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5. CLAÚSULAS ABUSIVAS NO CÓDIGO BRASILEIRO DE DEFESA DO

5.1 PRINCÍPIOS ADOTADOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

5.1.1 Princípio da Boa-Fé Objetiva

O princípio da boa-fé objetiva passou ao largo do Código Civil de 1916. A ausência de previsão expressa da regra de conduta da boa-fé objetiva no Código Civil de 1916 não significa que a boa-fé não estivesse prevista no diploma; considerada pelo Código, mas apenas em alguns contratos estava indicada no texto, como nos contratos em que o indivíduo que indevidamente recebeu um imóvel, mas que o alienou de boa-fé, responde apenas pelo preço recebido (artigo 968 do Código Civil de 1916).117 Diversamente ocorreu no atual Código Civil de 2002, no qual há menção expressa do princípio da boa-fé:

“Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Porém, antes do advento do Código Civil de 2002, o Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos 4º, inciso III e 51, inciso IV, previu expressamente o princípio da boa-fé:

“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência das relações de consumo, atendidos os

116 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 66.

seguintes princípios: (...) III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”.

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé e eqüidade”.

O princípio da boa-fé deve ser adotado em qualquer ajuste, seja público, seja privado, pois as partes devem se comportar com lealdade e honestidade, sem frustrar as expectativas relacionadas ao negócio celebrado com o objetivo de harmonizar seus interesses, especialmente nos contratos de adesão.118 Trata-se da boa-fé objetiva que deve ser seguida como regra de conduta pelos contratantes, constituindo-se verdadeira situação de confiança entre as partes, fundada positivamente na boa-fé que acompanha todo o processo contratual. Menezes Cordeiro, ao introduzir o tema boa-fé na cultura jurídica contemporânea, afirma que a boa-fé objetiva é de origem jurisprudencial, não da lei, mas de aplicação do juiz que deve dar solução às diversas situações que carecem de regulação e esse poder integrativo do julgador que deu nova característica à boa-fé. E ainda afirma, reconhecendo a motivação da importância da boa-fé:

“O dever de julgar, em quaisquer circunstâncias, deu, à boa fé, um relevo dogmático real: ela assegura a reprodução do sistema, seja conquistando para o seu seio áreas que ganham a característica da juridicidade, seja adaptando à nova realidade, científica ou social, dispositivos arcaicos, seja, por fim, realizando, na vida

real, um projecto que o legislador deixou a meio ou, apenas, indicou”.119

Trata-se da teoria dos deveres unitários de proteção de Canaris, citada e defendida por Menezes Cordeiro:

“desde o início das negociações preliminares, constituir- se-ia, entre os intervenientes, um dever específico de protecção, derivado da situação de confiança suscitada e fundado, positivamente, na boa-fé; esse dever subsistiria, com essa mesma natureza legal, durante a vigência do contrato, podendo sobreviver-lhe, e estendendo-se, ainda, às hipóteses de nulidade contratual e de protecção a terceiro”.120

Não basta, por certo, fundar-se a boa-fé apenas na vontade das partes, mas do próprio sistema que impõe a conduta.121 Isso não significa que a boa-fé seja fonte das obrigações, Menezes Cordeiro afirma que a boa-fé apenas normatiza determinados fatos, sendo estes, fontes das obrigações. Assim, pode-se analisar o contrato como fonte efetiva de obrigação dos deveres contratuais, mas que nem sempre é suficiente para que os critérios de determinação dos deveres de comportamento sejam analisados de forma adequada, cabendo ao intérprete procurar esses critérios de outras maneiras, atentando-se ao caso concreto.122

Já o princípio da boa-fé subjetiva não é de grande valia na interpretação das cláusulas contratuais oriundas das relações de consumo, eis que irrelevante se o fornecedor tem conhecimento ou não de que uma cláusula contratual é abusiva; havendo contrariedade ao Código de Defesa do Consumidor, constatada está, objetivamente, a violação ao princípio da boa-fé. Por esse justo motivo é que a boa- fé objetiva dá uma resposta à altura das questões que envolvem cláusulas abusivas; não entra no cerne do subjetivismo das partes, apenas constata o vício e corrige-o.

119 CORDEIRO, António Manuel da Rocha Menezes. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2007. p. 43; 46.

120 Idem, op. cit., p. 635-636. 121 Ibidem, p. 640-641. 122 Ibidem, p. 646-647.

A boa-fé deve ser adotada como norma de conduta e lealdade entre os contratantes, não se permitindo ludibriar o parceiro comercial em que a confiança deve imperar. Nesse sentido, afirma Antonio Junqueira de Azevedo sobre a boa-fé objetiva:

“... constitui, no campo contratual – sempre tomando-se o contrato como processo, ou procedimento -, norma que deve ser seguida nas várias fases das relações entre as partes; o pensamento, infelizmente, ainda muito difundido, de que somente a vontade das partes conduz o processo contratual, deve ser definitivamente afastado. É preciso que, na fase pré-contratual, os candidatos a contratantes ajam, nas negociações preliminares e na declaração da oferta, com lealdade recíproca, dando as informações necessárias, evitando criar expectativas que sabem destinadas ao fracasso, impedindo a revelação de dados obtidos em confiança, não realizando rupturas abruptas e inesperadas das conversações, etc.”.123

Por essa razão que a cláusula geral de boa-fé deve ser interpretada como uma verdadeira norma comportamental cogente, que, em qualquer fase do processo contratual, obriga às partes respeitarem-se de forma homogênea, segundo a regra da mais absoluta lealdade. Em resumo, a boa-fé, no entender de Antonio Junqueira de Azevedo, com o qual concordamos, cria três deveres principais: o da lealdade; o da informação, informar de maneira correta, ou seja, bem informar o consumidor sobre o teor contratual, e, finalmente, o de não abusar do consumidor. É o dever de cooperação entre as partes que, sem perder de vista o princípio da boa-fé objetiva, determina às partes agirem de forma claramente solidária, colaborando-se mutuamente para que os fins desejados da relação contratual sejam alcançados.

A cooperação entre os contratantes deve superar a compreensão mediana do pacto e de seus agentes, a realidade objetiva de cada pólo contratual deve ser respeitada, visando sempre o pacífico trâmite contratual e a manutenção do acordo. A própria expressão pólo contratual apresenta certo sentido equívoco, em razão da

inadmissibilidade da existência de interesses opostos na relação contratual tratada sob o princípio da boa-fé.