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3. A MASSIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

3.1 A PUBLICIDADE NA SOCIEDADE DE MASSA

63 GOMES, Orlando, Contratos. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 112.

Genericamente, pode-se afirmar que os bens de consumo (produtos/serviços)65 disponíveis no mercado de consumo passam por duas fases consecutivas, quais sejam, de produção/preparo da prestação e de comercialização. Antes de determinado produto ou serviço ser colocado à disposição do mercado de consumo, supõe-se que tenha havido um estudo anterior, uma preparação que define esse produto ou serviço em termos de qualidade, durabilidade, periculosidade, custo de sua produção etc. Nesse período da cadeia de consumo são aplicadas determinadas práticas de produção, com o objetivo de atingir, de modo geral, a eficiência do bem de consumo a ser comercializado. Pois bem, terminada a fase de produção ou preparo da prestação, o fornecedor necessita vender tais bens no mercado de consumo, onde certamente encontrará concorrentes que também disponibilizam bens com características semelhantes aos seus. É a partir desse momento que se inicia a fase de comercialização dos bens de consumo, de extrema importância para o mercado de consumo. Para poder colocar esses bens de consumo no mercado, de forma eficaz, existem algumas técnicas de comercialização, que são as atividades pelas quais os produtos fluem do produtor para o consumidor final.66 As técnicas fomentadoras de consumo desses bens são as práticas comerciais, que possuem componentes de fomento direto do mercado, como o marketing, e de fomento indireto, como o banco de dados de consumidores. Sobre o banco de dados dos consumidores, sua importância decorre do fato de evitar a aquisição do bem pelo consumidor final que, em tese, teria dificuldade de adimplir com sua obrigação, já que sua inadimplência gera prejuízo ao fornecedor que, indubitavelmente, repassará esse ônus ao consumidor final da cadeia de consumo que cumpre com suas obrigações. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin diz que as práticas comerciais são “os procedimentos, mecanismos, métodos e técnicas utilizados pelos fornecedores para, mesmo indiretamente, fomentar, manter, desenvolver e garantir a circulação de seus produtos e serviços até o destinatário final”.67

Das práticas comerciais, o marketing é a sua mais relevante modalidade, que possui diversos mecanismos de incentivo à venda, como a publicidade. Todavia,

65 A utilização da expressão “bens de consumo” é utilizada no texto para abranger tanto produtos como serviços.

66 MALANGA, Eugênio. Publicidade: uma introdução. São Paulo: Edima, 1987. p. 13. 67 GRINOVER, Ada Pellegrini et al., op. cit., p. 242.

além da publicidade, existem outras técnicas de marketing, como as vendas em domicílio, venda casada, liquidações, pontas de estoque, envio de brindes, facilidade no crediário, dentre outras.68

A atenção dada à publicidade pelo Código de Defesa do Consumidor decorre de sua incrível importância no mercado de consumo atual, criando no indivíduo necessidades que, conforme já dissemos, sem a técnica publicitária, talvez não existissem. Vance Packard ao tratar da manipulação do indivíduo, seja como consumidor ou como cidadão sintetiza de forma precisa a complexidade do tema:

“Trata-se da maneira como muitos de nós estamos sendo influenciados e manipulados – muito além do que percebemos – nos padrões de nossa vida cotidiana. Estão sendo feitos, com êxito impressionante, esforços em ampla escala para canalizar nossos hábitos irrefletidos, nossas decisões de compra e nossos processos de pensamento com o emprego de conhecimentos buscados entre outros, na psiquiatria e nas ciências sociais. Tipicamente, esses esforços se verificam abaixo do nosso nível de consciência, de tal modo que os apelos que nos influenciam são muitas vezes, em certo sentido, ‘ocultos’”.69

Essa manipulação não pode ser encarada como simples prática comercial, porque os agentes persuasores são profissionais que trabalham com as mentes humanas e, ainda, estão recebendo auxílio e orientação de respeitados cientistas sociais. Esses profissionais da manipulação estão abrindo caminhos do conhecimento humano para a venda de idéias e bens de consumo dos mais diversos, em detalhamento antes nunca visto como, por exemplo, no Brasil, até os partidos políticos passaram a encarar as eleições como uma questão de venda, ao falarem sobre os seus candidatos como produtos a vender, sugerindo modos comportamentais: roupas, atitudes etc., praticamente omitindo um eventual plano de governo. Outro exemplo típico mencionado pelos manuais de propaganda70, fato que

68 Idem, p. 247.

69 PACKARD, Vance. Nova técnica de convencer. 1. ed. São Paulo: Ibrasa, 1965, p. 1.

70 Utiliza-se o termo “propaganda” como sinônimo de “publicidade”, sem fazer a clássica distinção de que a primeira refere-se à tramissão de idéias, enquanto que a segunda, refere-se à comercialização de bens de de consumo.

os homens de publicidade sempre comentam é acerca das mulheres via de regra questionarem o preço dos sabonetes, apesar de pagarem, praticamente sem resistência, 50 vezes mais por um creme. A explicação segundo eles é que o sabonete apenas limpa, enquanto o creme promete torná-las belas. Por essas razões, os profissionais da manipulação juntamente com relevantes aportes financeiros dos fornecedores conseguem muitas vezes “domesticar” o mercado de consumo se que haja tal percepção por parte dos indivíduos. O perigo decorre não apenas de que essas práticas comerciais se apresentam fora do nível de consciência do consumidor, ou seja, “ocultos”, mas até mesmo “clandestinos” ou ambos.

Em recente trabalho que melhor trata desse assunto, afirma Fabiano Dolenc Del Masso sobre a atividade publicitária como instrumento de conquista de mercado:

“A atividade publicitária nada mais representa do que o intento do empresário de conquistar o mercado de consumo; para tanto utiliza estratégias de marketing, cujo principal instrumento é a publicidade. O marketing representa a maneira mais eficiente de criação de necessidades humanas. Assim a competição empresarial exige dos ofertantes de produtos e serviços a utilização de instrumentos lícitos de concorrência. A publicidade faz parte de tais instrumentos”.71

Mas como afirma o autor, é necessário que haja um controle, limites às práticas comerciais abusivas por parte do poder econômico que além de poder violar o direito de um concorrente trará prejuízos ao mercado de consumo e seus indivíduos, os consumidores. Nesse sentido conclui o autor:

“Em primeiro plano, a publicidade ilícita pode ser uma prática de deslealdade concorrencial, tendo como sujeito passivo o concorrente do empresário que divulga anúncios ilícitos. Em segundo plano, os consumidores destinatários das mensagens veiculadas na mídia e, de forma geral, toda a sociedade, em razão da influência

71 MASSO, Fabiano Del. Direito do consumidor e publicidade clandestina: uma análise jurídica da linguagem publicitária. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 116.

que pode exercer a publicidade na criação de valores, preconceitos etc. Este último aspecto envolve outras disposições constitucionais que não apenas a proteção da concorrência e do consumidor, mas também valores culturais, a infância e a juventude, a dignidade humana, a família e, principalmente, a liberdade. Conclui-se, pois, que o direito à comunicação é garantido constitucionalmente ao empresário na prática publicitária; mesmo assim, tal direito será limitado em razão da tutela de outros bens jurídicos mais importantes do que a liberdade de comunicação.72

Cabe não apenas ao consumidor, mas aos órgãos públicos e privados de defesa dos consumidores, envidarem esforços a fim de fiscalizar o mercado como forma de evitar não só o abuso publicitário consciente, ou até mesmo oculto, mas também a prática comercial publicitária clandestina que demonstra a dificuldade de controle e a influência do poder econômico no mercado de consumo. Sobre a publicidade clandestina menciona referido autor que:

“a clandestinidade é representada como uma intenção do emissor de trabalhar com as mensagens, escondendo-lhes alguns significados, para melhor persuadir o receptor, que adotará a conduta sugerida. Entretanto, tal conduta é reprimida tanto eticamente, de modo a não iludir o destinatário, como pelos princípios contidos no Código de Defesa do Consumidor, seja como publicidade simulada, seja como publicidade enganosa”.73

Essa complexidade da publicidade no mercado de consumo obrigou por diversas vezes o Judiciário ao apreciar questões envolvendo essa técnica de comercialização, extenuar os princípios de proteção ao consumidor a fim de dar resguardo às mais variadas técnicas que não são acompanhadas a tempo pelo legislador.74 A publicidade, entendida como fase pré-contratual da relação de consumo, muitas vezes é o fator de decisão do consumidor e é por isso que há

72 Idem, op. cit., p. 116. 73 Ibidem, p. 141.

previsão de vinculação da oferta para a publicidade suficientemente precisa no artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor. Tanta preocupação tem razão de ser, pois existem métodos de publicidade subliminar que, apesar de ilegais, ainda são utilizados pelos fornecedores, o que pode viciar a vontade do consumidor conforme demonstrado, no momento da contratação, reforçando, novamente a importância da publicidade no universo dos contratos de consumo. Atento às práticas comerciais que podem e muitas vezes vinculam a cognição do consumidor, o Código de Defesa do Consumidor determina que a publicidade deve ser clara a ponto de o consumidor, fácil e imediatamente, possa identificá-la (artigo 36). Desse modo, a publicidade subliminar como o merchandising, são proibidos no ordenamento jurídico brasileiro, devendo o consumidor ter ciência de que a publicidade oferta um bem de consumo sem que haja artifícios em sua veiculação, desse modo, por conseqüência, repelindo, também a publicidade clandestina.75 Perceptíveis essas práticas comerciais ilícitas por parte do intérprete contratual, é certo que poderão ser utilizadas como fundamento para uma eventual revisão ou rescisão contratual, se por tais práticas o consumidor celebrou acordo que não se vincularia em condições normais de contratação.