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As primeiras teorias sobre desenho são reduzidas a apontamentos e observações técnicas, sendo as grandes teorias desenvolvidas durante os séculos XVII e XVIII por au- tores como Holanda, Vasari e Zuccaro.

Em Itália, berço da idade moderna, o disegno é considerado como base de todas as artes (Cennini, Ghiberti, Holanda, Vasari), uma ideia construída a partir da redescoberta dos textos de Vitrúvio que valorizava o desenho como fundamento das artes.

Percorrendo sumariamente estes autores, Cennino Cennini (1370-1440) valoriza a ciência do desenho e da cor como fundamento da arte: “El fondamento dell’arte, di tutti questi i lavorii di mano principio, è il disegno e’l colorire” (Cennini, 2007 [c.1390], §IV)13. Ghiberti (1378-

1455) toma o desenho como fundamento e origem da pintura e escultura, o que se confir- ma através das conquistas artísticas da antiguidade e em cuja redescoberta se alicerçou a teoria moderna do desenho: “[…] e’t ancora sai perfectissimo disegnatore conciò sai cosa lo scultore e’l pictore, el disegno é il fondamento et teorica di queste due arti.” (Ghiberti, 1912)

Porém, da observação destes dois comentários, poder-se-á compreender uma pro- gressiva separação entre o desenho e a cor tendente à autonomia disciplinar do desenho. Assim, enquanto em Cennino há um equilíbrio de valores entre desenho e cor, em Ghiberti a cor está omissa, valorizando apenas o desenho.

Francisco de Holanda ressoa os valores expressos por Cennini e Ghiberti, conside- rando o desenho a raiz de todas as ciências. Segundo os seus registos, Miguel Ângelo terá afirmado que o desenho é a fonte e o corpo das restantes artes.

“ […] o desenho, a que por outro nome chama debuxo, nele consiste e é a fonte e o cor- po da pintura e da escultura e da arquitetura e de todo o outro género de pintar e a raiz de todas as ciências”. (Holanda, 1984 [1548], p. 61)

Deste modo, o autor expressa a legitimidade do desenho sobre todos os domínios da produção artística, firmando que desenho e pintura são a única ciência e arte, a partir das quais derivam as restantes. Na sequência destes diálogos Holanda deixa claro que é mais importante saber desenhar do que pintar, porque se “faz uma coisa quanto melhor a entende”, reconhecendo assim o potencial cognitivo inerente à contemplação e ação de desenhar.

Como quer que tanto me ponho às vezes a cuidar e a imaginar que acho entre os homens não haver mais que uma só arte ou ciência e esta ser o debuxar ou pintar, de que tudo o al são membros que procedem.” (Holanda, 1984 [1548], p. 43)

13 Numa das mais citadas traduções do tratado, por Daniel V. Thomson, colorito é transposto para o inglês

como “painting”: “The basis of the profession, the very beginning of all these manual operations, is drawing and painting.”

(Cennini, 1933 [c.1390], § IV) Ainda que pintura e cor sejam distintas, à época é comum encontrar referências coevas onde não há uma clara diferenciação, sendo o termo colorito aplicado nos dois sentidos. Cennini, no

seu Libro dell’arte, dedica vários capítulos à ciência da cor e às técnicas necessárias para o trabalho do pintor

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Mas é eu parecer é que quem souber bem desenhar […] pintará todas as coisas criadas no mundo; e pintor haverá que pinta quantas coisas há no mundo tão imperfeitamente e tão sem nome que seria melhor não fazê-lo. E nisto se conhece o saber do grande homem, no temor com que faz uma coisa quanto melhor a entende; […] E mestre haverá excelente que nunca pintou mais que só figura, e sem mais pintar merece mor nome que os que pintaram mil retábulos, e melhor sa- be ele fazer o que faz, que os outros sabem o que fazem.” (Holanda, 1984 [1548], p. 63) Em paralelo ao desenvolvimento teórico do desenho, consolidado na valorização intelectual e científica da formação necessária ao pintor, escultor ou arquiteto, constrói-se a ideia de artista. Dá-se, simultânea e reciprocamente, a valorização das qualidades individuais e expressivas do autor e a valorização da sua mais direta forma de expressão, o desenho. O desenho é a base, o elemento comum das artes e o seu fundamento científico e estruturan- te. A diversidade nas artes resulta da transformação desta base pelas suas próprias especifi- cidades.

O desenho não é mais uma geometria ordenadora14, é um limite de uma figura, um

contorno, um delineamento, uma circunscrição, é a descrição de um objeto pela sua confi- guração externa, que podia ser mais ou menos contida conforme as qualidades gráficas e expressivas do autor ou das características formais da época ou região (Tolnay, 1983 [1943]).

Nesta lógica Alberti entende a pintura como composta por três partes, a circunscri- ção, a composição e a receção da luz. A circunscrição descreve o limite das formas numa pintura, é um desenho do contorno executado em linhas finas que quase não se veem. In- sistindo na necessidade do pintor se dedicar à circunscrição, ou seja, ao desenho, defen- dendo a importância desta na formação do artista. Na receção da luz trata de questões rela- tivas às cores da pintura, mas não avança com uma interpretação simbólica ou teológica conforme a do pensamento medieval, apresentando-as antes de acordo com o seu valor plástico próprio, em função do seu valor pictórico. No trabalho de Alberti deteta-se o des- taque do branco e o preto em relação às restantes cores, por este considerar que as demais cores são matéria à qual se acrescenta preto ou branco, ou seja, sombra e luz. Os desenvol- vimentos teóricos deste período substituem os termos albertinianos, das três partes da pintu- ra, por uma versão mais facilmente reconhecível: desenho, composição e cor.

Sarà circunscrizione quella che descriva l'attorniare dell'orlo nella pittura.[…] Io così dico in questa circonscrizione molto doversi osservare ch'ella sia di linee sottilissime fatta, quasi tali che fuggano essere vedute, […] però che la circonscrizione è non altro che disegnamento dell'orlo,

14 No desenho de Villard de Honnecourt não é necessário encontrar uma correspondência formal entre a

configuração e o aspeto exterior da figura, sendo a estrutura da forma regulada pela geometria Divina do número. Na nova conceção de desenho, a geometria reguladora é a perspetiva, que assenta em princípios distintos e que implicam a conceção de um observador humano monocular.

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quale ove sia fatto con linea troppo apparente, non dimostrerà ivi essere margine di superficie ma fessura, e io desiderrei nulla proseguirsi circonscrivendo che solo l'andare dell'orlo; in qual cosa così affermo debbano molto essercitarsi. Niuna composizione e niuno ricevere di lumi si può lodare ove non sia buona circonscrizione aggiunta; e non raro pur si vede solo una buona circonscrizione, cioè uno buono disegno per sé essere gratissimo.” (Alberti, 2007 [c.1436], Libro Secondo, § 31)

Dividesi la pittura in tre parti, qual divisione abbiamo presta dalla natura. E dove la pittura studia ripresentare cose vedute, notiamo in che modo le cose si veggano. Principio, vedendo qual cosa, diciamo questo esser cosa quale occupa uno luogo. Qui il pittore, descrivendo questo spazio, dirà questo suo guidare uno orlo con linea essere circonscrizione. Apresso rimirandolo conosciamo come più superficie del veduto corpo insieme convengano; e qui l'artefice, segnandole in suoi luoghi, dirà fare composizione. Ultimo, più distinto discerniamo colori e qualità delle superficie, quali ripresentandoli, ché ogni differenza nasce da' lumi, proprio possiamo chiamarlo recezione di lumi.” (Alberti, 2007 [c.1436], Libro Secondo, § 30)

Esta citação apresenta também um das mais importantes ideias do Renascimento que determina a relação entre cor e luz, em todo resultado de uma tradição alberteniana e que não cria oposição entre luz e cor (Shearman, 1962).

No encalce de Alberti, Piero della Francesca expressa, em Della Pittura, a tripartição albertiniana de circunscrição, composição e receção da luz:

La pictura tre parti contiene in sé principali, quali diciamo essere disegno, commensuratio et colorare. Disegno intendiamo essere profili et contorni che nella cosa se contiene. Commensuratio diciamò essére essi, profili et contorni con proportionalmenté posti nei luoghi loro. Colorare intendiamo dare i colori commo nelle cose se dimostrano, chiari et schuri, secondo che i lumi li devariano.” (Francesca, 2005 [c.1474], p. 63)

Tal como podemos encontrar nos escritos de Piero Della Francesca (1415-1492), o desenho é uma linha de contorno ou perfil que contém a forma e que é autónoma dos va- lores de cor ou matéria. É assim uma linha abstrata que delimita a figura. Por outro lado, o commensuratio é a proporção estabelecida entre os elementos do desenho enquanto a cor, ou o colorir, corresponde à correta atribuição de cores às figuras, tal como estas se nos apresentam, claro-escuro, conforme às luzes e escuridão, seguindo a tradição aristotélica de organização das cores entre luz e sombra. Traduzido para definições contemporâneas poderíamos organizar esta tripartição enquanto Desenho, Proporção e Cor, com definições autónomas na cons- trução da Pintura.

Leonardo da Vinci (1452-1519) explica que se deve representar o contorno de cada objeto e as suas inflexões com grande diligência. Porém, este contorno é entendido como uma entidade abstrata, um limite que não existe, que não pertence ao corpo representado nem ao ar que o rodeia, como se a sua configuração resultasse das zonas de contacto entre

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os factos. É uma tradução bidimensional de uma realidade tridimensional e que pode ou não ser um contínuo em termos de superfícies tridimensionais mas sim no desenho.

The boundaries of bodies are the least of all things. The proposition is proved to be true, because the boundary of a thing is a surface, which is not part of the body contained within that surface; nor is it part of the air surrounding that body, but is the medium interposed between the air and the body, as is proved in its place. But the lateral boundaries of these bodies are the line forming the boundary of the surface, which line is of invisible thickness. Wherefore O painter! do not surround your bodies with lines, and above all when representing objects smaller than nature; for not only will their external outlines become indistinct, but their parts will be invisible from dis- tance.” (Da Vinci, 2002 [1888], The nature of the outline, § 49)

Na teoria do desenho do século XVI, Giorgio Vasari (1511-1574) apresenta o dese- nho como o pai das três artes em continuidade com as ideias de Vitrúvio (reconhecidas também por Holanda), confirmando a arte do disegno como base da pintura, escultura e arquitetura.

Para Vasari o disegno é o pai das três artes: arquitetura, escultura e pintura, assim, a base primordial de todas as três, sem o qual estas não são possíveis. Vasari reconhece o desenho como uma expressão visível de um conceito formado na mente. É através do de- senho que as artes se podem afirmar como artes liberais, através da ideia de que o desenho possuiu um conhecimento teórico próprio, regulado e regrado, um saber intelectual e uni- versal. É também a afirmação do génio criativo como qualidade mental que o artista possui, conferindo-lhe aquele atributo extra e valor excecional, parte da elite intelectual. Em rela- ção à mestria dos arquitetos já afirma que é no desenho que esta se encontra, é dessas mesmas linhas que nasce toda a criação dos arquitetos, tudo o resto é trabalho de carpinteiros e pedrei- ros.

E tutti questi, o profili, o altrimenti, che vogliam chiamarli, seruono cosi all’Architettura, & Scultura,come alla pittura; ma all'Architettura massimamente; percioche i disegni di quella non sono composti se non di linee, il che non è alfro, quanto al Architettore, che il principio, e la fine di quell’arte, perche il restante, mediatei modelli di leg name; tratti dalle dette linee, non è altro, che opera di scarpellini, e pellini, & muratori.” (Vasari, 1568, pp. 43-44) Vasari15, de origem toscana, sublinha a tradição toscana de domínio do disegno sobre

a colore na teoria e prática da pintura, como mais adiante veremos. Assim se fecha um ciclo de onde emana a progressiva afirmação do desenho como base das artes, valorizador da

15 É com Vasari que a teoria do desenho institui a sua consolidação moderna. Este classifica os desenhos

segundo categorias de schizzi, como estudos preparatórios, e disegno, a obra com a composição final, valori-

zando o desenho como obra de arte autónoma. Em Vasari encontramos uma valorização tripla do desenho (Tolnay, 1983 [1943]): como símbolo da glória do seu criador, como documento histórico e como obra de arte.

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forma, da medida e materialização da ideia, e a inscrição subsidiária da cor separada do desenho e no domínio da pintura.

Perché il disegno, padre delle tre arti nostre architettura, scultura e pittura, procedendo dall’intelletto cava di molte cose un giudizio universale simile a una forma overo idea di tutte le cose della natura, la quale è singolarissima nelle sue misure, di qui è che non solo nei corpi umani e degl’animali, ma nelle piante ancora e nelle fabriche e sculture e pitture, cognosce la proporzione che ha il tutto con le parti e che hanno le parti fra loro e col tutto insieme; e perché da questa cognizione nasce un certo concetto e giudizio, che si forma nella mente quella tal cosa che poi espressa con le mani si chiama disegno, si può conchiudere che esso disegno altro non sia che una apparente espressione e dichiarazione del concetto che si ha nell’animo, e di quello che altri si è nella mente imaginato e fabricato nell’idea.” (Vasari, 1568, p. 43)16

A relação entre o desenho e a contemplação do natural é fundamental à teoria vasa- riana, implicando que o desenho corresponde à materialização da ideia resultante do estí- mulo desencadeado a partir da observação da natureza. A criação (ou a capacidade inventi- va) encontra-se assim dependente da observação do natural e do discernimento do autor em alcançar o que deve ou não inferir a partir do que é observado. De novo podemos esta- belecer pontes com a reflexão de Francisco de Holanda, nomeadamente no reconhecimen- to das qualidades formativas e cognitivas do desenho.

Em concordância com o espírito neoplatónico, que gera os desenvolvimentos Mo- dernos em torno dos círculos eruditos toscanos, a idea é expressa através do disegno, tradu- zindo graficamente os desígnios do artista, concebidos na mente e que encontram na ex- pressão gráfica do desenho a sua mais direta forma de expressão. Uma relação entre ideia e desenho que ecoa na versão contemporânea das teorias de desenho, embora despojada da ligação entre o autor e o natural. A experiência sensorial do natural deixa de fazer sentido uma vez que o desenho é fruto exclusivo do intelecto, e por conseguinte fora do alcance do sensível.

O disegno, diz Vasari, não designa mais que uma expressão manifesta e uma expli- cação do conceito que se encontra no espírito ou que se imagina na mente e se fabrica na ideia.” (Durão, 2010, p. 38)

16 Tradução disponível em (Lichtenstein, 2004, p. 20): “Oriundo do intelecto, o desenho, pai de nossas três artes - arqui-

tetura, escultura, pintura, extrai de múltiplos elementos um juízo universal. Esse juízo assemelha-se a uma forma ou ideia de todas as coisas da natureza, que é por sua vez sempre singular em suas medidas. Quer se trate do corpo humano, dos animais, das plantas, dos edifícios, da escultura ou da pintura, percebe-se a relação que o todo mantém com as partes, que as partes man- têm entre si e com o conjunto. Dessa percepção nasce um conceito, um juízo que se forma na mente, e cuja expressão manual denomina-se desenho. Pode-se então concluir que esse desenho não é senão a expressão e a manifestação do conceito que existe na alma ou que foi mentalmente imaginado por outros e elaborado em uma ideia. Giorgio Vasari, As vidas dos mais excelen-

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É importante compreender que este novo conceito de Idea parece entrar em con- fronto aparente com a noção de imitação pela natureza. Contudo, esta passagem é progres- siva e resulta de um esforço dos teóricos renascentistas em conciliar os conceitos de ideia, beleza e imitação, com as inovações pictóricas e as exigências do pensamento coevo. A imitação da natureza continua a fazer sentido, uma vez que tanto a natureza como a arte possuem a mesma estrutura. É por meio da própria imitação que a obra de arte se entende como produto da natureza e do conhecimento científico e, por conseguinte, uma segunda natureza (Lichtenstein, 2004).

No Alto Renascimento, a relação entre experiência e intelecto passa progressiva- mente a ser determinada por um intelectualismo abstrato, sem existência concreta, sem matéria, sem cor. Os autores do século XVI constroem um outro tipo de definições, que poderíamos colocar como mais próximas da perceção contemporânea de desenho.

Giovanni Battista Armenino (1530-1609), claramente influenciado por Vasari, defi- ne o desenho enquanto especulação, um artifício do intelecto, construído a partir da bela ideia, e que chega mesmo a rivalizar com a obra de arte (pintura, escultura ou arquitetura)17,

afirmando com confiança que “A não ser pelas cores” o desenho prévio “é a própria obra.” (citado de MACS, 2003, p.14)

Nesta tendência de valorização do desenho como abstração, Federico Zuccaro (c.1543-1609) reconhece na sua Idea dei pittori, scultori ed architetti (1607) a ideia platónica de forma sine corpore distinguindo entre disegno interno e disegno externo.

Ao disegno interno corresponde o conceito formado na mente e que nos permite co- nhecer o mundo, o universo, e que ultrapassa os limites da criação artística para se aproxi- mar da divindade. Como explica Tolnay (1983), o desenho interno é uma faculdade da mente divina, angélica ou humana, necessária para o entendimento de toda a criação e, que em Zuccaro, ultrapassa os limites da criação artística. A razão da criação não depende ape- nas do artista, mas de uma ordem divina e espiritual superior a este.

O disegno interno é totalmente espiritual, uma expressão direta do intelecto, e cuja fonte, ou ideia, tem origem em Deus, desenvolvendo a partir daí uma conceção metafísica que explica o desenho como a génese de todas as artes. O disegno interno é assim, de forma sucinta, um conceito do espírito expresso externamente como forma sem substância cor- pórea e figura real ou imaginária, divina ou humana.

E principalmente dic, che Disegno non è matéria, non è corpo, non è acidente di sustanza alcuna, ma è forma, idea, ordine, regol, termine, o oggetto dell’intelletto, in cui fono espresse le cose ontese; e questo sitrova in tutte le cose esterne tanto divine, quanto umane […] ” (Zuccaro, capítulo III, Definizione del Disegno interno in genere, 1768 [1607], p.10)

17 “Il disegno [é] quello che è il lume, il fondamento ed il sostegno delle predetti arti [pittura, scultura ed

architettura] […] Onde alcuni hanno detto dover esser quello [disegno] una speculazione nata nella mente e una artificiosa industria dell’intelletto col mettere in atto le sue forze, secondo la bella idea” (Armenino, 1586, p. 37)

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Il Disegno dunque interno, in genere ed universal, è una idea, e una forma nell’intelletto rappresentante distintamente, e veramente la cosa intesa.” (Zuccaro, capítulo IV, Quante forti di Disegni interni si trovino, 1768 [1607], p.10)

Zuccaro, na sua construção teológico-escolástica, distingue o desenho interno do desenho externo, caracterizando o desenho externo como o desenho interno tornado visual, a ideia delimitada pela sua forma, mas uma forma configurada pela linha desprovida de subs- tância corporal, uma ideia exteriorizada mas sem matéria e sem cor. O desenho externo é simples traço, delimitação, circunscrição, medida e figura de qualquer coisa real ou imagi- nada. A própria noção de que a linha é o elemento por excelência do desenho é aqui evi- dente, caracterizando-a como a substância visual da expressão do desenho.

Ma perchè dal Disegno interno ne nasce l’esterno, avendo nel primo libro ragionato del primo, ora in questo ragionerò del secondo […] Seguendo dunque il nostro discorso dico per chiarificare questo concetto, e disegno interno, e mostrar-lo al senso, e all' intelletto, è necessario darli corpo, e forma visiva ; e per migliore, e maggiore nostra intelligenza lo circoscriveremo, e gli daremo l’essere, mostrandolo al senso con varj lineamenti, assegnandogli anco a parte li propri loro istromenti, secondo le varie sue operazioni. […] Dico dunque, che il Disegno esterno altro non è, che quello, che appare circonscritto di forma senza sostanza di corpo: semplice lineamento, circonscrizione, misurazione, e figura di qualsivoglia cosa immaginata, e reale; il qual Disegno così formato, e circonscritto con linea, è esempio, e forma dell' immagine ideale. La linea dunque è proprio corpo, e sostanza visiva del Disegno esterno […]” (Zuccaro, 1768 [1607], pp. 68-69) A partir destes pressupostos o desenho estabeleceu-se simultaneamente como con- ceção e representação da Idea. Este novo estatuto desvincula-o das práticas oficinais e do trabalho manual, elevando-o a atividade mental, referente à ação do espírito e da mente18.

O disegno vincula-se ao campo das ideias e não ao material, prescindindo da cor, portanto está desligado da materialidade do fazer, sobrevalorizando-se e legitimando-se sobre quali-