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Quanto às circunstâncias autorizadoras (standards) para determinada atuação do TCU

3 O CONTROLE EXERCIDO PELO TCU SOBRE AS QUESTÕES REGULATÓRIAS

3.3 O que a doutrina diz sobre os limites e competências do TCU para avaliar atividade

3.3.4 Quanto às circunstâncias autorizadoras (standards) para determinada atuação do TCU

A despeito das divergências no campo teórico, seja pelo crivo da legalidade seja pelo da conveniência de sua atuação, fato é que o TCU promove avaliação dos atos regulatórios.379 Por conseguinte, é possível observar no campo doutrinário, abordagens prágmáticas que, embora reconheçam a possibilidade de avaliação (e emissão de atos de comando) pelo TCU sobre questões regulatórias, entendem ser necessário demarcar contornos mais claros aos seus limites de atuação. São teorias que enxergam no TCU a responsabilidade por estabelecer limites à sua atuação no controle externo dos atos regulatórios, atribuindo-lhe a missão de dar um “passo de autorrestrição”380, de deferência; aliás, o discurso de deferência, de respeito à discricionariedade, está amiúde presente na doutrina e na jurisprudência que admite a atuação do TCU na apreciação e revisão dos atos regulatórios. Neste sentido, emergem construções teóricas que se voltam à propositura de standards delimitadores/autorizadores de determinada atuação do TCU nas questões regulatórias, dentre os quais quatro se destacam, a saber.

A primeira delas consta do Ac. TCU 1703/2004-P, de relatoria do Ministro Benjamin Zymler, tido pela doutrina como o caso paradigmático, no qual buscou-se estabelecer parâmetros objetivos para atuação do TCU junto às ARI, nestes termos:

No caso de atos irregulares vinculados, ou seja, quando entidades reguladoras violem expressa disposição legal, o TCU pode determinar a adoção das providências necessárias à correção das irregularidades detectadas. Se o ato for discricionário, praticado de forma motivada e visando satisfazer o interesse público, o Tribunal pode unicamente recomendar a adoção de providências que considerar mais adequadas. Contudo, caso o ato discricionário contenha vício de ilegalidade, o TCU é competente para avaliá-lo e para determinar a adoção das providências necessárias ao respectivo saneamento, podendo, inclusive, determinar sua anulação.381

Depreende-se da leitura do voto que só caberia ao TCU emitir atos de comando se presente vício de ilegalidade, seja ele vinculado ou discricionário.

Uma outra tentativa de objetivar o exercício do controle pelo TCU é observada na doutrina de José Vicente Santos de Mendonça que propõe alguns standards norteadores, sendo o

379 PECI, Alketa. Regulação comparativa: uma (des)construção dos modelos regulatórios. In: Regulação no

Brasil: desenho, governança, avaliação. São Paulo: Atlas, 2007. p.83.

380 JORDÃO, Eduardo. Por mais realismo no controle da administração pública. Revista Eletrônica de Direito

do Estado, n.183, 2016. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/ Eduardo- Jordao/por-mais-realismo-no-controle-da-administracao-publica>. Acesso em: 1.o out. 2019).

primeiro deles o reconhecimento da existência de um “princípio geral de autocontenção” no exame das questões regulatórias, prevalecendo as razões das ARI. Ato contínuo, sustenta ser possível o exercício do controle pleno do TCU sobre vícios procedimentais e de participação, sendo cabível correção de sua “formação defeituosa”, e, também, sobre eventual omissão regulatória, onde caberia ao TCU obrigar o regulador a agir. Por fim, o autor sustenta que ao TCU caberia o exercício de seu controle pleno quanto a “agência estiver praticando ilegalidade rigorosamente literal”.382

No mesmo sentido, Marianna Montebelo Willeman383, sustentando-se no argumento da separação de poderes, entende também ser cabível a autocontenção como princípio geral, quando inexistentes vícios no procedimento e “ilegalidade flagrante”, situações que atrairiam a competência do TCU para emitir atos de comando; e acrescenta que não cabe ao TCU o controle de atos normativos das ARI, sendo esta missão restrita à atuação do Parlamento.384

Ponto comum às três construções teóricas acima estudadas é o discurso de autocontenção e o entendimento que somente a presença de ilegalidades autorizaria a emissão de atos de comando pelo TCU.

De maneira inversa, o argumento trazido pelo Professor e Ministro do TCU Bruno Dantas385 sugere ser a governança (reputação institucional) das ARI standard autorizador para uma atuação mais, ou menos, intensa do TCU; afirma o Ministro que há relação entre o número de intervenções do TCU e a governança das ARI, estando a maior parte das intervenções nas ARI com “governança pobre”, que, por exemplo, não realizam análise de impacto regulatório. Cumpre salientar que, ao menos em duas oportunidades386, o TCU avaliou a governança das ARI, das quais é possível extrair uma espécie de ranking de governança das ARI ligadas aos setores de infraestrutura, assim classificadas (da pior governança para a melhor): ANTT,

382 Ver em: MENDONÇA, José Vicente Santos de. A propósito do controle feito pelos Tribunais de Contas

sobre as agências reguladoras: em busca de alguns standards possíveis. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, v.10, n.38, p.162-163, abr./jun. 2012.

383 WILLEMAN, Marianna Montebello. O desenho institucional dos Tribunais de Contas e sua vocação

para a tutela da accountability democrática: perspectivas em prol do direito à boa administração pública no Brasil. Tese (Doutorado) – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. p.298-304.

384 Posição também defendida por André Rosilho em Palestra realizada na FGV Direito Rio. O Professor, ao

tratar da atuação do TCU, disse que a prescrição constitucional conferia ao TCU o poder de assinar prazo para correção de ato administrativo, posto que concreto, e não ato de conteúdo geral e abstrato, caso das normas regulatórias.

385 HIRATA, Taís. TCU interfere mais em agências com governança pobre, diz ministro do tribunal. Folha de

S.Paulo, 26 ago. 2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/08/tcu-interfere- mais-em-agencias-com-governanca-pobre-diz-ministro-do-tribunal.shtml>. Acesso em: 20 out. 2019.

ANTAQ, ANP, ANATEL, ANAC, ANEEL.387 Embora pareça um standard objetivo388, do discurso do Ministro não é possível extrair o sentido da palavra “intervenção”, ao dizer que o TCU intervém mais nas ARI com baixa governança. Poder-se-ia extrair ao menos dois sentidos: (a) que uma maior “intervenção” trataria da maior presença do TCU, refletida na quantidade de fiscalizações realizadas; ou (b) que significaria uma atuação do TCU no sentido de alterar as decisões das ARI, mediante a emissão de atos de comando. A primeira acepção do termo “intervenção”, que reflete na maior presença do TCU nas ARI com “governança pobre” encontra suporte na literatura que versa sobre Auditoria Governamental389, na medida em que o planejamento das auditorias a serem realizadas deve levar em conta, dentre outros critérios, os riscos a que as unidades auditadas estão submetidas (risk based aproach)390; tratar-se-ia do reconhecimento da criticidade391 da questão da governança das ARI; isto porque, buscando a alocação ideal de seus recursos392, humanos e materiais, o TCU deve voltar sua

387 Cf. Ac. TCU 240/15-P.

388 “A segunda circunstância é a de que a avaliação da reputação institucional é um exercício fortemente

subjetivo. Não há critérios claros e precisos para se medir e comparar reputações institucionais”. (JORDÃO, Eduardo. INFRADebate: mais deferência para agências com melhor reputação. Agência Infra, 28 maio 2019. Disponível em: <http://www.agenciainfra.com/blog/infradebate-mais-deferencia-para-agencias-com- melhor-reputacao/>. Acesso em: 20 out. 2019).

389 OECD. Using Risk Assessment in Multi-year Performance Audit Planning. Disponível em:

<https://www.oecd.org/gov/ethics/using-risk-assessment.pdf>. Acesso em: 20 out. 2019.

390 OECD. Using Risk Assessment in Multi-year Performance Audit Planning. Disponível em:

<https://www.oecd.org/gov/ethics/using-risk-assessment.pdf>. Acesso em: 20 out. 2019. “4.1. Risk-based

approach - As outlined in the previous section of this document, the risk-based approach involves focusing audit capacity and efforts on key risk areas in the audit universe. This method optimises the allocation of resources and addresses main issues. For audit entities with limited resources, the risk-based approach is highly valuable for achieving the greatest impact. A risk map with identified risks and risk ratings and rankings can provide a good overview of the risks in the audit universe”.

391 São critérios de seleção de amostra de auditoria, a materialidade, a relevância e a criticidade. Ver sobre, em:

ORGANISMOS ESTRATÉGICOS DE CONTROLO/CONTROLE INTERNO. Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Manual de controlo/Controle interno. Dez. 2009. Disponível em: <https://www.cgu.gov.br/ sobre/institucional/eventos/anos-anteriores/2009/arquivos/ii-conferencia-dos-organismos-estrategicos-de-controle- interno-da-comunidade-de-paises-de-lingua-portuguesa/manualcontrole.pdf>. Acesso em: 08 out. 2019. Conforme o Manual: “As variáveis básicas utilizadas em todas as fases do processo de planeamento/planejamento dos trabalhos de controle são fundamentais, sendo que, determinadas variáveis apresentam-se com maior destaque ou contribuição para o processo. Essas variáveis são: i. materialidade; ii. Relevância; e Criticidade. [...] A criticidade representa o quadro de situações críticas efetivas/efectivas ou potenciais a controlar, identificadas em uma determinada unidade ou programa. Trata-se da composição dos elementos referenciais de vulnerabilidade, das fraquezas, dos pontos de controle/controlo com riscos latentes, das trilhas/percursos de controlo/controle”.

392 “92. O processo de planejamento estratégico da EFS pode ser considerado como o primeiro passo na seleção

de temas, uma vez que abrange a análise de áreas em potencial para a auditoria e define a base para a alocação eficiente de recursos de auditoria. [...] 95. Uma vez que a EFS pode ter capacidades de auditoria limitadas, em termos de recursos humanos e habilidades profissionais, o processo de seleção de temas de auditoria deve considerar o impacto potencial do tema de auditoria na promoção de benefícios importantes para as finanças e a administração públicas, a entidade auditada ou o público em geral, levando em conta os recursos disponíveis. Outros aspectos a serem considerados na seleção de temas são os resultados e as recomendações de auditorias ou avaliações anteriores, e condições relativas à oportunidade.” (BRASIL. Tribunal de Contas da União. Fiscalização e controle. Disponível em: <https://portal.tcu.gov.br/ fiscalizacao-e-controle/auditoria/normas-internacionais-das-entidades-fiscalizadores-superiores-issai/>. Acesso em: 1.o nov. 2019).

atuação àquelas entidades que estejam mais suscetíveis a ocorrência de irregularidades393, sendo esta suscetibilidade aferível objetivamente pelos riscos previsíveis, no caso a baixa governança. Portanto, caso o racional por trás do discurso do Ministro seja no sentido de que o TCU deve estar mais presente nas ARI com pior governança, parece adequado. Entretanto, se maior “intervenção” significar menor deferência, materializada na maior emissão de atos de comando, esta construção suscita, ao menos, três questionamentos. O primeiro, e mais simples deles, é que inexiste no direito tal previsão autorizadora para indeferência do TCU diante da fraqueza reputacional da ARI, nem de qualquer instituição estatal. Os demais, sustentados por Eduardo Jordão, referem-se à subjetividade da análise reputacional, vez que inexistem “critérios claros e precisos para se medir e comparar reputações institucionais”, e à necessidade de comparar a reputação do TCU a das ARI, de modo a identificar quem gozaria de “vantagem institucional”; e prosegue sustentando não ser razoável ao TCU realizar análise desta natureza.394 Neste mesmo sentido, Floriano Azevedo Marques Neto et al., em estudo empírico sobre atuação do TCU junto às ARI, conclui que o modo de controle que o TCU vem adotando junto às ARI, substituindo amiúde decisões regulatórias, funda-se na percepção do TCU da existência de uma “imagem reputacional negativa para as agências reguladoras e imagem reputacional positiva da própria instituição do TCU”.395

***

Conforme buscou-se demonstrar, a atuação do TCU na fiscalização dos atos administrativos regulatórios é alvo de controvérsia doutrinária. Existem divergências com relação à mera possibilidade de fiscalização dos atos regulatórios, com relação à possibilidade de emissão de atos de comando (determinações) voltados à corrigir ilegalidade observada em questões regulatórias, e quanto à conveniência da atuação do TCU na fiscalização.

Ao largo das discussões teóricas, observou-se, na doutrina – e até mesmo na jurisprudência, tentativas de criar standards para delimitar as hipóteses em que o TCU

393 TCU. Normas de Auditoria do Tribunal de Contas da União. Aprovada pela Portaria TCU n.o 168/2010. “65.

O planejamento geral deve documentar e justificar as seleções realizadas, calcando-se em modelos que incluam métodos de seleção, hierarquização e priorização fundamentados em critérios de relevância, materialidade, risco e oportunidade, dentre outras técnicas de alocação da capacidade operacional, levando- se também em conta a demanda potencial por ações de controle originadas de iniciativas externas.

394 JORDÃO, Eduardo. INFRADebate: mais deferência para agências com melhor reputação. Agência Infra,

28 maio 2019. Disponível em: <http://www.agenciainfra.com/blog/infradebate-mais-deferencia-para- agencias-com-melhor-reputacao/>. Acesso em: 20 out. 2019.

395 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo et al. Reputação institucional e o controle das Agências

Reguladoras pelo TCU. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.278, n.2, p.67, set. 2019. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/80048/76583>. Acesso em: 09 nov. 2019.

poderia, no exercício do controle operacional, emitir determinações voltadas à correção de questões regulatórias. Foram mapeados standards em dois sentidos. O primeiro deles396, se dirige ao discurso de deferência com as questões regulatórias e ao reconhecimento da competência para emissão de determinações do TCU especificamente destinadas à correção de ilegalidade frontal, caracterizada pelo descumprimento de interpretação literal de dispositivo normativo. O outro397, trata de uma “autorização” para o TCU atuar de maneira mais forte nas ARI com reputação ruim.

Por serem construções pragmáticas que partem da constatação da realidade, qual seja o fato de que o TCU não somente exerce fiscalizações nas questões regulatórias, como também dirige determinações voltadas à corrigí-las, serão de grande valia para a análise dos dados mapeados referentes à atuação do TCU nas ANOP realizadas nas ARI.

3.4 Atuação do TCU na prática: algumas dificuldades enfrentadas, e, estratégias