• Nenhum resultado encontrado

1. AYAHUASCA E RUPTURAS COM A EPISTEME OCIDENTAL

1.2 Contra-colonização e magistério da Ayahuasca

Sabe-se do atroz extermínio que o processo de colonização europeia promoveu no continente americano. Em 150 anos de contato com os europeus restavam apenas 5% da população que habitava o território (Luna, 2011). Vitimados por doenças trazidas pelos europeus, pelos maus tratos ou assassinados cruelmente pelos colonizadores, povos inteiros desapareceram. A voz de todo esse sangue ainda clama junto à terra e chega até nós como exigência de uma reestruturação nos modos de condução de nossas relações. Nossa voz estará manchada de sangue e vergonha enquanto se fizer a partir do massacre e da negação das vozes com as quais nos relacionamos. Continuaremos a produzir a nossa desgraça e a alheia enquanto essa visão de mundo persistir, e no núcleo de nossas enunciações habitarem somente as nossas imagens e nossa autopromoção em detrimento do outro. Permaneceremos, desse modo, pobres de mundos e inclinados a violentar os mundos outros pelos quais poderíamos nos multiplicar.

Quisera o destino que fossemos herdeiros dessa voz que cala, afugenta e violenta, da qual a academia e a ciência ocidental em sua expressão moderna são tributárias. Permitiu também que fossemos atormentados por todas essas outras vozes que condenamos ao limbo, a fim de que acertássemos nossas contas e instaurássemos um tempo em que nossa voz seja aporte para as vozes com as quais nos relacionamos.

Será preciso, cedo ou tarde, abrir mão desse insensato privilégio a que nos arrogamos, para dialogar simetricamente com as vozes que por tanto tempo não tivemos ouvidos para dar. Necessário se fará aprender novamente a ouvir- se, já que um dia o soubemos – visto que chegamos ao ponto de nos fazermos surdos para o que está ao nosso redor, pois, nossa ruidosa voz cala a tudo, e, como Narciso, fomos capturados por nosso próprio canto. De tal modo que ouvir (silenciar para “outrar-se” em voz alheia) constitui perigo fundamental ao encanto de Narciso. Que o pequeno éthos do saber europeu esperneie, mas o fato é que, hoje, não são só as vozes humanas que reclamam por um ajuste de contas, é a

43 própria terra que cobra por um diálogo soterrado pela arrogância que nos tem sido característica.

A princípio, visualizamos a necessidade de uma contra-epistemologia que abrigue a proliferação de tais vozes silenciadas, de um saber que opere na sua contra-mão, relacionando e hibridizando-se com noções que por vezes lhe são contra-intuitivas e mesmo impensáveis, mas que possam ser colocadas em processos de mútua apreensão e alteração, operando uma mão dupla de lógicas e mundos.

Citemos, como um dos esforços que vem sendo realizado nesse sentido, o caso do antropólogo Viveiros de Castro (2002, 2011), que abriga em suas elaborações teóricas saberes oriundos dos povos indígenas com os quais se relacionou. Em vez de se sobrepor a tais saberes, de sobrecodificar, explicá-los segundo a lógica de sua disciplina, opera nela uma inserção do outro, que acaba por indiscipliná-la. Ocorre que, com esse tipo de procedimento que Viveiros de Castro adota, são as vozes desses grupos outrora silenciados que penetram e alteram as nossas. Uma espécie de contra-colonização epistêmica vai sendo tramada. A distinção entre conhecimento científico e conhecimentos tradicionais, sujeito pesquisador e nativo pesquisado, ciência do colonizador e crenças do colonizado, com privilégios, é claro, sempre para os primeiros, vai sendo desfeita e uma nova possibilidade relacional se desenhando.

Tal caso é ainda particularmente interessante aqui, pois não somente as vozes desses povos ganham espaço em nosso mundo, mas também as vozes que esses povos ouvem e se relacionam, os seus mundos. Talvez a mais candente configuração que Viveiros de Castro faz passar ao nosso mundo, como que o virando de cabeça para baixo, é a que ele chamou de perspectivismo ameríndio (2011). Em nossa concepção ocidental moderna a humanidade vive sobre a base comum da natureza, sendo esta, o campo dado a partir do qual o homem se instaura como homem, produzindo cultura. No caso do perspectivismo ameríndio, o que é o fundo comum a todos os seres, não é mais a natureza, porém a humanidade. Os animais, as plantas e os outros seres são como homens que se transformaram em formas de vida da fauna e da flora, vestidos com tais roupagens, mas que guardam ativas suas qualidades de humanos. Inversamente, para nós ocidentais, as qualidades instintivas, não

44 culturais e, por assim dizer, naturais, permanecem vivas e escapam, aqui e acolá, ao cerco cultural que construímos. É como se as plantas, os animais, os rios, entre outros, fossem humanos vestidos de plantas, animais, rios; assim como somos, essencialmente, natureza vestida das mais variadas culturas. Desse modo, enquanto nós ocidentais vivemos em um mundo configurado entre uma natureza e várias culturas, o que se coloca no mundo do perspectivismo ameríndio é a existência de uma cultura ou de uma humanidade para várias naturezas.

Há uma série de implicações que advém dessa teoria. Recortemos, porém, o que interessa em nosso direcionamento. Nessa concepção, a de que no fundo somos todos humanos, está implícita a ideia de que, o que tomamos por matéria inerte, movida por um automatismo do instinto ou por leis regulares, desprovida de intencionalidade, consciência ou qualquer indício de subjetividade, ou seja, a natureza, é possuidora também dos atributos que nos caracterizam como humanos. Depreende-se daí que não há uma cisão que coloque os humanos de um lado e a natureza do outro e também que, ambos como humanos, exercem relações onde estão presentes sujeitos por todos os lados. Ocorre que, longe de serem relações românticas de uma edênica fusão do homem com a natureza, são, na verdade, constantes negociações entre os seres e seus pontos de vista. Os xamãs são os seres propriamente indicados para esse tipo de conversação trans-espécie que carrega seus perigos intrínsecos. Eles que transitam nesse fundo comum de humanidade; é ao xamã que as plantas, os animais e outros seres da natureza se apresentam como gente, e é ele o responsável pela negociação entre esses diversos mundos e vozes, o diplomata entre os humanos de seu povo e os humanos outros. Aos não xamãs é recomendada uma prudência especial ante os perigos de tais conversações.

O que eu gostaria de ressaltar dessa operação, em que Viveiros de Castro participa, é que, diante dessa abertura ao saber dos povos que estudou, da infusão que ele opera em nossa concepção ocidental, são outros mundos que nos são oferecidos a experimentar, e, nisso, há um desdobramento duplo que já foi referido mais acima; não são somente as vozes indígenas que ganham possibilidade de passagem em nosso pensamento, mas também as vozes dos

45 animais, dos vegetais, dos riachos e cachoeiras etc. Trata-se de uma operação conceitual que reconfigura nossos possíveis. Temos aqui a possibilidade de repensar um duplo silenciamento que está impregnado em nossos modos ocidentais: o silenciamento dos não-ocidentais e o dos não humanos. Ao mesmo tempo, temos a oportunidade de nos refazer da surdez de Narciso, deitar por terra nossa pretensa superioridade e nos explorarmos antes como potências relacionais que como potências atômicas.

Trouxemos tal encadeamento de ocorrências para inserir a Ayahuasca nesse movimento, pois que a bebida participa de um dos tantos campos de saberes que foram silenciados pela expansão da dupla colonização do mundo ocidental: a dos homens e a da natureza. Sabemos que o uso da Ayahuasca é proveniente de muitas das culturas indígenas do continente americano que foram dizimadas, pertencendo, dessa forma, a um saber duplamente silenciado pela concepção colonial: silenciada do status de sujeito de intencionalidade e saber, já que são somente os homens em tal concepção que são dotados de tais prerrogativas, ou seja, abafada desde o grande divisor moderno Homem/Natureza que sustenta tal paradigma, e silenciada também por, tendo adentrado nos mundos indígenas e participado da formação destes, receber o mesmo tratamento que foi dado aos saberes indígenas, isto é, tratados como não saberes – assim como os nativos foram tratados como não humanos.

O que é necessário para pensar fora de nossas referências modernas é considerar que o mundo natural não é uma matéria inerte e passiva a que o homem dá forma e utilidade, desprovida de consciência e saberes. O homem não é o único ser que pensa, não é dotado de tal exclusividade. Não é necessário um cérebro para pensar. O perspectivismo ameríndio endossa nossa afirmação, revelando-nos um mundo onde tudo é sujeito de enunciação e as agências entre humanos e não humanos são passíveis de se multiplicarem por todos os lados.

A Ayahuasca é um desses casos. Tida como uma planta professora pelos diversos povos indígenas, curandeiros caboclos e religiões híbridas que a utilizam, a Ayahuasca é dotada de intento e saberes próprios pelos quais se relaciona com os chamados humanos e se prolifera por intermédio deles. Sua saga contra-colonial se inicia com a chegada dos espanhóis em nosso continente. Apesar de inúmeras fontes de saber que se manifestavam no mundo

46 indígena terem sido destruídas ou forçadas ao esquecimento, a Ayahuasca conseguiu resistir a ao processo migrando para outros grupos que tradicionalmente não a utilizavam. Pode surgir o argumento de que uma planta, por mais que tenha intento, não teria meios corporais para tal deslocamento. Ocorre que uma planta – há inúmeros casos análogos – pode se utilizar de corpos que tem essa capacidade de locomoção, como os humanos, entre outros. Assim parece ter sido. Antes de continuar a seguir o percurso da Ayahuasca, rumo a sua atual distribuição e disposição, retornemos ao seu provável berço. Segundo Zuluaga:

Após a última glaciação, no pleistoceno, quando as geleiras destruíram as grandes vegetações e espécies animais restaram pequenos refúgios de fauna e flora, a partir dos quais, depois de restabelecidas as condições climáticas, formaram-se os ecossistemas atuais. Na América do sul foram identificados nove desses refúgios, um dos quais está situado na região do rio Napo, na região amazônica equatoriana (Zuluaga, 2002: p.132).

De tal refúgio se originaram os ecossistemas do piemonte amazônico, que se estendem do norte do Peru até o sul da Colômbia. Da região teria surgido a Ayahuasca (o cipó Banisteriopsis). Filha e herdeira de tais acontecimentos, trouxe gravada em sua consistência (ou consciência) a história de uma quase completa aniquilação e posterior ressurgência da fauna e flora terrestre. Testemunha e partícipe de todo um impulso e estratégias para a permanência e proliferação da vida, em uma situação em que parecia estar por um fio, não é à toa a sua adoção por diferentes povos como professora a auxiliar a condução de suas existências. Por outro lado, deve se considerar que, portadora de tamanho saber, ela é quem de fato adota seus aprendizes, para que suas sementes vinguem, com o menor desperdício possível. É de se imaginar que, a um saber de tamanha magnitude, não é dado o direito de ficar estanque nessa ou naquela espécie, sob risco de se converter num tumor que obstrui a circulação da vida em vez de lhe servir de guardiã e facilitadora, como sugere a história deste vegetal. Assim, seus receptores, seus aprendizes não são somente os humanos, mas, da mesma forma, os seres de outras espécies.

47 A Ayahuasca retém em si não só os registros da última catástrofe global e os motivos que a ocasionaram, mas também o aprendizado e o redirecionamento estratégico que a vida tomou para resistir à completa aniquilação; o refúgio de onde ela surge continha os meios pelos quais a vida pôde se reconstituir, que se deu a partir de uma nova diversidade. Pode-se pensá-la como um dos passageiros da Arca de Noé, que estavam a bordo por terem se alinhado aos modos pelos quais seria possível salvar a vida da extinção. Como se, por uma espécie de vidência, pudesse ter previsto, como Noé, o desastre das glaciações e estruturado seu modo de funcionamento dentro das necessidades dessa nova era, tomando os caminhos pelos quais seria possível restaurar a vida sob outras relações.

A peregrinação e o magistério da Ayahuasca estariam, portanto, respaldados por um distante e crucial aprendizado. Esse é apenas um de seus aprendizados que podemos “mensurar”, mas que parece habilitá-la no trabalho que realiza entre os homens. Há, claramente, práticas que fogem a nossa atual órbita de compreensão. Mas, por hora, parece-nos ser o conhecimento mencionado suficiente para que seja-lhe outorgada a seriedade necessária, ainda mais em uma época como a nossa, quando as relações que mantemos com a fauna e a flora parecem ter se desviado de um bom senso de sustentabilidade.

Voltemos para o ponto em que havíamos nos detido, o trajeto contra- colonial da Ayahuasca, que é um dos momentos de sua peregrinação. Na medida em que a colonização avançava na região amazônica, a Ayahuasca se deixa ser adotada por povos indígenas que não a utilizavam mediante o intercâmbio entre esses povos e setores da população mestiça da Amazônia no Peru, Equador, Bolívia, Venezuela, Colômbia e Brasil (Luna, 2011). Tanto na América espanhola como na portuguesa, os colonizadores perseguiram diversos traços da cultura ameríndia a fim de evangelizá-la. Entre eles estão, certamente, as beberagens indígenas e o uso de outras plantas de caráter médico, religioso, pedagógico etc., associando- as à figura do demônio. O Santo Ofício da Inquisição tinha, inclusive, como uma de suas preocupações, para o sucesso da evangelização, impedir a contaminação dos europeus e mestiços pela cultura indígena. Em muitos casos, a execução do plano não foi possível e tais

48 elementos do mundo indígena acabaram por atravessar a fronteira para o mundo dos não indígenas. A Ayahuasca foi um desses elementos.

Se por um lado – o dos colonizadores –, o modo de efetuar suas relações mostrou-se incompetente e com pouca disposição para se agenciar com a alteridade, a não ser sob o modo de exclusão, a Ayahuasca soube migrar para as agências mais favoráveis à sua disseminação naquele momento, e conquistou negros, mulatos, mestiços e espanhóis humildes suscitando o fenômeno conhecido como curandeirismo. Soube acolher e falar através da voz de todos, assim como atuar em suas vidas. Seu modo de se mover é bem distinto do modo europeu; opera antes pela entrega e conexão do que pela auto- afirmação e pilhagem. A partir disso, passou a atuar além das regiões indígenas em que ainda resiste, em espaços urbanos e rurais no Equador, Peru, Venezuela, Bolívia e Colômbia, assimilando o espiritismo, o catolicismo e o esoterismo europeu. De modo geral, os curandeiros foram iniciados no contato com os indígenas (Albuquerque, 2011), porém como traziam em sua bagagem outras referências, a Ayahuasca ensinou também por meio delas.

Através de contatos com tais curandeiros, a Ayahuasca é recepcionada por caboclos e mestiços brasileiros, atraídos para a Amazônia na época do boom da borracha, no início do séc. XX, e se organiza, fenômeno que não ocorreu em outros países, em religiões híbridas como o Santo Daime, A União do Vegetal e a Barquinha. Dessas três, as que mais se expandiram foram as duas primeiras, levando o acesso à Ayahuasca dos caboclos pobres da seringa às classes médias urbanas do sudeste brasileiro, e dessa região para diversos países do mundo. Daí sua migração ganharia o mundo. O Santo Daime hoje é difundido pelos quatro continentes, em pelo menos 43 países: 22 países europeus, 7 países da América do Sul, 3 países asiáticos, 3 países da África, 3 nações do Oriente Médio, 3 países da América do Norte e 2 países da Oceania (Labate & Assis, 2014). Já a União do Vegetal propagada em sete países, conta com 217 núcleos: Austrália, EUA, Reino Unido, Espanha, Holanda, Suíça e Itália.

A estratégia de se organizar no modo de religiões parece ter sido fundamental para sua proliferação, pois, é partir da consolidação de tais instituições que a Ayahuasca passa a ser difundida no mundo como não havia ocorrido até aquele período. É necessário que se diga que o processo de

49 formalização não provém de um ímpeto à rigidez ou à afirmação de um sistema autocentrado, mas a uma plasticidade que permite que sua voz possa ser ouvida apor intermédio das mais variadas referências. Veja-se o caso do Santo Daime: adquiriu um caráter de miscibilidade e porosidade que lhe permitiu a conexão com as mais diversas culturas, potencializando a proliferação de sua voz. Pode- se dizer que a Ayahuasca já está ensinando tão somente pelo modo como o seu conhecimento circula entre os humanos, pelo respeito que consagra às diversas etnias e saberes pelas quais trafega e pela disposição resoluta de assumir uma cultura de tolerância e conexões, sem desfazer das diferenças, antes se aliando a elas, constituindo um novo conjunto de vozes que se movem por cooperação. Diferentemente da colonização européia, a contra-colonização da Ayahuasca é gentil e prima pelo interesse mútuo, entrega-se ao que pensamos, embora cobre de nós uma entrega ao que ela pensa também. O que ela ensina vai assim tornando-se visível em seu próprio caminhar entre os homens.

Existem ainda outras linhas pelas quais a Ayahuasca tem se movido entre os homens. Uma delas diz respeito aos programas de investigação científica, “seja para a busca de substâncias ativas com eficácia farmacológica, seja para elucidar problemas de fisiologia cerebral ou para o emprego com aplicações terapêuticas por parte dos médicos ocidentais” (Zuluaga, 2002: p.135).

Além disso, o movimento religioso, de cunho eclético, conhecido por Nova Era, surgido desde a década de 1960, caracterizado por combinar uma série de religiosidades periféricas às instituições religiosas hegemônicas, provindas da Índia, China, povos ameríndios dentre outros, tem oferecido suporte para explorações e experimentações com Ayahuasca. Pessoas descontentes, não só com as religiões, mas também com as medicinas majoritárias, têm ido ao seu encontro. Isso propicia o surgimento de inúmeros núcleos terapêuticos e religiosos, além de uma rede de turismo que se espalha nas regiões amazônicas a fim de atender a essa demanda (Labate & Assis, 2014).

Vemos então que, da aliança com os povos indígenas, a Ayahuasca recentemente se propôs ao mundo global, ao Ocidente, e se encontra em franca expansão. Esse tipo de proliferação ou colonização vegetal, que se utiliza de outros seres e espécies para se disseminar, não é estranho. Inúmeras espécies vegetais criam frutos e flores com características propícias para seduzir outras

50 espécies e, dessa forma, se reproduzir e espalhar a partir da locomoção que realizam, assim como se utilizam também do vento e da água.

Entre os humanos podemos encontrar não apenas a disseminação física do vegetal Ayahuasca, mas a disseminação de seu saber; aos que se entregam à construção de dessa aliança é permitido experimentar o real do ponto de vista do vegetal e receber seus ensinamentos. Por outro lado, ao vegetal é fornecida a possibilidade de falar e ensinar, deslocar-se e, em suma, tomar modos antropomórficos de se comportar (Gauthier, 2010). Podemos ainda usar a imagem da enxertia para pensar essa relação. Nesse procedimento, duas plantas distintas são unidas passando a formar uma planta com duas partes: o enxerto (o cavaleiro) e o enxertado (o cavalo). A nova planta, híbrida, reuniu informações de ambas. Agora, podemos pensar na relação dos humanos com a Ayahuasca como uma espécie de enxertia, e, pensando na cinética que as imagens cavaleiro e cavalo despertam, acrescentar que, em tal relação, ambos são cavalos e cavaleiros simultaneamente: o homem cavalga no ritmo do vegetal e vice-versa, a um só tempo. O homem serve ao vegetal e é por ele servido. Nesta simbiose inter-reinos, a Ayahuasca se estende pela rede de agências humanas e os humanos se estendem pela rede de agências da Ayahuasca, um se beneficiando do potencial de agenciamento do outro.

Todas essas frentes de ação pelas quais a Ayahuasca vem tentando ensinar os humanos, no entanto, não garantem por si mesmas o propósito e a aprendizagem com o vegetal. São tentativas de alianças com os homens e devem ter a contraparte humana para que se sejam realizadas com sucesso. É necessário humildade aos homens para não contraporem seus próprios interesses ao que a Ayahuasca tem para ensinar. A Ayahuasca não vem para ensinar ou satisfazer a partir do ponto de vista meramente humano. Portanto, a postura antropocêntrica deve ceder para que o aprendizado se realize. A Ayahuasca ensina também a se livrar dessa coagulação da percepção, mas é