• Nenhum resultado encontrado

5. CLAÚSULAS ABUSIVAS NO CÓDIGO BRASILEIRO DE DEFESA DO

5.8 FORMAS DE CONTROLE DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS

5.8.2 Controle Administrativo

O controle administrativo de cláusulas abusivas é realizado pelos Procons (estaduais e municipais) e no âmbito federal pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), órgão ligado à Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça. No âmbito federal mencionaremos apenas o DPDC, em que pese o fato das agências reguladoras de mercados específicos, muitas vezes, atuarem em benefício dos consumidores, a atuação das agências reguladoras tem seu foco mais direcionado à regulação do mercado do que a proteção direta do consumidor, conseqüência secundária.

Seja no nível federal, estadual ou municipal, esses órgãos administrativos são responsáveis por fiscalizar e aplicar sanções administrativas, desde o emprego de uma multa até a apreensão do bem de consumo eventualmente causador de danos aos consumidores. Os órgãos de proteção e defesa do consumidor estaduais e municipais não estão vinculados ao DPDC, havendo grande descentralização no sistema de controle administrativo, o que pode gerar diversos problemas práticos, como de fato ocorre, por exemplo, na ausência de coordenação e solução dos conflitos administrativos entre os órgãos que fazem parte do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC.148

Mesmo com a possibilidade de o DPDC avocar os processos administrativos para dirimir conflitos de competência ou atuar quando os interesses envolvidos superarem a competência estadual, diversas questões, pela ineficiência prática do SNDC, surgem. Marcelo Gomes Sodré cita como exemplo de conflito, entendimentos diversos entre Procons estaduais sobre a rotulagem de pão que contem glúten; a partir do momento em que o fornecedor atende um Procon estadual, poderá ser punido pelo entendimento do outro Procon estadual ser diverso daquele? O próprio autor dá como uma solução parcial a discussão judicial, o que demonstra que o SNDC não atende, ao menos por completo, os anseios dos agentes das relações de consumo.149 Há também a problemática da aplicação das sanções administrativas que, pelo atual Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, permite com que o fornecedor seja apenado com duas sanções administrativas, de órgãos distintos, mas, pelo mesmo fato.

O Sistema Nacional não dá uma resposta objetiva para essas situações, em que pese o Decreto Federal n. 2.181/97 prever a possibilidade do DPDC dirimir eventual conflito de competência:

“Art. 5º Qualquer entidade ou órgão da Administração Pública, federal, estadual e municipal, destinado à defesa dos interesses e direitos do consumidor, tem, no âmbito de suas respectivas competências, atribuição para apurar e punir infrações a este decreto e à

148 SODRÉ, Marcelo Gomes. Formação do sistema nacional de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 194-196.

legislação das relações de consumo. Parágrafo único. Se instaurado mais de um processo administrativo por pessoas de direito público distintas, para a apuração de infração decorrente de um mesmo fato imputado ao mesmo fornecedor, eventual conflito de competência será dirimido pelo DPDC, que poderá ouvir a Comissão Nacional Permanente de Defesa do Consumidor – CNPDC, levando sempre em consideração a competência federativa para legislar sobre a respectiva atividade econômica”.

Mesmo na eventualidade do DPDC avocar o processo administrativo, qual a solução que poderia dar ao caso, se qualquer intervenção direta do órgão fere a atuação do outro ente federativo?150 Contudo, em que pese o DPDC ter a

possibilidade de avocar os processos administrativos nas situações mencionadas,

essa faculdade, em razão dos vícios apresentados não é utilizada pelo órgão, gerando muitas vezes punições ao fornecedor/administrado em duplicidade pelo mesmo fato, não restando alternativa senão a busca do Poder Judiciário para o fim de cassar o bis in idem. Eis uma característica prejudicial do sistema de controle administrativo de cláusulas abusivas, a possibilidade de ocorrer o bis in idem, pois, o fornecedor em razão de uma cláusula considerada abusiva poderá receber uma sanção por parte de um órgão de proteção e defesa do consumidor municipal, outra pelo órgão estadual e ainda pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor – DPDC.

Por certo que quando da apreciação judicial de casos semelhantes ao mencionado, o bis in idem será afastado, não obstante, esse vício do sistema obriga a propositura de medida judicial, encarecendo o custo do fornecedor que será repassado ao consumidor final, além de retardar as soluções dos conflitos entre consumidores e fornecedores, afastando-se, neste aspecto, o controle administrativo da harmonização das relações de consumo expressa no artigo 4º, caput, inciso III, da Lei Protetiva. Por esse motivo, Marcelo Gomes Sodré, em sua tese de doutoramento, tece severa crítica ao denominado Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, apresentando as diversas incongruências do Sistema Nacional, propondo a utilização das instâncias superiores como palco de debates, com o

objetivo de uniformização dos temas mais polêmicos, dando a coerência necessária à existência de um Sistema Nacional que legitime a construção de soluções coletivas.151

Também no que tange ao controle administrativo, cabe à Secretaria de Direito Econômico (SDE) divulgar uma lista com as cláusulas abusivas mais comuns relatadas pelos órgãos de proteção e defesa do consumidor, em complementação à relação exemplificativa do artigo 51 (e artigo 56 do Decreto Federal n. 2.181/97). Algumas portarias foram publicadas pela Secretaria de Direito Econômico - SDE152, mas desde 2002 nenhuma nova portaria foi publicada, talvez, em razão de serem meras recomendações, na verdade normas complementares, que, na prática, necessitam, em última análise, da avaliação e convalidação por parte do Poder Judiciário.

A apuração de cláusulas abusivas no âmbito administrativo deve ocorrer mediante a instauração de processo administrativo, garantindo ao fornecedor (administrado) todas as garantias expressas na Constituição da República de 1988, especialmente o direito ao devido processo legal e seus corolários (artigo 5º, incisos LIV e LV).

Ainda no tocante ao controle administrativo, relevante a atuação do Ministério Público, apesar do veto ao § 3º do artigo 51 que permitia à instituição o controle administrativo abstrato prévio por meio de inquérito civil, cuja decisão teria efeito

erga omnes. Não obstante o veto, com o qual reiteramos a concordância, pelo fato

do § 3º atribuir decisão de caráter geral ao Ministério Público, função intrínseca do Poder Judiciário e, ainda, que não faz parte de suas funções institucionais previstas na legislação brasileira, pode, o Ministério Público, constatada a abusividade em cláusula contratual, mediante inquérito civil instaurado, propor a competente medida judicial para o fim de declarar a nulidade de cláusula que ofenda os princípios do Código de Defesa do Consumidor.153

151 SODRÉ, Marcelo Gomes, op. cit., p. 283-284.

152 Portaria n. 4, de 13 de março de 1998; Portaria n. 3, de 19 de março de 1999; Portaria n. 5 de 27 de agosto de 2002. O inteiro teor das portarias encontra-se no Anexo.

153 Razões do veto ao § 3º do artigo 51: “Tais dispositivos transgridem o art. 128, § 5º, da Constituição Federal, que reserva à lei complementar a regulação inicial das atribuições e da organização do Ministério Público. O controle amplo e geral da legitimidade de atos jurídicos somente pode ser