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6. ANÁLISE DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS DIVERSOS CONTRATOS DE

6.2 CONTRATOS DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA

No contrato de alienação fiduciária, o consumidor (fiduciante) adquire a posse direta de um bem, cuja propriedade permanece do fiduciário (instituição financeira), que apesar da tradição de fato do bem tem direito real sobre a coisa até o pagamento total do contrato de financiamento com a instituição financeira fiduciária. A instituição financeira fiduciária arca com custo do bem junto ao fornecedor do bem, mas torna-se credora do consumidor. O consumidor com a posse direta do bem torna-se depositário182 deste e, com o pagamento total do valor financiado, resolve- se o direito sobre o bem existente em favor da instituição financeira, adquirindo o consumidor a propriedade plena e não apenas sua posse direta. Na hipótese de inadimplemento, o credor poderá propor a competente ação de busca e apreensão do bem que está somente sob a posse direta do consumidor.

O ônus assumido pelo depositário do bem poderia lhe causar a prisão civil na hipótese de tornar-se um depositário infiel, havendo a edição de súmula pela validade da prisão civil, contanto que o depositário assumisse expressamente este ônus. Nesse sentido a Súmula 304 do Superior Tribunal de Justiça foi editada: “É ilegal a decretação da prisão civil daquele que não assume expressamente o encargo de depositário judicial”. Todavia, a prisão civil do depositário infiel não tem sido mais acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, flexibilizando a interpretação do texto constitucional (artigo 5º, LXII, da Constituição Federal), proibindo a prisão por dívida civil, exceto no caso de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia. Então, consolidou-se a ilegalidade da prisão civil por dívida quando do julgamento HC 87.585 – TO, Pleno, Min. Rel. Marco Aurélio, j. 3.12.2008; RE 349.703 - RS, Pleno, Min. Rel. Carlos Britto, j. 3.12.2008 e RE 466.343 - SP, Pleno, Min. Rel. Cézar Peluso, j. 3.12.2008, revogando, por conseqüência, a Súmula 619: “A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito”.

Acompanhando o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que as convenções e os tratados internacionais que tratem sobre direitos humanos possuem status de norma supralegal, o Superior Tribunal de Justiça, em sua terceira turma, também pacificou a questão no julgamento do HC 122.251 - DF, 3ª Turma, Min. Rel. Nancy Andrighi, j. 17.02.2009, portanto: “por ter o Brasil aderido ao Pacto de São José da Costa Rica, que permite a prisão civil por dívida apenas na hipótese de descumprimento inescusável de prestação alimentícia, não é cabível a prisão do depositário infiel, qualquer que seja a natureza do depósito” (HC 120.902 – SP, 3ª Turma, Min. Rel. Nancy Andrighi, j. 24.03.2009)

Pacificada a questão do depositário infiel, na precisa análise de Moreira Alves, o contrato de financiamento com alienação fiduciária em garantia:

“... transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem, de acordo com a lei civil e penal”.183

Neste tipo de contrato, são comuns algumas cláusulas abusivas, como a que prevê a perda total das prestações pagas pelo consumidor em benefício do credor. A perda total das prestações pagas pelo consumidor é nula de pleno direito, já que onera em demasia o consumidor e privilegia o fornecedor que além de ter o bem como forma de recompor seus prejuízos, possuiu as parcelas já quitadas pelo consumidor. Assim, um contrato, por exemplo, de 24 (vinte e quatro) parcelas, no qual o consumidor já pagou 22 (vinte e duas), mas ficou inadimplente em relação às duas restantes, além do consumidor perder o valor pago, perderia ainda o bem, o que certamente geraria um enriquecimento sem causa ao fornecedor quando de sua venda extrajudicial.

Ao mesmo tempo em que não é justo ao consumidor sofrer pela perda total das parcelas pagas e do próprio bem, não seria justo ao fornecedor ver o contrato de alienação fiduciária em garantia inadimplido e retomar um bem já em uso,

183 MOREIRA ALVES, José Carlos. Da alienação fiduciária em garantia. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 37.

desgastado. Desta feita, a retenção parcial de algumas parcelas a título de indenização ao fornecedor se faz necessária, mas certamente não a perda total das parcelas em prejuízo do consumidor, que certamente não participou da elaboração do teor do contrato de alienação fiduciária (artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor).

Outra cláusula considerada abusiva nos contratos de alienação fiduciária é a que prevê pagamento de pelo menos 40% do valor financiado como forma de validar a eventual purgação da mora, na verdade, transcrição do § 1º do artigo 3º do Decreto-lei n. 911/69. A abusividade desta cláusula decorre da alegada revogação da previsão do Decreto-lei n. 911/69, em razão do advento do Código de Defesa do Consumidor que teria disciplinado a matéria nos artigos 6º, inciso VI, e artigo 53. Todavia, a interpretação do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de refutar a abusividade da cláusula sob o fundamento de que as previsões do Código de Defesa do Consumidor não têm relação específica com o Decreto que regulamenta a alienação fiduciária, devendo prevalecer a lei especial.184 Em razão da interpretação mencionada, o Superior Tribunal de Justiça pacificou a questão na Súmula 284:

“A purga da mora, nos contratos de alienação fiduciária, só é permitida quando já pagos pelo menos 40% (quarenta por cento) do valor financiado”.

A Súmula 284 alterou o entendimento anterior de que a determinação do artigo 3º, § 1º, do Decreto-lei n. 911/69, foi derrogada pelo Código de Defesa do Consumidor.185 De todo o modo, a mora purgada é interessante ao credor, sendo que o objetivo do fornecedor é a manutenção do contrato, logo, havendo a purgação da mora, mesmo com a alteração da redação do Decreto-lei 911/69 pela Lei n. 10.931/04, inadmissível o não restabelecimento do status quo ante. A Portaria de n. 4, de 13 de março de 1998 (Anexo), em seu item 3, possuiu a mesma previsão, considerando nula a cláusula que não restabeleça os direitos do consumidor após a purgação da mora. Os tribunais também vêem pacificando a questão: TJDF, 6ª

184 REsp 567.890 – MG, 4ª Turma, Min. Rel. Aldir Passarinho Júnior, j. 18.11.2003; REsp 129.732 – RJ, 3ª Turma, Min. Rel. Barros Monteiro, j. DJU 03.05.1999.

185 REsp 157.688 - RJ, 4ª Turma, Min. Rel. Barros Monteiro, j. em 19.05.1998; REsp 129.732 – RJ, 3ª Turma, Min. Rel. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 24.11.1998.

Turma Cív., Ag. Inst. 2007002013288, rel. Des. José Divino de Oliveira, j. 23.01.2008; TJSP, AI 883007009, 3ª C. Cív., rel. Des. Jesus Lofrano, j. 15.03.2005; TJSP, Ag. Inst. 882652000, 10ª C. Cív., rel. Des. Soares Levada, j. 16.02.2005.186

A cláusula de eleição de foro no domicílio do fornecedor para dirimir eventuais conflitos, antes de ser uma cláusula abusiva nos contratos de alienação fiduciária em garantia, é típica de diversos tipos de contratos onde é possível encontrá-la: contratos de cartão de crédito, contratos de arrendamento mercantil, contratos de planos de saúde, dentre outros. O foro do autor da ação de responsabilidade em face do fornecedor, a despeito das previsões contratuais, é escolha exclusiva do consumidor. Relevante é que sendo o contrato de alienação fiduciária ou não, sempre que existir no contrato, sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, cláusula de eleição de foro estipulando o domicílio do fornecedor, esta cláusula deve ser considerada nula de pleno direito.