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1. GESTÃO ESTRATÉGICA DE RECURSOS HUMANOS

1.2. GESTÃO DE PROFESSORES NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A especificidade da administração pública (AP) face à administração privada, reside no contexto político em que a primeira atua. A administração pública procura a satisfação de necessidades coletivas, o que a coloca na dependência do poder político. Já o setor privado sente os seus constrangimentos por via do mercado e das suas leis.

As diferenças entre os serviços públicos e privados resultam de fatores únicos e específicos inerentes às organizações públicas e que restringem a sua descrição, estrutura e estilos de gestão. Tais fatores incluem: o controlo por políticos eleitos; o enquadramento legal, destinado especificamente aos serviços públicos; a responsabilidade perante uma série de garantias do interesse público. (Bilhim, 2006, p. 119)

Percebe-se que variáveis como o tamanho, a complexidade, a natureza hierárquica ou o grau de (des)centralização não sejam relevantes para distinguir organizações públicas e privadas. Refere Bilhim (2006) que as diferenças entre os setores se encontram ao nível de enquadramento. Porque a administração pública se desenvolve num contexto particular e específico de limitações, colocadas pelo caráter jurídico-político que a envolve. Reservamos a discussão da natureza política da AP para o terceiro capítulo, e prosseguimos pela abordagem da supremacia do direito sobre o setor público.

A GRH no setor público convive com as mesmas condições do setor onde se desenvolve. Tal como a AP, a GRH tem sofrido algumas transformações ao longo do tempo. Desde um período anterior a abril de 74, até a atualidade, é possível identificar várias fases (Rocha, 2010; Teixeira 2012) pelas quais a GRH tem decorrido. No âmbito do estudo em causas revela-se de interesse atender ao período posterior a 2002.

A AP adotou os moldes europeus em 2003, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 95/2003, de 30 de junho. Pretendeu-se “racionalizar e modernizar as estruturas, reavaliar as funções do Estado e promover uma cultura de avaliação e responsabilidade, distinguindo o mérito e a excelência”. Percebe-se uma influência da Nova Gestão Pública na reforma que se introduziu, “nomeadamente através de preocupações expressas com a racionalização de custos, a aproximação do setor público ao privado, e a procura de uma maior eficiência.” (Teixeira, 2012, p.37)

Este modelo de reforma é considerado o maior processo de mudança organizacional da AP desencadeado no país, com influência direta na GRH. Todavia, a modernização (racionalização administrativa) requerida é vista como uma mudança induzida de forma

exógena a Portugal. Compreende Bilhim (2006) que o impulso de mudança é imposto pelo exterior, e, se tal não existisse o mais certo seria imperar a racionalidade política. Expõe-se, por conseguinte, uma AP – e uma GRH em particular – que responde a estímulos externos, em detrimento de apresentar uma visão, ou estratégia própria.

No período pós 2002 a literatura identifica dois momentos significativos: em 2006, com a criação e implementação do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE); em 2008, com a nova regulação sobre os vínculos, carreiras e remunerações dos trabalhadores do Estado, pela Lei n.º 12-A/2008 de 27 de fevereiro.

O primeiro tem como objetivos: modernizar e racionalizar a Administração Central; melhorar a qualidade dos serviços prestados pela Administração aos cidadãos, empresas e comunidade; colocar a Administração Central mais próxima e dialogante com o cidadão. Com o PRACE compreende-se a chegada de um modelo de gestão por objetivos. Identificam- se e descrevem-se objetivos a atingir num determinado prazo de conclusão, abordando também a avaliação e monitorização das tarefas (Nunes, 2009).

A gestão por objetivos, para Araújo (2008), apresentou a capacidade de introduzir uma lógica estratégica na gestão dos organismos públicos. Uma associação evidente dos objetivos e resultados esperados alteraram o funcionamento da organização e o comportamento das pessoas. Sugere o autor que o PRACE foi catalisador de forças comum entre a organização e os seus ativos humanos.

Como consequência, surgiu a necessidade de criar um instrumento de avaliação de desempenho, o Sistema Integrado da Avaliação de Desempenho da Administração Pública (SIADAP), aprovado pela Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro. “Este instrumento procura avaliar os trabalhadores, os dirigentes e os organismos numa lógica sistémica e de modelo global de avaliação, que assenta num sistema integrado de gestão por objetivos ao nível estratégico, tático e operacional” (Mendes, 2012). Sugere-se, pelo menos ao nível da lei, uma coerência entre os resultados individuais e os resultados organizacionais, isto é, uma aproximação da GRH ao paradigma estratégico.

O segundo – Lei n.º 12-A/2008 – veio alterar a forma de planeamento de RH. As organizações públicas passam a olhar para as suas necessidades de recursos humanos com base num horizonte temporal de um ano, numa relação entre as atividades necessárias e a existência de um orçamento.

O vínculo dos trabalhadores do Estado também é alterado, numa aproximação aos termos legais que vigoram no setor privado. Desta forma, os trabalhadores do Estado perdem a proteção do vínculo efetivo e ingressam nos contratos de trabalho por tempo indeterminado, tal como surgem as modalidades de contrato a termo resolutivo certo ou incerto.

Além do vínculo, as carreiras e categorias foram alteradas. Promoções e remunerações passam a estar dependentes da avaliação de desempenho e da iniciativa da gestão, condicionadas pela orçamentação disponível. As inúmeras carreiras foram reduzidas a três categorias: técnico superior; assistente técnico; assistente operacional. As quais passam a seu auferidas por via uma tabela remuneratória única. Como exceção, juízes e militares mantiveram as suas tabelas remuneratórias.

A nova AP – um novo serviço público, com sentido de missão (Bilhim, 2006) – pretendida pelas iniciativas de governo contém em si uma nova visão ao nível da GRH, tal como alguns desafios, suportados em determinados aspetos inovadores: servir cidadãos e não clientes; procurar o interesse público; valorizar a cidadania e não a capacidade empreendedora; pensar estrategicamente e atuar democraticamente; prestar contas; valorizar as pessoas e não apenas a produtividade; servir mais que mandar (Bilhim, 2006; Teixeira, 2012).

A visão sobre a GRH altera-se com os novos processos e práticas que a legislação definiu. Espera-se que os professores, enquanto funcionário públicos, tenham também sentido alterações na sua gestão, mas esta classe profissional tem um regime especial. Pela condição da Autonomia Regional, os professores a exercer em estabelecimentos públicos de ensino da Madeira têm ainda o nível de legislação/regulamentação regional.

Na Região Autónoma da Madeira, o órgão de poder político com a tutela da gestão de pessoal docente é a Direção Regional de Inovação e Gestão (DRIG). Direção que funciona na dependência hierárquica da Secretaria Regional de Educação (SRE) e do Governo Regional. Na lei orgânica da DRIG – Decreto Regulamentar Regional n.º 5/2016/M – podemos ler a missão (artigo 2.º) desta instituição numa relação anunciada entre os recursos humanos e a organização:

A DRIG tem por missão criar condições políticas, legais e técnicas para o desenvolvimento da administração e gestão das organizações escolares, com foco na gestão sistémica e integrada de recursos humanos, promotora de uma educação sustentada no conhecimento e na inovação. Do artigo 3.º transcrevemos algumas alíneas, as que evidenciam uma relação das atribuições da DRIG num sentido de coerência estratégica dos professores com as escolas. a) Promover as politicas de desenvolvimento da administração, gestão e valorização de recursos humanos definidas para a administração pública regional no quadro da Secretaria Regional de Educação, abreviadamente designada por SRE, coordenando e apoiando os seus serviços na respetiva implementação [...]; c) Harmonizar a política geral da Administração Pública com as medidas a adotar nas áreas docente e não docente dos estabelecimentos de educação e ensino da Região Autónoma da Madeira, abreviadamente designada por RAM, emanando orientações em sede de recursos humanos e remunerações e procedendo ao respetivo acompanhamento;

d) Prosseguir a política de estabilidade dos mapas e quadros de pessoal dos estabelecimentos de educação e ensino da rede pública e privada, das instituições particulares de solidariedade social com valência na educação e das escolas profissionais;

e) Promover ações que visem a produção de conhecimento e inovação, sustentada numa gestão integrada e sistémica do capital humano da SRE;

Mais que expor uma coerência pretendida, o texto revela uma gestão de recursos humanos docentes desenhada a dois níveis, o político/administrativo e o escolar.

Por um lado, o diploma de autonomia e gestão escolar da RAM (Decreto Legislativo Regional n.º 21/2006/M, de 21 de junho, que veio alterar o Decreto Legislativo Regional n.º 4/2000/M, de 31 de janeiro) estabelece no que respeita à gestão de recursos humanos a competência da direção executiva escolar: “distribuir o serviço docente e não docente” (alínea f, do ponto 2, do 15.º artigo); e “proceder à seleção e recrutamento de pessoal docente e não docente, salvaguardado o regime legal de concursos” (alínea j, do ponto 2, do 15.º artigo).

Por outro,

(...) as escolas estão dependentes das orientações emanadas pela [DRIG] no respeitante aos aspetos mais relevantes da gestão dos seus recursos humanos, como por exemplo, o recrutamento e seleção, a remuneração e a avaliação do desempenho. A [DRIG] funciona então como uma organização reguladora da aplicação das políticas emanadas pela [SRE] e, às escolas, compete colocá-las em prática dentro do seu restrito campo de autonomia, principalmente, no que concerne a assuntos relacionados com a Gestão dos seus Recursos Humanos (Costa, 2011, p. 29). Pelo exposto, coloca-se a administração central e a escola em confronto, de forma a definir qual a entidade mais apropriada para desempenhar determinados processos de gestão de recursos humanos docentes. Nesta disputa, o papel da escola sobre a gestão dos professores parece apresentar-se diminuído. Isto é, “a gestão democrática das escolas, constitucionalmente consagrada, coexiste com uma administração centralizada do sistema escolar que, por definição, impede o carácter democrático da gestão escolar ou reduze-o às suas dimensões formais, indispensáveis e mínimas” (Lima, 2007, p. 41).

Porém, parece existir a noção política que uma gestão estratégica dos seus recursos humanos desenvolvida nas escolas, podem colocá-las em melhores condições de alcançar o sucesso dos seus alunos, pelo que se concedeu às escolas uma margem de capacidade para

recrutar/selecionar os seus professores. Como se poderá constatar pelos pontos 1 e 2, do artigo 9.º, da Portaria n.º 202/2017, de 16 de junho, os quais se transcrevem:

1- Os órgãos de gestão das escolas podem solicitar a requisição de docentes de carreira que possuam a formação, experiência e competências profissionais adequadas à concretização do seu projeto educativo e ao desenvolvimento de projetos conducentes à melhoria do ensino e das aprendizagens.

2- As requisições referidas no número anterior têm como limite 15% dos docentes de carreira em exercício de funções no ano escolar anterior ou o número total de docentes em mobilidade na escola no ano escolar anterior.

As produções legais/regulamentares regionais sobre a gestão escolar em geral e a gestão de recursos humanos são várias. Podemos no sítio institucional da DRIG - www.madeira.gov.pt/drig - aceder ao inventário de legislação que respeita aos professores por forma direta ou indireta. Subdivide-se a lista de 32 documentos de legislação aplicável em: geral; organização no trabalho; recrutamento e seleção; formação; processamento de abonos; férias, faltas e licenças.

Uma vez que neste capítulo abordaremos adiante a discussão de alguns processos e técnicas de GRH, alguns dos quais constantes na enumeração antes feita, não procedemos a uma análise do direito produzido nestes domínios. Todavia, extrai-se do Estatuto da Carreira Docente da Região Autónoma da Madeira a ideia que uma gestão de recursos humanos docentes definida pela RAM coloca os professores e as escolas numa ação harmonizada: “O Estatuto da Carreira Docente da Região Autónoma da Madeira, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 6/2008/M, de 25 de fevereiro, assumiu-se como um documento valorizador da função docente e da escola pública no quadro do Sistema Educativo Regional” (Decreto Legislativo Regional n.º 20/2012/M, de 29 de agosto, p. 4866).

Pelo exposto, percecionamos a gestão de um sistema subjugado pela supremacia do direito. Reservamos para o capítulo de Políticas Públicas de Educação a discussão da influência da natureza Política sobre a gestão de recursos humanos docentes, não desprezando que a

própria primazia do direito possa encerrar nos seus instrumentos uma visão da natureza Política.