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6. ANÁLISE DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS DIVERSOS CONTRATOS DE

6.4 CONTRATOS SECURITÁRIOS

6.4.3 Contratos de Seguro-Saúde

Os contratos de assistência à saúde são os que acabam por sofrer grande debate nos tribunais, seja em razão das diversas cláusulas abusivas neles inseridas, como também pelo fato do estado de penúria em que se encontra o setor de saúde pública do País. O próprio estado de calamidade do setor de saúde pública do Brasil é utilizado como motivo para a limitação exacerbada de alguns planos de saúde, eis que há uma grande migração de indivíduos do setor público para o setor de saúde privada complementar.

E mesmo quando as empresas privadas que atuam no ramo dos planos de saúde argumentam que sua atuação no ramo de saúde é complementar, e por isso sua responsabilidade no mercado de consumo está limitada às previsões contratuais, isso não significa que não seja integral sob o aspecto de proteção à

saúde do destinatário final do serviço. Sua atuação complementar (conforme previsão no artigo 199 da Constituição Federal) deve ser plena ao que se propõe, não sendo admissível algumas limitações que costumam ser impostas nos contratos de adesão de planos de saúde. Nesse aspecto que foi editada a Lei n. 9.656/98 que tem como escopo a vedação expressa de cláusulas contratuais, que até a data de sua edição, vinham sendo rechaçadas pela jurisprudência.

Diversos são os exemplos de cláusulas abusivas que podem ser mencionados. As exclusões nos planos de saúde que muitas vezes tornam ineficaz o próprio contrato, como a não assunção por parte da seguradora de despesas relacionadas às próteses necessárias à execução de determinadas cirurgias. Sendo o implante necessário ao procedimento cirúrgico indicado, sua exclusão gera a transferência dos riscos no negócio ao consumidor, gerando, em contrapartida, excessiva vantagem ao fornecedor. Isso sem contar que a negativa da seguradora provoca no consumidor o sentimento de frustração, já que este possuía uma expectativa mínima em relação ao serviço contratado, muitas vezes, uma relação contratual de longo período. A resposta jurisprudencial nesses casos tem sido vigorosa202, mesmo quando o contrato tenha sido celebrado antes do advento da Lei 9.656/98203.

Por certo que as cláusulas excludentes de responsabilidade relacionadas às próteses, muitas vezes desnaturam o próprio objeto dos contratos, eis que a negativa de um implante pode vir a tornar inócuo o procedimento cirúrgico, violando o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor. É o caso comum de planos de saúde que prometem ao consumidor todo o tratamento quando houver uma cirurgia de coronariana para a desobstrução de artérias, mas existe a cobrança do stent como se fosse uma prótese não incluída no procedimento cirúrgico, mesmo que seja indispensável à tentativa de desobstrução das artérias. Mesmo sem entrar na discussão acerca do stent ser ou não uma prótese, a cobertura do plano de saúde que garante um tratamento em que o stent não é uma opção, mas uma necessidade do paciente, torna sua exclusão de cobertura, mesmo sob a alegação de se tratar de prótese, ineficaz.

202 TJSP, AP. 251.546-4/2, 5ª. Câm. D. Priv., Des. A. C. Mathias Coltro, j. 24.08.2005. 203 TJRS, AI. 70012661625, 6ª Câm. Cível RE, Des. Ney Wiedemann, j. 30.03.2006.

Para que o mercado de seguros-saúde fosse melhor controlado, foi criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, contribuindo bastante na fiscalização dos planos de saúde. A ANS foi criada mediante a edição da Lei 9.961, de 28 de janeiro de 2000, trata-se de autarquia de regime especial vinculada ao Ministério da Saúde, com sede no Rio de Janeiro e atuação em todo o território nacional. Sua função principal é a fiscalização e regulação do setor de assistência de saúde complementar, com o intuito de promover a defesa do interesse público nas relações entre os prestadores de serviços de saúde com seus usuários, regulando o mercado a fim de que os participantes tenham uma relação equilibrada.

Atualmente, em face da Lei n. 9.656/98, é possível a divisão dos contratos que prestam serviços de assistência à saúde em três tipos de planos de saúde. O primeiro desses contratos é aquele que foi celebrado antes da publicação da Lei n. 9.656/98204, desse modo, a cobertura à época ofertada é a mesma expressa no instrumento contratual, com suas respectivas exclusões. O segundo tipo de contrato é o que foi celebrado a partir da vigência da Lei 9.656/98, já influenciados pelas regulamentações da ANS, contemplando, por exemplo, a ineficácia de limitação de consultas, exames ou dias de internação, tendo o Superior Tribunal de Justiça editado a Súmula 302: “É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado”. E, por fim, contrato adaptado, que é aquele celebrado anteriormente à Lei n. 9.656/98, mas que sofreu adaptações em razão desta, garantindo aos consumidores os mesmos direitos atribuídos aos consumidores que entraram no sistema após a mencionada Lei. É certo que a adaptação dos planos antigos à nova Lei é opção do consumidor que, caso queira, pode permanecer no plano celebrado antes da Lei n. 9.656/98 e, mesmo que a escolha caiba ao consumidor, é obrigação da prestadora de serviços dar todas as informações sobre as conseqüências da troca do tipo de plano de saúde, já que nem sempre a troca pode ser interessante ao perfil do consumidor. Novamente verifica-se a importância do direito à informação como instrumento de pacificação social e também como proteção ao fornecedor que, cumprindo com esta norma cogente, realiza uma contratação hígida, muito mais difícil de ser debatida, judicial ou administrativamente.

Outro exemplo de cláusula abusiva, nesta espécie de contrato, diz respeito aumento de mensalidade em plano/seguro saúde por faixa etária. A Lei 9.656/98, apesar de conter regra específica, somente pacificou, em parte, essa questão, já que o tema nos contratos a ela anteriores e sem adaptação continuam a gerar conflitos. A Lei 9.656/98, em seu artigo 15 determina que as faixas etárias devem estar muito bem aclaradas no contrato e de acordo com as regras estabelecidas pela ANS. A referida agência reguladora, por norma complementar, autorizou a inserção, nesses contratos, de no máximo seis faixas etárias, sendo que a última não pode ser maior do que seis vezes o valor da primeira faixa etária contratual. Já no artigo 35, cuidou a Lei de regular o tema, nos casos de adaptação do contrato antigo às novas disposições legais. Portanto, quem assinou contrato após 01/01/1999, ou mesmo quem fez a adaptação, tem as regras claramente ditadas pela Lei 9.656/98. Mas, como já dito, alguns problemas persistem: a repactuação, o aumento em contratos coletivos ou empresariais e, principalmente, o caso dos usuários com contratos antigos individuais ou familiares. Ainda existem contratos com todos os tipos de cláusulas nesse tema, sendo uma boa parte delas abusivas. Alguns contratos possuem cláusula autorizando o aumento sem percentual previamente definido, outros com fixação em índices dos mais variados tipos, outros com aumento anual de 5% por faixa etária, a partir de determinada idade, normalmente 65 anos e assim por diante. Outros inserem cláusula aberta, deixando a fixação do percentual condicionado às circunstâncias do momento do aniversário. O que não se pode aceitar.