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5. CLAÚSULAS ABUSIVAS NO CÓDIGO BRASILEIRO DE DEFESA DO

5.8 FORMAS DE CONTROLE DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS

5.8.1 Controle Judicial

O Poder Judiciário é a palavra final sobre a nulidade de cláusulas contratuais e, por conseqüência, do próprio contrato de consumo, pois é o responsável pela concretude da lei mediante sentença que reconhecerá a nulidade da cláusula contratual, sendo sua natureza desconstitutiva ou constitutiva negativa, com efeitos

ex tunc. O controle judicial pode ocorrer tanto em ações individuais, como em ações

coletivas. Nas primeiras os efeitos são intra partes, nas segundas as decisões poderão ter efeitos erga omnes ou ultra partes. Os efeitos erga omnes decorrem das ações em que são discutidos direitos difusos, e que com base no artigo 81, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, são aqueles transindividuais, indivisíveis, envolvendo indeterminadas pessoas em razão da mesma situação fática. Também são aplicáveis nas ações que envolvem direitos individuais homogêneos, mas que possuem mesma origem comum (artigo 81, inciso III). Já os efeitos ultra partes são aqueles aplicáveis nas ações coletivas onde o direito protegido é coletivo, ou seja, é um direito também transindividual, indivisível, envolve pessoas identificáveis, mas a ligação entre essas pessoas decorre da mesma relação jurídica base (artigo 81, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor).

Em razão dos efeitos atribuídos pelo Código de Defesa do Consumidor à coisa julgada das ações coletivas (artigo 103), fácil perceber a importância e responsabilidade da intervenção do Poder Judiciário quando da análise de eventuais cláusulas abusivas. O artigo 51 do Código fortalece esse poder controlador, ao deixar ao arbítrio do juiz a palavra final sobre cláusulas abusivas, conferindo-lhe o poder integrativo e completivo do contrato a ser analisado sub judice, mas não apenas de arbítrio além da concepção de liberdade de decisão, mas de integração limitada à natureza do contrato e sua realidade social de circulação de riquezas. Caso o artigo 51 não fosse exemplificativo, como é, a atuação do juiz ficaria restrita às condutas previstas em lei, muitas vezes impossibilitando-o de dar a prestação jurisdicional adequada, todavia, essa amplitude não significa que ele esteja livre dos trilhos da lei, pois, como sabemos se houver plena liberdade do magistrado para julgar sem vincular-se aos textos legais, desnecessário a norma, desnecessário o legislador. O Poder Judiciário teria mais relevância do que o Poder Legislativo, situação que violaria a previsão constitucional da tripartição dos poderes e o controle de freios e contrapesos (checks and balances) que esse sistema gera.

Pelo fato do Código de Defesa do Consumidor ser matéria de ordem pública e interesse social, conforme previsão em seu artigo 1º, há reconhecimento doutrinário e jurisprudencial de que a apreciação de cláusulas abusivas pode ocorrer ex officio, ou seja, ainda que a parte interessada demande o fornecedor por entender que apenas uma cláusula do contrato é abusiva, pode o juiz, entendendo que outras cláusulas do instrumento serem passíveis de correção, declará-las nulas ou alterar seu teor. Todavia, alguns problemas surgem dessa faculdade atribuída ao magistrado, não podendo torná-lo absoluto na interpretação contratual, independentemente do interesse das partes desde que, sem violações legais, deve ser mantido.

A apreciação de cláusulas que imponham ao consumidor onerosidade excessiva ou vantagem exagerada ao credor, a teor do artigo 51, inciso IV, e § 1º, do referido diploma legal, por serem abusivas e atentatórias à boa-fé têm recebido o seguinte tratamento pelos tribunais:

“AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ARRENDAMENTO MERCANTIL. RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICAÇÃO DO SISTEMA PROTETIVO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC). NULIDADE DE PLENO DIREITO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS ABUSIVAS. POSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO PELA COBRANÇA ANTECIPADA DO VALOR RESIDUAL. CARÊNCIA DE AÇÃO POSSESSÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE DE CAPITALIZAÇÃO E DE COBRANÇA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. LIMITAÇÃO DOS JUROS MORATÓRIOS A 1% AO ANO. APELAÇÃO PROVIDA.” (Apelação Cível Nº 70001183961, Des. Rel. Marco Antonio Bandeira Scapin, 14ª Câmara Cível – TJRS – j. 29.03.2001).

“EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATO BANCÁRIO. CABIMENTO. INTELIGÊNCIA DO ART. 530 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO DE MATÉRIA REFERENTE ÀS CONDIÇÕES DA AÇÃO E PRESCRIÇÃO, INDEPENDENTE DA DIVERGÊNCIA. MATÉRIAS DE ORDEM PÚBLICA. EFEITO TRANSLATIVO DO RECURSO. CONDIÇÕES DA AÇÃO. DEFESA DE INTERESSES COLETIVOS. DISTINÇÃO ENTRE AS NOÇÕES DE INTERESSE PROCESSUAL E LEGITIMAÇÃO PARA AGIR NAS AÇÕES INDIVIDUAIS E NAS AÇÕES COLETIVAS. REPRESENTAÇÃO ADEQUADA CARACTERIZADA, NOS TERMOS DO ARTIGO 82, IV DO DIPLOMA CONSUMERISTA. INTERESSE ADEQUAÇÃO SATISFEITO. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA A DEFESA DOS INTERESSES DEBATIDOS. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1º, II DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA C.C. ARTIGO 81 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA QUAISQUER ESPÉCIES DE AÇÕES OU PEDIDOS EM DEFESA DE INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS, POR FORÇA DA REMISSÃO CONTIDA NO ARTIGO 21 DA LEI Nº 7.347/85. AFASTADA A ARGÜIÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. REJEITADAS AS PRELIMINARES DEDUZIDAS. PRESCRIÇÃO. ARGÜIÇÃO SUSTENTADA COM BASE NO ARTIGO 26 DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR. MATÉRIA DOS AUTOS ATINENTE À DECLARAÇÃO DE ABUSIVIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS E NÃO DE VÍCIOS DO PRODUTO/SERVIÇO, SEGUNDO O ARTIGO 51 DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO EX OFFICIO. QUESTÃO NÃO AFETADA PELA PRECLUSÃO. ARGÜIÇÃO REJEITADA. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 3º, §2º DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR. VOTO MINORITÁRIO DISTINGUINDO A INCIDÊNCIA DO REFERIDO DISPOSITIVO PARA OS CASOS DE OPERAÇÕES BANCÁRIAS E SERVIÇOS BANCÁRIOS, E NÃO ÀS ATIVIDADES CREDITÍCIAS DO BANCO. VOTO CONDUTOR DETERMINANDO A APLICAÇÃO A

TODAS AS ATIVIDADES DO RECORRENTE. QUESTÃO ANALISADA À LUZ DOS PRECEDENTES QUE INSPIRARAM A REDAÇÃO DA SÚMULA Nº 297 PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. IMPOSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DAS ATIVIDADES CREDITÍCIAS DO ÂMBITO DE INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR. EXTENSÃO SUBJETIVA DESSA APLICAÇÃO AOS CLIENTES DO BANCO, PESSOAS FÍSICAS, E À COLETIVIDADE DE PESSOAS, ATENDIDOS OS TERMOS DO ARTIGO 2º E SEU PARÁGRAFO ÚNICO E DO ARTIGO 29 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE. DECLARAÇÃO DE ABUSIVIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. O PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA NÃO SERVIU DE ORIENTAÇÃO AOS DIPLOMAS QUE SUCEDERAM O CÓDIGO DE CIVIL DE 1916. POSSIBILIDADE DE AFASTAMENTO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS, NÃO POR CONSTAREM DE "CONTRATOS DE MASSA", MAS PELO CONTEÚDO ABUSIVO. CLÁUSULAS CONTRATUAIS ABUSIVAS. TRANSFERÊNCIA AUTOMÁTICA DE CRÉDITOS DOS CLIENTES ENTRE EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO PARA PAGAMENTO DE DÍVIDAS. SISTEMA DE AUTOTUTELA. AFETAÇÃO DE CRÉDITOS SEM QUALQUER ESPECIFICAÇÃO. DÉBITO AUTOMÁTICO EM CONTA CORRENTE. RESTRIÇÃO À DISPONIBILIDADE DO CLIENTE SOBRE O SALDO EM CONTA. POSSIBILIDADE DE SAQUE DE TODA A DISPONIBILIDADE EXISTENTE. INADMISSIBILIDADE ÀA VISTA DOS PRECEDENTES JURISPRUDÊNCIAIS QUE LIMITAM O DÉBITO EM CONTA A VALOR PERCENTUAL. HIPÓTESE DIFERENTE DA SITUAÇÃO ORDINÁRIA EM QUE O CORRENTISTA AUTORIZA O DÉBITO, POSTO QUE TEM DATA E ATÉ MESMO VALOR CERTO, PERMITINDO QUE ESTE PROGRAME SEUS GASTOS. SAQUE DE LETRAS DE CÂMBIO. DISPOSIÇÃO IMPONDO O ACEITE OBRIGATÓRIO AO CLIENTE E

EVENTUAIS GARANTIDORES. INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. DÉBITO EM CONTA POUPANÇA. Dispositivo que permite a afetação do valor depositado, de forma extrajudicial, sobrepondo- se aos limites estabelecidos pelo artigo 649, X do Código de Processo Civil, para a penhora de créditos dessa natureza. Inadmissibilidade. Abusividade das cláusulas contratuais reconhecida. Embargos infringentes rejeitados”. (TJSP; EI 1283795-5/02; Ac. 3637196; São Paulo; Décima Quarta Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Mário de Oliveira; Julg. 29/04/2009; DJESP 18/06/2009)

O reconhecimento dos tribunais da possibilidade análise ex officio das cláusulas abusivas também é encontrado no Superior Tribunal de Justiça, tribunal responsável pela uniformização da jurisprudência pátria e a última instância sobre interpretação de legislação federal que não contrarie à Constituição da República 1988:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, POSSIBILIDADE DE REVISÃO DO CONTRATO E DECLARAÇÃO “EX OFFICIO” DA NULIDADE DE CLÁUSULA NITIDAMENTE ABUSIVA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O Código de Defesa do Consumidor é norma de ordem pública, que autoriza a revisão contratual e a declaração de nulidade de pleno direito de cláusulas contratuais abusivas, o que pode ser feito até mesmo de ofício pelo Poder Judiciário. Precedente. (REsp. 1.061.530/RS, afetado à Segunda Seção). 2. Agravo regimental a que se nega provimento”. ( AgRg no REsp 334991 / RS, AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2001/0091951-0; Ministro

HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO

(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP) (8185); T4 - QUARTA TURMA; JULGADO EM 10/11/2009; PUBLICAÇÃO: DJe 23/11/2009).

Todavia, ainda há no próprio Superior Tribunal de Justiça entendimento que veda a apreciação ex officio de cláusulas abusivas,

“PROCESSUAL. AÇÃO RESCISÓRIA. CÓDIGO DO CONSUMIDOR. DIREITOS DISPONÍVEIS. REVELIA. CLÁUSULAS CONTRATUAIS. APRECIAÇÃO EX

OFICCIO. PRINCÍPIO DISPOSITIVO.

IMPOSSIBILIDADE. I - Ao dizer que as normas do CDC são ‘de ordem pública e interesse social’, o Art 1º da Lei nº 8.078/90 não faz indisponíveis os direitos outorgados ao consumidor - tanto que os submete à decadência e torna prescritíveis as respectivas pretensões. II - Assim, no processo em que se discutem direitos do consumidor, a revelia induz o efeito previsto no Art. 319 do Código de Processo Civil. III - Não ofende o Art 320, II do CPC, a sentença que, em processo de busca e apreensão relacionado com financiamento garantido por alienação fiduciária, aplica os efeitos da revelia. lV - Em homenagem ao método dispositivo

(CPC, Art. 2º), é defeso ao juiz rever de ofício o contrato para, com base no Art. 51, IV, do CDC anular cláusulas que considere abusivas (ERESP 702.524/RS). V – Ação rescisória improcedente”. (STJ; REsp 767.052; Proc. 2005/0117282-0; RS; Terceira Turma; Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; Julg. 14/06/2007; DJU 01/08/2007; Pág. 459).

É certo que a apreciação de toda a qualquer cláusula abusiva ex officio tornaria inaplicáveis as previsões de prescrição e decadência, tornando as matérias relacionadas às cláusulas abusivas nos contratos de consumo imprescritíveis, superando, até mesmo a própria coisa julgada, relevante instrumento de pacificação social. A prudência aliada ao dever do magistrado de julgar o feito nos limites da lide proposta, conforme previsão do artigo 128 do Código de Processo Civil, deve prevalecer.

A matéria de consumo é cognoscível ex officio, mas ainda que seja facultado ao juiz decidir além do pedido elaborado pelo autor, num verdadeiro julgamento

extra petita, praticar tal ato sem dar a oportunidade do requerido manifestar-se nos

autos em favor de determinada cláusula, é violar o direito de defesa do fornecedor. Por analogia, é possível avocar o entendimento do professor Luiz Antonio Rizzatto Nunes sobre a inversão do ônus probatório que, em seu entender, é uma exceção à regra do artigo 333, do Código de Processo Civil e, portanto, cabe ao magistrado alertar o fornecedor da possibilidade de inversão do ônus da prova, dando-lhe a oportunidade de produzi-la. Pois bem, dada a oportunidade e esta não aproveitada pelo fornecedor, cabe ao magistrado julgar a lide com fundamento na inversão do ônus probatório prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Pode-se alegar que o juiz ao alertar a parte da possibilidade da inversão do ônus probatório no caso concreto, estaria prejulgando o feito, pois alertaria o fornecedor de que o fato controvertido só poderá ser objeto de prova por parte dele e, caso não a produza, assumiria automaticamente com a inversão e com o julgamento da demanda contrariamente aos seus interesses, entretanto, por ser a inversão do ônus probatório uma regra excepcional, a fim de não surpreender o fornecedor, deve, sim, o magistrado alertá-lo, pois é possível que o fornecedor tenha produzido todas as provas que entenda pertinentes ao caso, porém, insuficientes para o juiz resolver o ponto controvertido da lide. Assim, possível ao juiz fixar o fato controvertido da lide e alertar que, a ausência de prova, por parte do fornecedor, ou mesmo do consumidor conforme o caso, o obriga a aplicar a inversão, eis que não é possível avocar o non liquet.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado à análise das cláusulas abusivas. O magistrado deve dar chance ao interessado de manifestar-se sobre cláusula que repute abusiva, mas nem sequer foi requerida sua declaração de nulidade na petição inicial. Preferencialmente, até o despacho saneador em que os pontos controvertidos devem ser dirimidos e o juiz, via de regra, deve saber com razoável segurança os contornos da lide. Após este momento processual, caberia à parte propor uma nova ação, incidental que seja, mas não caberia nem mesmo ao magistrado singular ou de segundo grau apreciar outras cláusulas além daquelas arroladas na petição inicial e muito menos à própria parte interessada alegar em sede recursal, pois lhe faltaria interesse de agir. A possibilidade de revisão de cláusulas abusivas por parte da segunda instância poderia ocorrer se a declaração de nulidade da cláusula debatida na instância ordinária viciar, ou seja, tornar

obrigatória a declaração de nulidade de outra cláusula, ainda que não tratada na petição inicial, mas que por interpretação lógica, sua exclusão torna-se inafastável e não tenha outra solução que a declaração de nulidade, devendo o julgador a quem fundamentar detidamente a questão, sob pena de violação ao artigo 93, inciso IX, da Constituição da República.

Outra característica que merece atenção quando do controle judicial ex officio das cláusulas abusivas é que o autor, via de regra, é representado por advogado, cabendo à parte e seu patrono decidirem os limites da lide. Nada impede que um consumidor discuta judicialmente cláusula de multa que repute abusiva em seu contrato de cartão de crédito, mas não faça questão de discutir uma cláusula- mandato no mesmo contrato, pois tem o hábito de financiar seu saldo devedor, tem consciência de seu funcionamento e nem sequer teria condições de, afastada a cláusula-mandato pelo magistrado ex officio, arcar com suas despesas à vista. Existem casos que a ausência de um advogado poderia permitir maior poder de ingerência judicial com fundamento no fato da matéria ser de ordem pública e interesse social, como ocorre nos casos de até 20 (vinte) salários mínimos em que a Lei n. 9.099/95 prevê a faculdade de advogado147. Nessas hipóteses, verificando o magistrado abusividade além do requerido na petição inicial, muitas vezes redigidas insuficientemente, quiçá por estudantes de direito, sem a experiência adequada que a militância do dia a dia traz, pode, em nosso entender apreciar cláusulas que não foram requeridas diretamente pelo consumidor, contudo, que tenham alguma relação com o pedido inicial sob pena de fugir completamente do objeto da causa e cercear o direito de defesa do fornecedor.

A cláusula de eleição de foro, semelhante às demais cláusulas contratuais de consumo, quando estiverem redigidas em prejuízo do consumidor, devem ser declaradas nulas. Porém, além da previsão do Código de Defesa do Consumidor que delimita o local onde será proposta a ação envolvendo relação de consumo, o Código de Processo Civil, em razão da nova redação trazida pela Lei n. 11.280/2006 estipula que “a nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de

147 A previsão da Lei n. 9.099/95 que faculta a utilização de advogados para causas até 20 (vinte) salário mínimos, embora permita à população carente o acesso ao Poder Judiciário sem o custo de um advogado, é certo também que a atuação perde em qualidade, especialmente se a parte contrária é litigante habitual.

domicílio do réu”. Em relação de consumo, em decorrência do princípio da facilitação da defesa do consumidor, o reconhecimento ex officio da nulidade de cláusula de eleição foro em benéfico do fornecedor é pacífico:

“ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONTRATO DE ADESÃO. BUSCA E APREENSÃO. ELEIÇÃO DO FORO. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. C. DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO.

RECURSO DESPROVIDO. AGRAVO DE

INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO ADVINDA DE CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Contrato de adesão que se subsume às normas do Código de Defesa do Consumidor. Foro de eleição, cláusula abusiva, nos termos do art. 51, do referido diploma legal. Prevalência do foro privilegiado do consumidor. Incompetência absoluta reconhecível ex

officio, em virtude da natureza pública da norma. Agravo

improvido. Sentença mantida, para que se determine a remessa dos autos ao juízo competente”. (TJRJ; AI 254/1999; Rio de Janeiro; Décima Sétima Câmara Cível; Rel. Des. Luiz Carlos Guimarães; Julg. 24/03/1999)

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CIVIL. CARTA PRECATÓRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. ABUSIVIDADE. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. PRECEDENTES. 1. Em se tratando de relação de consumo, tendo em vista o princípio da facilitação de defesa do consumidor, não prevalece o foro contratual de eleição, por ser considerada cláusula abusiva, devendo a ação ser proposta no domicílio do réu, podendo o juiz reconhecer a sua incompetência ex officio. 2. Pode o juiz deprecado, sendo absolutamente competente para o conhecimento e julgamento da causa, recusar o cumprimento de carta precatória em defesa de sua própria competência. 3. Conflito conhecido e declarado competente o Juízo de Direito da Vara Cível

de Cruz Alta - RS, o suscitante”. (STJ; CC 48647; RS; Segunda Seção; Rel. Min. Fernando Gonçalves; Julg. 23/11/2005; DJU 05/12/2005; Pág. 215)

O tema está pacífico no que se refere às relações de consumo, todavia, no que tange à cláusula de eleição de foro em matérias desvinculadas ao direito do consumidor, há também a possibilidade de reconhecimento de nulidade ex officio.

Na legislação de processo civil, a nova redação do artigo 112, parágrafo único, do Código de Processo Civil, pode dar ao intérprete a certeza de que havendo previsão de foro em contrato de adesão diversa do real domicílio do réu, deve o magistrado anulá-la ex officio, contudo, essa não parece ser a solução mais adequada, pois não sendo contrato de consumo, a cláusula de eleição de foro, embora inserida unilateralmente, pode trazer benefícios processuais ao aderente. E, mesmo podendo o juiz apreciar ex officio tal cláusula, trata-se de matéria de competência relativa que pode ser convalidada pelas partes. Ainda assim, cabe ao magistrado analisar com cautela o dispositivo, pois se aplica com a recente redação do artigo 112 um preceito de direito material em norma processual, o que se pode afirmar por interpretação lógica, que o diploma processual e suas regras devem prevalecer.

Cabe ao magistrado permitir à parte adversa que se manifeste ou até mesmo tomar a decisão pelo reconhecimento ex officio da incompetência, mas desde que haja claro e evidente prejuízo ao réu na defesa dos seus interesses, sob pena de sua decisão interferir em direito disponível, no caso, o direito processual. Nesse sentido já existe manifestação dos tribunais:

“ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO. CONSÓRCIO. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. DECLARAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA EX OFFICIO. ADMISSIBILIDADE, FRENTE À DIFICULDADE DE ACESSO AO JUDICIÁRIO COM PREJUÍZO DA AMPLA DEFESA DO RÉU. Não se justifica a manutenção da cláusula de foro de eleição, na medida em que resultam evidentes as dificuldades para o exercício da ampla defesa. Inaplicabilidade da Súmula nº 33 do STJ. Recurso improvido, mantendo-se a r.decisão de Primeiro

Grau”. (TJSP; AI 990.10.093329-9; Ac. 4391315; Santo André; Trigésima Terceira Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Carlos Nunes; Julg. 22/03/2010; DJESP 16/04/2010)

“AÇÃO MONITÓRIA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS HOSPITALARES E MÉDICOS. FORO DE ELEIÇÃO ABUSIVIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCOMPETÊNCIA RELATIVA. DECLINAÇÃO EX OFFICIO. ADMISSIBILIDADE. A análise da nulidade da cláusula de eleição de foro deve ser adotada frente às circunstâncias de cada caso concreto, não podendo o Juízo emitir conclusão para toda e qualquer hipótese de contrato de adesão protegido pelo Código de Defesa do Consumidor; apenas situações excepcionais podem comportar o reconhecimento ‘ex officio’ da nulidade da cláusula eletiva de foro de, de modo a ensejar a modificação da competência. Agravo não provido. (TJSP; AI 990.10.074727-4; Ac. 4462047; São Paulo; Trigésima Quarta Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Irineu Pedrotti; Julg. 03/05/2010; DJESP 17/05/2010).

Por essa razão, cabe o juiz analisar todos os detalhes do caso concreto antes de proferir decisão declinatória de competência, sendo sua decisão ex officio um ato