células ganglionares estratificadas, projetam para as camadas inter- laminares coniocelular - (cromáticas e sensíveis à luminância); pa- recem contribuir para a perceção de espaço e tempo mas também para contraste de matiz e valor

4) Outras células ganglionares

5. 11 - Quadro de resumo de processamento vertical de cor na retina (desenho da autora).