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Nota prévia

1. O contexto que criámos

Ao falar sobre a difusão da literatura brasileira em Portugal, referindo-se ao trabalho pioneiro do brasilianista português José Osório de Castro Oliveira (1900-1964, v. Rocha 1998: 71), o distinto sucessor deste que é Fernando Cristóvão explicava pela “excessiva familiaridade entre portugueses e brasilei- ros” o “desleixo” que levara os dois povos a esquecerem “durante demasiado tempo a necessidade de intensificar e institucionalizar as relações culturais e literárias entre os dois países irmãos.” (Cristóvão 1983: 123). Antes da institu- cionalização, porém, há o conhecimento e relacionamento mútuos, os quais se podem esquematizar na seguinte construção narrativa (a partir das fontes que até agora pudemos consultar):

Na segunda metade do século XIX, há sinais de que Eça de Queiroz teve

acesso às obras de Machado de Assis, mas, na viragem de século, “até os grandes autores brasileiros eram desconhecidos da maioria dos portugueses letrados” (Cristóvão 1983: 124). Valentim de Magalhães, autor de A Literatura

Brasileira, publicada em 1896 por A. M. Pereira, escrevia mesmo que “o movi-

mento literário transatlântico é completamente desconhecido cá” (apud Cristó- vão 1983: 124). Pelo contrário, escreve o mesmo autor, no Brasil leem-se “as mais insignificantes obras portuguesas” e os nomes “de todos os escritores portugueses” são familiares ao público. As relações comerciais no domínio do livro, eram, portanto, muito desiguais. Heitor Antunes era, no fim da I Guerra Mundial, o livreiro que mantinha quase o exclusivo das exportações para o Brasil (Livros de Portugal [LP], n.º 85/1954).2 Por outro lado, os autores brasi-

leiros serviam-se de editores portugueses: Coelho Netto, segundo Hallewell o primeiro escritor brasileiro a conseguir verdadeira popularidade em Portugal, começou a ser publicado no nosso país em 1903 (Hallewell 1985: 278). De- pois dele, nenhum outro voltou a ter verdadeiro impacto até à década de 30 do mesmo século.

2 Foi ele o fundador, em 1918, da firma Livraria Portugália (LP, n.º 85/1954). Sucedeu-lhe o

irmão Joaquim Oliveira Antunes, proprietário da livraria H. Antunes, na rua de Buenos Aires, Rio de Janeiro que, segundo informa LP n.º 8/1941, expande com eficácia o livro português por todo o mercado brasileiro. Pela mesma altura constitui-se na mesma cidade a firma Livros de Portugal, Lda., agência de que fazem parte a Agência Editorial Brasileira, o editor portuense Américo Fraga Lamares e a firma Casa do Livro, de Lisboa.

Misérias e Esplendores da Tradução no Portugal do Estado Novo

Proponho que se considere a década de 30 como uma viragem. Por um lado, começam a institucionalizar-se as relações culturais entre os dois países com a criação dos Estudos Brasileiros na Faculdade de Letras da Universida- de de Lisboa.3 Em 1932, Octalles Marcondes Ferreira abre em Lisboa uma filial

da Civilização Brasileira para vender os seus livros em Portugal. E, de facto, no princípio da década, Lisboa é inundada de edições brasileiras, com um pico em 1938. Foi enorme o sucesso, entre nós, do “romance de trinta, espe- cialmente do nordestino” (Cristóvão 1983: 127), atingindo o auge na década de 40 e prolongando-se posteriormente. E a Livros de Portugal noticiam, em janeiro de 1941, a abertura, em Lisboa, na rua Ivens, da Agência Editorial Bra- sileira, distribuidora do livro brasileiro em Portugal, ilhas e colónias. Pode dizer- -se, portanto, que os esforços anteriores do já referido divulgador da literatura brasileira em Portugal, José Osório de Oliveira, deram os seus frutos – apesar do seu artigo-carta “Adeus à Literatura Brasileira” (1940), no qual punha termo à sua atividade disseminadora, expressando desapontamento pela falta de apoio dos escritores do Brasil.

Aos estudiosos da Tradução, interessados na circulação da literatura por diversos tempos e fronteiras, importa atentar no modo como o sucesso re- ferido foi interpretado por duas contemporaneidades, a de então e a nossa. Sabemos, é certo, que a literatura brasileira, para nós, não conta como tradu- ção no sentido mais próprio. Para todos os efeitos, porém, ela era estrangeira, Outra, e veio ocupar um espaço no polissistema literário português. Se esse espaço é um vazio, uma lacuna, ou, como diz Theo Hermans, uma “disability” da cultura portuguesa, não é, neste contexto, primordial esclarecer (Hermans 1999: 109).4 Impossíveis de ignorar são, todavia, os testemunhos a que que-

remos aludir, e que vêm de nomes tão autorizados como Carlos Queirós, João Gaspar Simões, Luís Forjaz Trigueiros e António Quadros: vão no sentido de considerar os escritores brasileiros modernos uma “escola” para os neorrea- listas portugueses em ascensão, numa fase em que a “novelística portuguesa não se tinha afirmado ainda”, e a língua precisava de uma outra “alma” (apud Cristóvão 1983: 124, 127s.). A análise de Fernando Cristóvão, quatro décadas depois, tem substância em tudo idêntica:

3 Na Universidade de Coimbra tal aconteceu em 1957, no Porto só em 1972.

4 Há que esclarecer, porém, que Hermans se mostra muito cético em relação a admitir que

Apontamentos para a história das relações editoriais

[…] a literatura portuguesa, tal como a brasileira, estava necessitada duma re- novação, e não era suficiente o novo sangue presencista. Algo de mais au- têntico se impunha, e esse impulso veio-lhe do romance nordestino pela via neo-realista que a partir da década de 40, abriu novos caminhos à ficção portu- guesa. (Cristóvão 1983: 127).

Também Hallewell se refere a uma fase pouco fecunda na literatura portu- guesa (Hallewell 1985: 279).

A estes testemunhos e à análise juntam-se eloquentes sintomas surgidos no panorama nacional, e dos quais vários órgãos de comunicação se fazem eco: os concursos, em 1941, “Procura-se um romancista”, a que se seguiria o “Procura-se um novelista”; o facto de o prémio literário Eça de Queiroz (bienal) não ter sido atribuído em dois concursos seguidos (1952, 1950, e já não o fora em 1942) (LP, n.º 76/1953).5 E ainda as estatísticas oficiais: entre 1944 e 1951

o número de romances publicados desceu de 232 para 42, os contos de 116 para 64 (LP, n.º 69/1953).6