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Para uma história externa das traduções dos Discursos

Salazar traduzido: sobre tradução e poder no Estado Novo (1933-1950)

5. Para uma história externa das traduções dos Discursos

A análise das Caixas do Fundo do SNI respeitantes ao nosso assunto que foi possível verificar por enquanto permitiu identificar os parâmetros que inte- ressam à história externa de uma tradução, a saber: quem teve a iniciativa da tradução, contactos com as editoras, escolha do tradutor e seu pagamen- to, direitos de autor, mediações várias (de línguas, editoras e personalidades),

10 Esta tradução existe em três exemplares na Biblioteca Nacional. Foi publicada primeiro em

Espanha. Há notícia elucidativa a este respeito no Diário de Notícias de 10/3/1938, elogiando não só o prólogo, como a tradução do prólogo por D. José Maria Robles “pela pureza da língua em que transcreveu o verbo português.” A consciência do efeito multiplicador desta tradução está expressa na frase: “[À tradução do livro] […] está reservado um êxito enorme nos países de fala espanhola” (FSNI, Cx 528).

Identificaremos as fontes dos processos das diferentes traduções apenas pela sigla FSNI (Fundo do Secretariado Nacional de Informação), seguido da respetiva Caixa (Cx) e seu número. Esta documentação encontra-se nos AN/TT.

11 Referida, mas sem cota, nos catálogos da Biblioteca Nacional.

12 A história externa da tradução é um conceito que remonta aos estudos do grupo de inves-

tigação da Universidade de Göttingen, na Alemanha (cf. Frank 1990). É uma história reconstruída a partir dos contextos, por contraste com a história interna da tradução, que analisa os textos traduzidos propriamente ditos.

Salazar traduzido: sobre tradução e poder no Estado Novo (1933-1950) responsabilidade da escolha dos textos a integrar em cada edição, conforme a língua, decisões sobre prefácios e notas explicativas, formas de publicitação após publicação, papel do SPN, do próprio Salazar e do seu Gabinete.13

Uma vez que as informações sobre cada edição são muito díspares, isto é, a tradução para algumas línguas está mais abundantemente documentada do que para outras, optámos por historiar quatro casos que considerámos de particular interesse: as traduções francesa, inglesa, alemã e checa.

5.1. A tradução francesa Une révolution dans la paix (1937) e Le

Portugal et la crise européenne (1940)

Não há prova documental, mas é provável que o intermediário desta tra- dução tivesse sido António Ferro, que já tinha livros publicados em França e muito bons contactos no país, além de ser um amigo da casa Flammarion e do seu diretor Max Fischer. Também a escolha da tradutora, Fernanda de Castro, mulher de Ferro e que já traduzira o livro do marido sobre Salazar (v. acima) aponta nesse sentido. No caso do segundo volume estava para ser ela também, mas passou a ser Pierre Hourcade, residente em Portugal, diretor do Instituto Francês, primeiro no Porto, depois em Lisboa. Foi sondado infor- malmente por Luís Forjaz Trigueiros, possivelmente por incumbência do SPN, conhecida que era a sua grande admiração por Salazar. O SPN pede o acordo de Ferro antes de se dirigir formalmente a Hourcade. O Instituto Francês teve ampla intervenção nesta tradução, e quando Hourcade foi mobilizado para a Guerra, foi substituído por Raymond Warnier, seu sucessor no cargo.14

A publicação de um segundo volume começara a ser preparada em agosto de 1938, quando Paulo Osório, diretor dos Serviços do Diário de Notícias em Paris, pede instruções ao SPN sobre os discursos a incluir no 2.º volume. Uma das listas que recebe tem os “Discursos que se julga conveniente fazerem par- te do 2.º volume da tradução francesa” (carta de Silva Dias a Osório, de 10 de agosto de 1938). Porém, Pierre Hourcade só será contactado oficialmente em maio de 1939 e, ao aceitar, não esconde a sua admiração por Salazar, a ponto

13 Nem todos estes parâmetros estão preenchidos para todas as edições estrangeiras. 14 Os elementos referentes ao 1.º volume encontram-se na FSNI, Cx 4226, enquanto o dos-

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de não querer que o seu nome figure na tradução … Antes do final de junho as traduções ficam prontas. O Gabinete de Salazar é informado da conclusão do trabalho e chega a propor várias alterações, não só a títulos e subtítulos, e en- carrega o SPN de fazer uma Nota Final. Da parte da Flammarion, Max Fischer congratula-se com a conclusão das traduções (7 de julho) e levanta algumas dúvidas. O lado português quer um prefácio escrito por personalidade france- sa, mas a ideia não agrada a Fischer, que se justifica com a personalidade de Salazar, numa argumentação elucidativa:

Le Président Salazar est considéré, en France, comme une façon d’arbitre des partis portugais. Il me semble qu’il y a un grand intérêt à ne pas risquer de fausser, chez nous, la vision que se font les Français de l’homme d’État qui a su opérer, dans la paix et la concorde, de manière aussi parfaite, le redressement de son Pays. (carta de 7 de julho de 1939)

Alvitra, em alternativa, que se faça um “retrato” de Salazar por um escritor “sem opinião política”… Em setembro, Fischer acusa a receção dos textos, fa- zendo, no entanto, alguns reparos à tradução, à mistura com elogios rasgados a Salazar (“la profondeur et la sureté des vues politiques, la sérénité du ton, la lucidité des aperçues généraux, la vigueur et le bonheur d’expression des formules d’ordre général, font de ce livre un ouvrage définitif.”, carta de 27 de setembro de 1939). É ainda Fischer que propõe o título do livro (Le Portugal et

la crise européenne), aceite pelas instâncias portuguesas. Entretanto, porém,

Hourcade fora mobilizado, como se disse, e cabe agora ao seu sucessor rever as traduções. Este é um dos raros contextos em que se “teoriza” algo sobre a tradução: Warnier propõe-se substituir a versão demasiado literal de Hour- cade por uma tradução mais livre, e, portanto, “mais conforme ao espírito da nossa língua”, no que tem a concordância do SPN (Silva Dias): “Quando, sem prejuízo da exactidão, seja preferível, em benefício da forma, uma versão livre, deve ser adoptada.” (carta de 2 de novembro de 1939). Sem dúvida que o critério da qualidade da língua de chegada prevaleceu, o que está certamente relacionado com preocupações com a imagem de Salazar junto do público a que se dirige.

O Gabinete de Salazar é sempre respeitosamente informado da corres- pondência do SPN com a Flammarion, ficando claro que é ele, Salazar, quem tem a última palavra a dizer. E, de facto, são enviadas para a editora várias

Salazar traduzido: sobre tradução e poder no Estado Novo (1933-1950) alterações à tradução, que Silva Dias atribui a “Sua Excelência”, e que vão desde modificações de títulos a substituição de notas. Ainda em dezembro de 1939 são enviadas para Paris “nota autógrafa do Senhor Presidente do Conselho” com comentários às notas e denunciando emendas ainda não in- troduzidas no texto.

Em relação ao prefácio, assunto ainda pendente, Ferro e Fischer decidem encerrar o assunto, desistindo dele. Mas as palavras de Fischer a Silva Dias explicando a decisão com o argumento já conhecido da “apoliticidade” e “im- parcialidade” de Salazar voltam a impressionar(-me) e não podem deixar de ser citadas:

Quel que soit le prefacier que nous choisirions, nous risquerions de diminuer ou l’importance de l’oeuvre, ou l’importance de l’auteur. Le Président Salazar est un homme politique tout à fait original et personnel, Il a ses methodes. De Paris, on n’a pas l’impression, en regardant Lisbonne, que le Président Salazar puisse être le Chef d’un parti politique situé soit à droite, soit au centre, soit ailleurs; mais on a l’impression très nette qu’il est le chef éclair et impartial du Gouvernement de son pays. Quelle que soit l’opinion politique du préfacier, une introduction risquerait de fausser le sens tout à fait general de l’oeuvre, en la teintant d’une couleur politique. (carta de 23/12/1939)

António Ferro representa Salazar na assinatura do contrato com a Flam- marion, que ocorre em janeiro de 1940. Há ainda um passo que merece ser relatado e que sublinha o entrosamento desta edição com a situação política da altura. As notas finais para o livro (anónimas, mas certamente feitas pelo próprio Gabinete ou pelo SPN) são remetidas à Flammarion em fevereiro, mas Fischer vai sugerir a Ferro que sejam eliminadas, para lhes retirar o tom de propaganda (que o mesmo é reconhecê-lo!) e porque, no seu ataque às de- mocracias, estão desajustadas da hora …

[…] Le livre, tel qu’il se presente actuellement, garde son air important et neces- saire d’ouvrage de politique générale, de politique européenne. Les notes en question – notes anonymes – lui donneraient un ton de propagande qui en atté- nuerait la portée, et en fausserait le sens. […] Il existe, en effet, à l’heure actue- lle, dans ces notes, un certain nombre de jugements sévères sur l’organization et le gouvernement des Démocraties. Or ces jugements sont anonymes. Une

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Censure de guerre porrait-elle envisager de viser ainsi ces affirmations sans vi- sage et sans responsable.

O lado português concorda e a edição sai sem notas em maio de 1940, pouco antes da ocupação de Paris pelas tropas alemãs… A divulgação é cui- dadosamente preparada, tanto entre personalidades como para jornais e re- vistas. Até este momento não há referências, do lado português, à situação política que se vivia. Mas o último conjunto de documentos analisados vai mudar este alheamento. Assim, Paulo Osório, agora Adido de Imprensa da Legação de Portugal na França ocupada15, pede instruções a Ferro sobre se

deve fazer propaganda do segundo volume dos Discursos (30/8/1940). A res- posta é curiosa: a propaganda “só seria útil na França não ocupada, onde estão a estudar-se as reformas políticas daquele país”. Todavia o SPN faz insistentes pedidos à Flammarion, que entretanto se mudara para Lyon, e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) português, no sentido de aquela enviar exemplares dos dois volumes para Lisboa, onde os livros estavam es- gotados, mas agora se revelam necessários “para a acção deste Organismo e, especialmente, para serem fornecidos a individualidades estrangeiras que pretendem traduzi-los para línguas em que ainda o não estão” (carta de Silva Dias ao MNE, por ordem de Salazar, 3/1/1941). O MNE deveria ordenar que, ou na França livre ou na ocupada, se fizessem todos os esforços para mandar vir os exemplares para Portugal. O SPN não se coíbe sequer de, perante a editora francesa, lembrar os termos do contrato, como se a situação não fosse de exceção… As insistências prolongam-se pelo menos até maio de 1942, e o argumento (a pensar no interesse comercial) da passagem de muitos estran- geiros por Lisboa (na verdade refugiados, como se sabe) também é invocado. A editora francesa chega a equacionar fazer uma segunda edição das obras…

Os dois volumes da tradução francesa, mas sobretudo o primeiro volume, viria a revestir-se de grande significado, já que o próprio Salazar, embora pre- ferisse sempre as traduções a partir do original (muitos testemunhos o pro- vam), quando tal não era possível recomendava sempre a edição francesa por considerá-la a mais próxima do seu texto. Além disso, a escolha dos textos do primeiro volume seria retomada por outras edições que se serviram do francês como língua intermédia: as edições italiana, espanhola, grega, romena, sérvia

Salazar traduzido: sobre tradução e poder no Estado Novo (1933-1950) e japonesa, e mesmo a inglesa. No entanto, o SPN, sempre em ligação com o gabinete de Salazar, insistia no acrescento de discursos mais recentes, pró- ximos da data da edição em causa (como aconteceu com o segundo volume francês).

5.2. A tradução inglesa: Doctrine and action (1939)16

Não há uma prova documental sobre o verdadeiro iniciador desta tradução, mas é certo que foi em 1937. Pode ter sido o embaixador Armindo Monteiro, a Casa de Portugal em Londres, ou até o inglês residente em Portugal, Aubrey Bell, considerado um fiel amigo do país e que acabaria por traduzir um dos dis- cursos e rever a tradução de outros. A escolha, em 1937, do tradutor, Robert Broughton, que trabalhava na BBC, fora precedida de um teste feito na Casa de Portugal em Londres, que deixou uma impressão muito favorável sobre a qualidade e a elegância do inglês. Confirmada a colaboração, Broughton pede que lhe sejam enviados tanto o texto português como o francês, e não pede mais de 80 libras pelo trabalho. Segundo carta da Casa de Portugal a Ferro, de 17 de setembro de 1937, Broughton sabia bem português. A tradução terá sido feita ao longo do ano de 1938, pois data do início de 1939 corres- pondência do SPN com Broughton sobre discursos tanto a incluir, como a eliminar (por exemplo “O exército e a revolução nacional”). O outro destinatário da correspondência do SPN e de Ferro com Inglaterra é T. S. Eliot, diretor, na altura, da Faber & Faber, a editora que publicaria a tradução. O próprio Ferro afirma em carta ter tratado com Eliot das condições para a publicação e o SPN acabaria por concordar, em fevereiro de 1939, que Eliot fizesse a revisão dos discursos. Previamente, porém, as traduções tinham sido revistas em Lisboa (carta de Silva Dias à Casa de Portugal, de 27 de agosto de 1938), o que pa- rece indiciar a insatisfação da editora com o trabalho de Lisboa… O SPN, en- tretanto, mantém vigilância apertada sobre as traduções: existem várias cartas à editora inglesa com pedidos de correções. Também há correspondência de Silva Dias com a Casa de Portugal: ainda em 30 de setembro de 1939 Silva Dias envia-lhe lista com pedidos de correções que pretende que a Casa de

16 O dossier sobre esta edição encontra-se no FSNI, Cx 4226, embora também haja docu-

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Portugal faça chegar à editora e ao tradutor. Vimos na documentação inclusive o índice analítico da obra, com correções.

O contrato entre Salazar e a editora foi assinado em maio de 1939 (existe cópia do contrato que, aliás, merece uma atenção mais detalhada). Está aqui dito expressamente que Salazar “forneceu aos editores, sem encargos, uma tradução inglesa da dita obra”, mas por outro lado recebeu direitos de autor. A divulgação da obra em Inglaterra ocorreu por recensões (por exemplo em

The Times, 18/9/1939: “The Non-totalitarian Dictator. Principles of Portugal’s

ruler”), e oferta a lista de personalidades elaborada pela Embaixada, contendo um total de 47 nomes, deputados, membros do Foreign Office, do Governo, e particulares.17

5.3. A tradução alemã:

Portugal: das Werden eines neuen Staates (1938)18

A (atribulada) tradução alemã teve uma dupla origem. A primeira iniciativa coube a Friedrich Rudolf Knapic, professor do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras e também leitor de Alemão da Faculdade de Le- tras da Universidade de Lisboa, que escreve a Ferro propondo a tradução dos Discursos pelos seus dois discípulos, um português, Joaquim Baptista Sabino e Costa, finalista de Filologia Germânica na referida Faculdade, e um alemão, Horst Thimm, romanista e parente de Goebbels, bolseiro do Instituto para a Alta Cultura por troca com o DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Académico). Ambos vivem em Lisboa. Ferro concordou e prometeu aos dois o apoio do SPN. Mas o processo, mesmo estando a tradução quase concluída, levou grande reviravolta, alegadamente porque as negociações com a editora contactada (Essener Verlagsanstalt) se goraram. A verdade, porém, é que foi a Legação da Alemanha a interferir junto de Ferro, por desconfiança em relação a Knapic.19 E ao mesmo tempo que estes contactos decorriam, o germanista

17 Está em preparação [2018] uma tese de doutoramento em Estudos de Tradução sobre

“A tradução dos Discursos de Salazar para língua inglesa. Um contributo para história da tradução durante o século XX e Portugal”, pela minha orientanda Isabel Augusta Chumbo (Instituto Politéc-

nico de Bragança).

18 A documentação sobre esta tradução está no FSNI, Cx 4226.

Salazar traduzido: sobre tradução e poder no Estado Novo (1933-1950) Gustavo Cordeiro Ramos (1888-1974), figura grada do regime que publicara na Europäische Revue, da editora Essener Verlagsanstalt, um artigo sobre o Estado Novo, é contactado por esta editora para obter os direitos de tradução de Une révolution dans la paix. Salazar não aceita a tradução mediada pelo francês, quer que se traduza do original. Foi então que se iniciaram os contac- tos com dois alemães, o lusólogo Joseph Piel (1903-1992), na altura em Trier (carta de 16/9/1937), mas já a viver em Portugal, que passou a ser o interme- diário e o tradutor da edição, juntamente com outro lusólogo, E. A. Beau (1907- -1969) (em Portugal, Coimbra, desde 1930). Estas mudanças revelaram-se embaraçosas para o SPN e levantaram protestos dos tradutores preteridos.20

5.4. A tradução checa21

Na edição checa (profusamente documentada) a iniciativa partiu de quem viria a ser o tradutor, um padre católico (Vilém Opatrny) que fora convidado por um organismo católico de Praga a fazer um discurso na rádio, tendo escolhido como tema Portugal e a obra de Salazar. Nada tendo encontrado nas livrarias de Praga, pede que lhe seja enviado tudo o que haja sobre Portugal e Salazar, em francês, inglês ou alemão, pedido que é satisfeito pelo SPN. Leu os Discur-

sos em alemão e quer traduzi-los. Já encontrou um editor checo “para a obra

de Salazar”, que traduzirá a partir do alemão, auxiliando-se do francês e do inglês; o cônsul de Portugal Joaquim Rodrigues Dias Correia ofereceu-se para acompanhar a tradução e servirá de intermediário, nomeadamente dando in- formações ao SPN/SNI sobre o tradutor, a possível editora e as revistas para as quais Opatrny escrevia sobre Portugal. Opatrny, segundo carta do cônsul, é “Administrador do património do Convento Beneditino de Břevnov, Praga.” Redige e publica uma revista católica, Archy, traduz livros e folhetos do alemão cujo estudo comenta a antologia já publicada, não se referindo à sua génese, pelo que não se socorreu do FSNI.

20 Na altura da escrita deste texto, tinha em preparação um trabalho mais aprofundado sobre

a edição alemã, pelo que nada mais avancei. Entretanto, a investigação foi concluída e o estudo será publicado ainda este ano [2018] pela revista americana Santa Barbara Portuguese Studies, num número especial dedicado à tradução, da responsabilidade dos Profs. Thomas Sträter (Univ. de Heidelberg) e Marcel Vejmelka (Univ. de Mainz). Por razões compreensíveis, não o podemos incluir neste livro.

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e do inglês e vai escrever para a Rozpravy, “revista para o ressurgimento cris- tão” por ocasião do aniversário de Salazar, num número que lhe é totalmente dedicado. O que é necessário é procurar outra casa editora, porque a “Novina” “pertencia ao partido da União Nacional que, depois dos acontecimentos de Março, foi dissolvido”. Os acontecimentos referidos, como é sabido, passam- -se em março de 1939, quando unidades militares alemãs cruzam a fronteira germano-checa, ocupando o país e estabelecendo o Protetorado da Boémia e da Morávia. Neste contexto, é o próprio chefe do Gabinete de Salazar que se dirige ao “Rev.º Guilherme Opatrny”, autorizando a sua tradução, ressalvan- do, porém, que “as circunstâncias mudaram de tal modo que é natural que não continue na intenção de traduzir para a língua checa o livro ‘Discursos’ de Sua Ex.ª”. A 19 de abril de 1939 Opatrny reitera a sua vontade de fazer publicar a tradução que, aliás, afirma ter já concluído e que será publicada na revista católica checa Rozpravy. Apesar de o Gabinete de Salazar, a 4/5/1939, conceder autorização para a tradução, não abre mão da vigilância sobre esta e cita ordens de Salazar no sentido duma “revisão, comparando a tradução com o original português, dada a índole do alemão muito diferente da nossa língua”. O cônsul em Praga, aliás, também ajudaria à revisão, a partir do texto português. Também para esta edição checa foi mandado um discurso recente de Salazar, para acrescentar.

Sabe-se ainda que a fase final da edição se revestiu de algum melindre, já que o tradutor, que tinha querido inicialmente incluir o prefácio da edição alemã, da autoria de Gustavo Cordeiro Ramos (que deu autorização para a tradução, assim como a sua editora alemã), se recusou a fazê-lo quando o leu, “dadas as mentiras históricas contidas no artigo em diversos passos” (carta de 5/7/1939).22 A última carta incluída no processo é de 19 de outubro de 1939,

mas não é conclusiva sobre a efetiva publicação da tradução. E, no entanto, Opatrny enviara para Portugal, antes desta data, vários exemplares de um número da revista Rozpravy dedicado a Portugal e à obra de Salazar, pelo que fica por investigar quais as razões pelas quais a tradução acabou por não sair.

A 9 de julho de 1940 o SPN faz o ponto da situação ao gabinete de Sala-