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Contexto cultural da bioética

No documento Etica Na Saude (páginas 42-46)

PRINCÍPIO DA JUSTIÇA

2.3 Contexto cultural da bioética

Diante de tantos desafios impostos às associações médicas da época, essas não conseguem reagir satisfatoriamente. A arte médica baseia-se, quando mui- to, com diretivas minimalistas do tipo primum non nocere (pelo menos não

lesar) e salusaegroti suprema lex(o bem-estar do paciente em primeiro lugar).

 Aos poucos vai se tornando claro que os problemas assinalados não se limitam à esfera da medicina; na medida em que olham sobre múltiplas áreas do conhe- cimento, a classe médica não consegue dar-lhes encaminhamento adequado. O nascimento da bioética coincide, portanto, com a crise da ética médica tra- dicional, restrita à normatização do exercício profissional da medicina e sem preparo para responder às profundas mudanças no contexto das ciências bio- lógicas. “O fenômeno da bioética” escreve Hugo-Tristam Engelhardt, filósofo e médico texano, apud Heck 2005:

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(...) está associado sob vários aspectos à desprofissionalização da ética médica e sua reconceitualização como disciplina secular, orientada filosoficamente, não dependente dos profissionais de saúde. (ENGEL HARDT apud HECK, 2005)

Os primórdios do novo ramo do conhecimento se confundem com a supe- rexaltação de princípios que, desde tempos mais remotos, se confrontam com as fatalidades da vida, as crueldades do destino e a ternura da morte certa. As duas mais incisivas são obras teológicas que antecedem o estabelecimento da bioética no cenário acadêmico norte-americano. Em 1954, o teólogo protestan- te Joseph F. Fletcherautordo livro Morals and Medicine. The Moral Problems of the Patient Rightto Know the Truth, Contraception, Artificial Insemination, Sterilization, Euthanasi a. O texto é considerado o primeiro no campo dos di-

reitos dos pacientes e antecede grande parte da problemática assumida pela bioética. O segundo livro, intitulado The Patient as Person. Exploration in MedicalEthics, lançado em 1970 pelo teólogo protestante Paul Ramseys, é tido como texto propedêutico básico à bioética. (HECK, 2005)

Dessa maneira, acredita-se que tanto a bioética cotidiana como a bioética da proteção demostram-se referenciais de análise consistentes para produzir uma reflexão. A bioética cotidiana busca refletir sobre as situações da vida co- tidiana que envolvem a sociedade e que são permanentemente ocultadas, omi- tidas ou negligenciadas. Na bioética da proteção se preocupa com as questões relativas ao fortalecimento das ações que visam à proteção da qualidade de vida e da saúde humana. Nos dois modelos referenciais da bioética, se apresentam e se aproximam, quaisquer que sejam, os princípios da responsabilidade e da autonomia. (VERDI, CAPONI, 2005)

 A bioética foi o campo da ética aplicada que mais avançou nas últimas déca- das. Em seu processo evolutivo construtivo, três referenciais básicos a susten- tam em seu estatuto epistemológico:

1. uma estrutura multiintertransdisciplinar, que torna possível análi- ses ampliadas e “reorganizações” entre variados conteúdos de conhecimen- to e diferentes ângulos das questões observadas, a partir da interpretação da complexidade:

a) do conhecimento científico e tecnológico; b) do conhecimento socialmente acumulado;

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2. a necessidade do respeito ao pluralismo moral instalado nas democra- cias secularizadas pós-modernas, que baseia a busca de equilíbrio e observân- cia aos referenciais de sociedade específicos que orientam pessoas, sociedades e nações no sentido da necessidade de convivência harmônica e sem superpo- sições de padrões morais;

3. a compreensão da impossibilidade de existência de paradigmas bio- éticosuniversais, o que levaria à necessidade de (re)estruturação do discur- so bioético a partir da utilização de ferramentas e/ou categorias dinâmicas e factuais como a comunicação, linguagem, coerência, argumentação e outras. (GARRAFA, 2005)

 Além de todo esse contexto que estudamos, devemos entender o contexto cultural e social em que estamos inseridos. Agora vamos estudar três modali- dades que exercem grande influência na reflexão ética: o individualismo, o he- donismo e o utilitarismo.

2.3.1 Individualismo

O individualismo coloca que a atitude mais importante para tomarmos uma decisão seja a reivindicação da liberdade, alinhada à garantia incondicional dos espaços individuais. Claramente todos concordam que a liberdade é um bem moral que precisa ser defendido. Porém, especialmente nesse caso, trata- se de uma liberdade que se resume à busca de uma independência total. Dessa maneira, se partirmos do princípio que nós somos seres sociais, frutos de rela- ções familiares e dependentes de vínculos sociais, essa independência torna-se impossível. Essas relações limitam as liberdades individuais e colocam respon- sabilidades diante das consequências dos atos individuais na vida dos outros. Os vínculos nos fortalecem, a independência nos fragiliza. Quando falamos de “liberdade” logo devemos considerar a “responsabilidade” dos nossos atos. (JUNQUEIRA, 2011)

 Assim, consideramos que a liberdade de escolha do indivíduo é o valor maior que deve ser respeitado. Qualquer situação que interfere na liberdade do sujeito é considerado incorreto. (PUPLAKSIS, 2011)

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2.3.2 Hedonismo

 A lógica hedonista defende que a supressão da dor e a extensão do prazer cons- troem o sentido do agir moral. Quando se fala em suprimir a dor e estender o prazer, em um primeiro momento, pode parecer algo positivo. Os problemas surgem quando essa busca se torna o único referencial para todas as nossas ações. Este é o hedonismo. Reduz o desejo de felicidade a uma perspectiva de nível físico, material, sensorial. (JUNQUEIRA, 2011)

Nalini 2009 p. 44, considera que no hedonismo, a felicidade está no prazer, sendo ele sexual, no exercício da atividade intelectual ou artística ou na fruição da tranquilidade tirada do deleite. Na sociedade em que vivemos atualmente, é considerada hedonista porque troca todos os demais objetivos pela busca in- cessante pelo prazer.

No pensamento hedonista, quando não é possível encontrar o prazer, é preciso suprimir a dor a qualquer custo, ficando pelo menos, anestesiado. Por exemplo: pelas drogas (cocaína), que não trazem a felicidade ao usuário (muito pelo contrário, lhe cria muitos problemas), mas o tiram da realidade. E este es- tar anestesiado não é suficiente para manter o sentido de viver do sujeito, para ser feliz não é necessário uma constatação vinda de muita reflexão, mas uma realidade que qualquer um pode ter. (PUPLAKSIS, 2011)

Nesta lógica hedonista, vivemos com bem somente quando é possível viver como os personagens das novelas da televisão e das revistas: jovens “sarados” e bonitos; este é o estereótipo do hedonismo. Mas todos tem que ser assim? E quem não é, não são pessoas dignas? Não têm valor como pessoa humana? É claro que têm! Exatamente por este motivo, essa corrente de pensamento deve ser analisada com extremo cuida- do, para que ela não se torne o único sentido do nosso agir moral!

2.3.3 Utilitarismo

No utilitarismo, o parâmetro utilizado é a relação custo/benefício. Ou seja, nes- se contexto, o lucro e o prejuízo banalizam as ações morais, pois as ações e as relações são baseadas mediante os interesses, geralmente financeiros, do indi-  víduo. (PUPLAKSIS, 2011)

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Em relação a esse parâmetro custo/benefício, Sgreccia 1996, p. 74 relata: “Mas esse princípio não pode ser usado como único e fundamental, “compa- rando” bens não-homogêneos entre si, como quando se compara os custos em dinheiro com o valor de uma vida humana.”

Em um primeiro momento, valoriza-se algo positivo: o justo desejo de que nossas ações produzam frutos. O problema desse raciocínio utilitarista é que, facilmente, entende-se que “só o que é útil tem valor”. Na sociedade capitalis- ta em que vivemos, rotineiramente vemos que nossas ações são determinadas pelo mercado. Isso é, que aqueles sujeitos considerados improdutivos, que representam um custo para a sociedade, que perderam ou que nunca tiveram condições físicas ou mentais para participar do sistema de produção de bens e  valores eficientemente, são classificadas como “inúteis”. É o caso por exemplo dos idosos, dos deficientes físicos, das crianças com problemas de desenvol-  vimento. Na lógica utilitarista, não é viável ou é muito oneroso, defendê-los,

ampará-los, incentivá-los. (JUNQUEIRA, 2011)

E vocês, concordam que vivemos nessas cenas apresentadas acima? Concordam que facilmente nos deparamos com algumas realidades como es- sas e que nos levam a achar tudo isso “normal”, já que é tão rotineiro, como alguns casos de eutanásia por exemplo? Enquanto que nós, como profissionais de saúde, temos o dever de dar a essas pessoas condições suficientes para que sejam respeitadas.

No documento Etica Na Saude (páginas 42-46)