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1.3.6.2 SISTEMAS DE RECOMPENSA

3. POLITICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO

3.3. O CONTEXTO DO MODELO DE ESTADO SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS

“É impossível pensar Estado fora de um projeto político e de uma teoria social para a sociedade como um todo” (Höfling, 2001, p. 32).

Esta afirmação parte do pressuposto que as políticas públicas em geral, e as políticas sociais em particular, estão enquadradas com um determinado tipo de Estado. São formas de o Estado intervir com o objetivo de manter as relações sociais de uma determinada sociedade. Isto implica que as políticas públicas se apresentam com configurações diferentes, consoante a sociedade e a conceção de Estado onde emergem.

Para compreender que tipos de Estado podem servir de suporte à compreensão das PP, por vezes progredindo até às politicas sociais e mais especificamente as educacionais, recorremos aos autores Claus Offe (1984) e Milton Friedman (1977) para aceder respetivamente as tradições marxista (capitalista) e liberal (neoliberal), onde estes autores produziram estudo. Mais do que caraterizar cada tipo de Estado e suas funções, esta análise ambiciona explorar como um tipo de Estado pensa e concebe as políticas.

A tradição marxista é consolidada numa diversidade de tendências e teorias, porém ancorada nas formulações clássicas de Marx no que respeita ao Estado e às suas ações. Na conceção de Marx, o Estado age com o fim último de assegurar a produção e reprodução de condições propícias ao acumular do capital e desenvolvimento de capitalismo. Na diversidade de estudos, alguns autores analisam a viabilidade da ação do Estado capitalista perante disputas e reivindicações dos trabalhadores e dos setores não beneficiados pelo desenvolvimento capitalista.

Offe (1984), é um dos autores que abarca o estudo das possibilidades e limites das ações de um Estado capitalista num contexto contemporâneo. Este autor compreende o Estado numa

perspetiva de classes, que se incluem numa esfera de sociedade que agrega e revela as relações sociais de classe. Nesta esfera ocorrem conflitos resultantes de interesses distintos. Por um lado, a acumulação de capital, e, por outro, as reivindicações dos trabalhadores. Pela natureza conflitual da categorização deste autor, o seu trabalho é considerado polémico (Höfling, 2001), porém também é reconhecido como contemporâneo, na medida em que dilata a dimensão política do Estado com o objetivo de investigar as suas funções no capitalismo atual, renovando as tradições marxistas numa nova conceção de Estado e de mudanças sociais. Verifica-se que, da mesma forma que algumas teorias se atualizam face a novos contextos – por exemplo: neoweberianismo; neoliberal – podemos encontrar em Claus Offe uma teoria neocapitalista.

No âmbito do nosso trabalho, Offe (1984) faculta-nos uma contribuição ao analisar as origens das políticas sociais do novo Estado capitalista no seu conceito de sociedade de classes. O autor concebe o Estado conforme regulador das relações sociais, como forma de manter a relação capitalista enquanto um conjunto, isto é, o capital não se apresenta como dominante nas relações de classe e o Estado liberta-se de agir diretamente sobre o mesmo. Este autor ainda tenta compreender, na sua investigação ao modo de agir do Estado, quais as suas relações de interesse, tal como a origem da política social que o Estado apresenta. O contexto atual com que os Estados lidam, onde são percecionadas tensões entre a acumulação capitalista e a força de trabalho, conduziu a que estes assumissem funções das quais não eram promovedores. Refere Höfling (2001, p. 33), “funções tradicionalmente não sujeitas ao controle estatal e circunscritas às esferas privadas da sociedade – inclusive a Educação – passam a ser desempenhadas pelo Estado”. Numa fase de crise, provocada pelas tensões referidas, o Estado apresenta-se como regulador ou fautor, por forma a manter a relação capitalista no seu conjunto.

A política social apresenta-se nesta conjetura como uma resposta específica a um determinado problema. Clarificando esta ideia, Höfling (2001) evidencia que o Estado age sobre a mão-de-obra ativa com o intuito de a qualificar para as exigências do mercado, tornando-a mais apta a alcançar a tradicional premissa de Marx, assim como tenta controlar a população não participante no processo produtivo, criando politicas e programas sociais.

Compreende-se que o Estado tem de aceitar a existência de uma força de trabalho ativa e de uma força de trabalho passiva, o que significa que “o Estado […] deve assegurar as condições materiais de reprodução da força de trabalho” (Höfling, 2001, p. 34).

A nova realidade, onde interesses de diversas esferas e organismos da sociedade tentam ganhar relevância e confluem na construção de uma nova conceção de Estado, é assumida no trabalho de Offe (1984). Nesta visão de diversos interessados, o autor defende um “novo pacto social” onde se estabeleçam como participantes a política de mercado, os direitos dos cidadãos, e se incorporem grupos comunitários. Consequentemente a política educacional deve ser entendida como um processo dinâmico de trocas entre a força de trabalho e o capital, mais do que a mera qualificação desta força. Em suma, um Estado de tradição marxista numa versão contemporânea, continua a valorizar o capital, porém na sua política centralizadora é assumida a regulação e mediação das relações sociais no seu seio, como forma de manter a dinâmica capitalista no seu conjunto.

Em contraponto com o capitalismo, Adam Smith (1983) com o liberalismo económico, tal como Friedrich Hayek (1977) e Milton Friedman (1977) com o neoliberalismo, apresentam- se alinhados acerca do Estado e as politicas públicas sociais. Para eles, as funções do Estado apresentam a primazia da garantia dos direitos individuais, evitando interferir nas esferas da vida pública, designadamente nas esferas económica e da sociedade. Tenta-se revalidar a tradição liberal que assenta na máxima “menos Estado e mais mercado”, criticando a intervenção estatal e recuperando as virtudes reguladoras do mercado, que se consolidou na década de 70 com a crise do capitalismo. Partindo do desenvolvimento individual, da critica à intervenção do Estado e fazendo apanágio da regulação do mercado, o neoliberalismo almeja o “Bem-estar social”.

Seguindo a mesma opção de Höfling (2001) também consideramos focar-nos em Friedman (1977) neste trabalho, por apresentar formulações explicitas sobre políticas sociais e de educação na sua produção.

Friedman (1977) suportado nos fundamentos do individualismo, defende a iniciativa individual como estruturante da atividade económica, compreendendo o mercado como

regulador da riqueza e da renda. Surge a expressão “capitalismo competitivo” para revelar a ideia que cabe ao Estado promover as condições à competitividade individual – desempenhada por indivíduos ou empresas privadas em livre mercado – e a sua intervenção, para além disso, comporta riscos que a vida em sociedade pode sentir se existir intervenção estatal.

Para os neoliberais, o livre mercado é “o grande equalizador das relações entre os indivíduos e das oportunidades na estrutura ocupacional da sociedade” (Höfling, 2001). Decorre daqui que as políticas (públicas) sociais, que na conceção capitalista são uma resposta aos desequilíbrios gerados pela acumulação capitalista, apresentam-se como entrave ao desenvolvimento dessa acumulação e responsáveis pela atual crise que vivencia a sociedade. Coerente com o pensamento neoliberal, a Educação pública não deve ser concretizada pelo Estado, em termos universais e padronizados. Para os neoliberais, uma oferta estatal de escolarização atenta contra as liberdades individuais, comprometendo a livre escolha que os pais devem ter em relação à educação que desejam para os seus filhos. Daqui decorre que a visão neoliberal contraria a posição capitalista, na medida em que não defende a centralização.

Suportado na convicção que o mercado pode apresentar modelos educacionais mais diversificados, e logo adaptados ao individuo, assim como na posição que os setores que não usufruem da Educação não devem ser honorados com os seus custos, as teorias neoliberais propõem que o Estado divida ou transfira as suas atribuições com o setor privado. Esta posição assenta na possibilidade que as famílias passem a ter livre escolha na Educação dos seus filhos, e no fator competitividade entre serviços disponibilizados pelo mercado, como mecanismo de incremento da qualidade da oferta (Höfling, 2001). Paralelamente, esta teoria ainda suporta a transferência, pelo Estado, da responsabilização de concretizar as politicas sociais, como um meio de maximizar a eficiência administrativa e minimizar os custos.

Nesta teoria o Estado continua a garantir a sua responsabilidade financeira no direito à Educação, pelo que esta é feita através de cupons, a quem solicitar “comprar” no mercado os serviços educacionais que julgue mais adequados à sua expectativa e necessidade,

sabendo os cidadãos que se o custo da Educação que desejam for superior ao valor do cupão atribuído serão as famílias a suportar essa diferença (Höfling, 2001).

Em Portugal este sistema nunca esteve em vigor, contudo regista-se uma iniciativa da coligação PSD/PP no mandato de 2011/2015. Apresentaram o documento Guião de Reforma do Estado (2013), onde inscreveram um capítulo intitulado “Educação: propostas de autonomia, liberdade de escolha e escolas independentes”. Numa das propostas, propõe-se que “o Governo deve preparar a aplicação do chamado ‘cheque- ensino’, como instrumento de reforço da liberdade de escolha das famílias sobre a escola que querem para os seus filhos” (p. 74). A proposta deste documento, no conjunto das soluções que sugere, é indicadora que o caminho pretendido na altura era o da descentralização das ações do Estado, contudo não conseguimos identificar na atualidade a concretização destas orientações.

Os neoliberais, como explica Höfling (2001), compreendem que o Estado deve apresentar ações descentralizadas no que respeita a política educacional, em articulação com o setor privado, permitindo que cada individuo encontre o seu espaço de acordo o seu mérito e possibilidades, dentro da estrutura social onde se insere. Para os indivíduos cujas capacidades ou escolhas individuais não atinjam o progresso social, um Estado de teor neoliberal apresenta ações e estratégias sociais governamentais de âmbito compensatório e focalizado. Esta ação não ambiciona nem apresenta poder de alterar as relações estabelecidas na sociedade, apenas se propõe a resolver um problema da comunidade. Ao analisarmos modelos de Estado, aqui capitalismo versus neoliberalismo, ficamos com a ideia que as teorias partiram de determinados pressupostos fundadores e foram sendo revisitadas e atualizadas por autores ao longo de décadas. Será, porém, difícil na complexidade que os Estados enfrentam atualmente, estabelecer uma relação perfeita entre um Estado e um modelo de Estado proposto por uma teoria.

Afonso (2003) reconhece que o Estado, enquanto sujeito histórico e político, continua a existir num mundo que parece ter diminuído a sua ação, pelo que uma teoria de Estado atualizada se impõe. Este autor considera nos seus estudos que um vetor que tem sido

determinante na definição de políticas de Educação é a conceção de Estado-nação. Contudo a diminuição da capacidade do Estado ainda deixa sentido para invocar esta teoria, cuja capacidade explicativa se suporta na autonomia da decisão do poder político?

O autor referido, apresenta dúvidas quanto à capacidade explicativa das teorias de Estado existentes e considera necessária uma redefinição contemporânea de teoria de Estado. Uma conceção capaz de explicar os limites e possibilidades da sua ação num contexto atualizado de condicionantes mega estruturais. Para justificar esta necessidade o autor ainda reúne argumentos, tais como: coexistência de vários centros de poder e sistemas de autoridade, próprios e externos ao país; o Estado é mediador e integrador de um conjunto de organizações e fluxos que tentam integrar elementos estatais e não estatais, nacionais e transnacionais; o Estado mantém-se embora a sua centralidade, responsabilidade e visibilidade estejam a diminuir; e as políticas neoliberais que colocam o Estado numa posição privilegiada de regulador, não lhe retiram ou diminuem o poder de intervenção. Subsiste uma visão híbrida entre diversos modelos de Estado e a necessidade de definir uma visão contemporânea deste.