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1 O MODELO PENSADO DE REGULAÇÃO POR AGÊNCIAS INDEPENDENTES:

1.2 Agências Reguladoras Independentes: um modelo sui generis de autonomia e controle

1.2.2 O Controle exercido sobre as questões regulatórias

1.2.2.2 Controle na Reforma do Estado

A autonomia das ARI, ao mesmo tempo que confere aos reguladores garantias para tomada de decisões imunes aos “constrangimentos da conexão eleitoral”108, mediante seu

103 Posicionamento contrário a esta hipótese, ver em: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na

Ação Direta de Inconstitucionalidade 5501 DF. Relator: Min. Marco Aurélio. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/stf-acordao-fosfoetanolamina.pdf>. Acesso em: 27 maio 2019.

104 Constituição Federal, 5.o, XXXV – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça

a direito”.

105 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e

constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.241.

106 Sobre a Chevron Doctrine, ver: SILVEIRA, Andre Bueno da. Doutrina Chevron no Brasil: uma alternativa à

insegurança jurídica. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.276, p.109-146, set./dez. 2017.

107 BINENBOJM Estudos de direito público: artigos e pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2015. p.123-125. 108 MELO, Marcus André. A política da ação regulatória: responsabilização, credibilidade e delegação. Revista

“isolamento decisório”109, suscita debates acerca da falta de legitimidade e da fragilidade nos controles exercidos sobre esta nova burocracia estatal.

A mudança no aparelho do Estado foi fruto do reconhecimento de que o modelo anterior de administração não trazia bons resultados. Neste sentido, o PDRAE diagnosticou que o sistema anterior, de administração burocrática, ao “limitar-se a padrões hierárquicos rígidos e ao concentrar-se no controle dos processos e não dos resultados, revelou-se lento e ineficiente para a magnitude e a complexidade dos desafios que o País passou a enfrentar diante da globalização econômica”.110 Para solução destes problemas, o PDRAE propôs um voto de confiança na burocracia, ao dotá-la de uma gama ampla de poderes, antes atribuíveis ao Parlamento e ao Presidente da República, para o trato de questões regulatórias, buscando melhores resultados. Entretanto, tamanha concentração de funções nas mãos de um mesmo ente (ARI), conforme asseveram Natasha Schmitt Caccia Salinas e Fernanda Martins, envolve um “risco principal”, qual seja a perda da garantia de que os resultados “das políticas públicas atendam aos seus interesses” dos políticos “e aos interesses de seus constituintes”.111

Marcus Melo desenha a questão como “uma série de trade offs entre delegação, responsabilização e eficiência”112, e indica a responsabilização como “a variável decisiva: alta delegação sem responsabilização gera ineficiência. Baixa delegação sem responsabilização implica ineficiência”.113

Portanto, dadas as características diferenciadas das ARI, fazia-se necessário estabelecer um sistema de responsabilização (controle) diferenciado. Novos “instrumentos de accountability precisaram ser repensados”, de modo a mitigar os riscos à sociedade e à democracia.114 Neste sentido, o PDRAE previu o deslocamento de foco do controle estatal dos procedimentos para o controle dos resultados e o fortalecimento do controle social, mediante a promoção de medidas de “governança, transparência e de accountability’.115Portanto, duas foram as providências pensadas.

109 MELO, Marcus André. A política da ação regulatória: responsabilização, credibilidade e delegação. Revista

Brasileira de Ciências Sociais, v.16, n.46, p.56-68, 2001.

110 Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/

documents/mare/planodiretor/planodiretor.pdf >. Acesso em: 10 out. 2019).

111 SALINAS, Natasha Schmitt Caccia; MARTINS, Fernanda. Os mecanismos de participação da Agência

Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Revista Brasileira de Políticas Públicas, v.8, n.3, p346, 2018.

112 MELO, Marcus. Op. cit., p.59. 113 Ibid., p.60.

114 PÓ, Marcos Vinicius; ABRUCIO, Fernando Luiz. Desenho e funcionamento dos mecanismos de controle e

accountability das agências reguladoras brasileiras: semelhanças e diferenças. RAP, Rio de Janeiro, v.40, n.4, p.685, jul./ago. 2006.

115 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. A reforma do estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle.

Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997. (Cadernos MARE da Reforma do Estado, v.1). p.37.

A primeira delas se destina a instrumentalizar a sociedade para o controle da burocracia; a segunda se refere à mudança de foco nas auditorias públicas, que deveriam direcionar a sua atuação para o controle de resultados.

É o controle social instrumento destinado a legitimar116 as decisões tomadas pelas ARI. Neste sentido é que foram “instituídos mecanismos de participação como forma de suprir o déficit democrático e os riscos de captura destes órgãos reguladores”117, de maneira a tornar as ARI permeáveis “à maior participação dos agentes privados e/ou das organizações da sociedade civil”118, “num contexto de ampliação dos espaços democráticos”119, onde o cidadão [...] é quem dá legitimidade às instituições e que, portanto, se torna “cliente privilegiado” dos serviços prestados pelo Estado”.120 Aliás, uma das bases da Reforma do Estado foi enxergar o cidadão como cliente do Estado, como titular de uma série de necessidades a serem atendidas. Ao enxergar o cidadão como cliente, o PDRAE previu que para a modernização do Estado seria necessário criar mecanismos destinados a viabilizar a participação do cidadão no processo de “definição, implementação e avaliação da ação pública”.121

Alguns mecanismos de participação da sociedade foram concebidos, a exemplo das audiências públicas, da criação das Ouvidorias, da existência de mecanismos de transparência etc.122 Ao longo dos anos que se sucederam à reforma iniciada nos anos 1990, observaram-se inúmeras iniciativas123 de fortalecimento do controle social sobre o sobre atos da burocracia. São estas, as “arenas formais nas quais é dada a oportunidade aos membros da sociedade de influenciar uma ação regulatória específica”.124

116 SALINAS, Natasha Schmitt Caccia; MARTINS, Fernanda. Os mecanismos de participação da Agência

Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Revista Brasileira de Políticas Públicas, v.8, n.3, p344, 2018.

117 Ibid., p.347.

118 Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/

documents/mare/planodiretor/planodiretor.pdf >. Acesso em: 10 out. 2019).

119 PÓ, Marcos Vinicius; ABRUCIO, Fernando Luiz. Desenho e funcionamento dos mecanismos de controle e

accountability das agências reguladoras brasileiras: semelhanças e diferenças. RAP, Rio de Janeiro, v.40, n.4, p.670, jul./ago. 2006.

120 Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/

documents/mare/planodiretor/planodiretor.pdf >. Acesso em: 10 out. 2019).

121 Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/

documents/mare/planodiretor/planodiretor.pdf >. Acesso em: 10 out. 2019).

122 Sobre mecanismos de participação da sociedade nas ARI, ver: PÓ, Marcos Vinicius; ABRUCIO, Fernando

Luiz. Op. cit.

123 A Lei n.o 13.460/2017 (Código de Defesa do Usuário de Serviços Públicos), a Lei n.o 12.527/2011 (Lei de

Acesso à Informação), o Portal da Transparência da CGU, as páginas de transparência pública de cada entidade do poder executivo, e a realização de audiências públicas pelas agências reguladoras são exemplos do fortalecimento do controle social, mediante a promoção da transparência.

A outra providência desenhada pelo PDRAE foi o deslocamento do foco do controle institucional, a exemplo do controle efetuado pelo TCU, exercido sobre a nova burocracia, que deveria se voltar para apreciação dos resultados, e não sobre procedimentos. Tal providência reside em dois principais motivos: o reconhecimento de que o controle sobre procedimentos, exercido no modelo burocrático de administração, não é capaz de promover e aferir a eficiência da gestão pública; e de que a ampla discricionariedade do administrador público gerencial, tornava frágeis os parâmetros sob os quais as instituições de controle promoveriam suas análises. Propunha, portanto, uma espécie de “reforma do controle”, coerente com os novos objetivos do Estado que se estava a reformar, que visava uma entrega de melhores serviços aos cidadãos. Neste sentido, propunha o PDRAE a reflexão de que os “resultados da ação do Estado são considerados bons não porque os processos administrativos estão sob controle e são seguros [...], mas porque as necessidades do cidadão-cliente estão sendo atendidas”.125

Esse deslocamento do foco dos controles exercidos pelas instituições de auditoria pública, dos procedimentos para os resultados, proposto na Reforma do Estado, como será observado no capítulo 2, levou o controle a atuar em nova dimensão: a de colaborador do Estado e da sociedade.126 Neste sentido, ao tratar sobre o papel do TCU no exercício do controle de resultados, Dagomar Henriques Lima sustenta que:

A atuação do TCU na responsabilização por desempenho deveria ser a de explicitar e traduzir os resultados da ação governamental (transparência e publicidade) e garantir que os gestores mantenham sistemas que produzam informações fidedignas (transparência e confiabilidade) que permitam ao Legislativo (controle parlamentar e decisão política) e à sociedade (controle social) questionar os resultados. Esse é o arranjo de responsabilização por desempenho mais adequado a uma sociedade democrática sustentada pela dinâmica de partidos no Legislativo e pela atuação participativa da sociedade civil organizada.127

As instituições de auditoria pública necessitavam, entretanto, “adaptar os procedimentos tradicionais às novas necessidades”128.129 A partir destas necessidades é que foi pensada a

125 Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/

documents/mare/planodiretor/planodiretor.pdf >. Acesso em: 10 out. 2019).

126 Sobre as diversas faces de atuação do controle, ver: BRAGA, Marcus Vinicius de Azevedo. As sete faces da

função controle. Revista Gestão Pública e Desenvolvimento, v.93, p.48-49, 2015.

127 LIMA, Dagomar Henriques. Responsabilização por desempenho e controle externo da administração

pública. Revista do Tribunal de Contas da União, n.111, p.37, 2008.

128 Ibid., p.38.

129 Sobre a necessidade de adaptar o modo de atuação de controle para atender às novas demandas do Estado,

ver: BRAGA, Marcus Vinicius de Azevedo; OLIVEIRA JUNIOR, Temístocles Murilo de. A função controle e a agenda desenvolvimentista. Revista Gestão Pública e Desenvolvimento, v.98, p.36-37, 2016.

“auditoria de desempenho para focar o controle finalístico da administração pública, com ênfase em resultados”130, aqui chamada de auditoria, ou fiscalização, operacional.

***

Este capítulo buscou jogar luz sobre a relação entre a autonomia das ARI no trato das questoes regulatórias e o seu respectivo controle, nos moldes em que foram pensados no PDRAE. Para atender às novas demandas por eficiência estatal, as ARI foram dotadas de autonomia reforçada para o exercício de uma gama de funções que lhe foram delegadas. Tratava-se de um processo de deslocamento do locus decisório referente às questões regulatórias, do setor político para a burocracia. Para manter a burocracia sob controle e, portanto, mitigar os riscos à sociedade e à democracia decorrentes dessa autonomia131, além dos típicos controles exercidos pelo Parlamento e pelo Poder Judiciário, novos instrumentos de controle precisavam ser pensados. Foram duas as soluções endereçadas pelo PDRAE: o fortalecimento do controle social, mediante a viabilização de instrumentos de participação da sociedade na “definição, implementação e avaliação da ação pública”132; e a mudança do foco dos controles exercidos pelas instituições de auditoria pública, que deveriam voltar sua atuação para o controle por resultados, ao invés de se focarem no modelo de controle de procedimentos, típico da administração burocrática. Propôs, portanto, o PDRAE, uma “reforma do controle”, destinada a torná-lo compatível com o novo modelo de Administração Pública. Neste sentido, o TCU, enquanto instituição de auditoria governamental, também teve sua missão reformada. É o que se buscará demonstrar no capítulo seguinte.

130 LIMA, Dagomar Henriques. Responsabilização por desempenho e controle externo da administração

pública. Revista do Tribunal de Contas da União, n.111, p.38, 2008.

131 PÓ, Marcos Vinicius; ABRUCIO, Fernando Luiz. Desenho e funcionamento dos mecanismos de controle e

accountability das agências reguladoras brasileiras: semelhanças e diferenças. RAP, Rio de Janeiro, v.40, n.4, p.670, jul./ago. 2006.

132 Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/