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Equiparação de recomendações às determinações

3 O CONTROLE EXERCIDO PELO TCU SOBRE AS QUESTÕES REGULATÓRIAS

3.4 Atuação do TCU na prática: algumas dificuldades enfrentadas, e, estratégias adotadas, na

3.4.2 Equiparação de recomendações às determinações

Conforme tratado na seção 2.2.2.1, determinações e recomendações são instrumentos que se prestam ao atendimento de diferentes finalidades, sendo, as recomendações voltadas a orientação das ARI acerca de oportunidades de melhoria em sua gestão e as determinações dirigidas à correção de ilegalidades, constatadas no exercício das atividades do TCU. São, portanto, instrumentos, ao menos em tese, com contornos bem definidos. Especificamente no que se refere à apreciação de questões regulatórias, cumpre-nos rememorar o Ac. TCU 1703/04-P, de relatoria do Ministro Benjamin Zymler, que tratou de definir standards para a atuação do TCU junto às ARI e, consequentemente, delimitou o espaço para o uso de determinações e

418 “não bastam boas intenções, não basta a intuição, não basta invocar e elogiar princípios; é preciso respeitar o

espaço de cada instituição, comparar normas e opções, estudar causas e consequências, ponderar vantagens e desvantagens. Do contrário viveremos no mundo da arbitrariedade, não do direito”. (SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo para céticos. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2014. 206)

419 Não é conselho de estado. “todavia, o poder de intervenção do Tribunal de Contas nas atividades da

Administração Pública encontra limites. Ele não é instancia revisora integral da atividade administrativa, que seja competente para corrigir ilegalidades em toda e qualquer decisão tomada no exercício da função administrativa por entes estatais. Cortes de Contas não é Conselho de Estado”. (SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Competências de controle dos Tribunais de Contas: possibilidades e limites. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Org.). Contratações públicas e seu controle. São Paulo: Malheiros, 2013. p.179).

420 Neste sentido “Assim, não é raro que o TCU fundamente suas intervenções em interpretação de princípios e

conceitos jurídicos indeterminados, bloqueando opções regulatórias assentadas em compreensão diversa das mesmas normas”. (JORDÃO, Eduardo; PEREIRA, Gustavo Leonardo Maia. O TCU e o risco da ‘autoidealização’. Jota, 06 nov. 2019. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/ controle-publico/o-tcu-e-o-risco-da-autoidealizacao-06112019>. Acesso em: 10 nov. 2019).

recomendações. Em resumo, determinações são cabíveis quando encontradas ilegalidades, fruto de violação de “expressa disposição legal”, sejam os atos discricionários ou vinculados. Recomendações podem ser expedidas quando o TCU entender serem necessárias a “adoção de providências que considerar mais adequadas” nos atos discricionários das ARI.

Embora seja possível identificar claramente o espaço destinado ao uso de cada instrumento, doutrina sustenta que, na prática, o TCU os usa como se fungíveis fossem421, sendo uma “aparente tendência do TCU de querer expandir suas possibilidades de controle impositivo para além dos limites constitucionalmente estabelecidos”.422

3.4.2.1 Determinações não fundamentadas em ilegalidades

Como visto nas seções 3.2 e 3.4.1, a análise dos enunciados do TCU demonstrou que determinações são expedidas para corrigir questões que vão além do descumprimento frontal de lei – ilegalidade; questão que sugere uma da expansão do TCU sobre as ARI. A fundamentação de determinações em princípios e outros conceitos jurídicos abertos pode denotar uma atuação do TCU no sentido de corrigir atos regulatórios por mera discordância em relação à determinada medida adotada pela ARI, ainda que não evidenciada que não foi praticada dentro dos limites da lei. No mesmo sentido, enunciado constante do Ac. TCU 1704/18-P, sustenta uma atuação do TCU no sentido de corrigir atos cujos resultados sejam ineficazes423, ainda que legais. São exemplos em que determinações são usadas em casos onde eram cabíveis recomendações; “uma possível explicação é a de que o Tribunal, apesar do discurso

421 Narrando estudo destinado a verificar como o TCU interpreta a autonomia conferida por lei às ARI o autor

afirma ter sido constatada a hipótese de que recomendações e determinação são usadas como se fungíveis fossem. “constatou-se por meio de pesquisa jurisprudencial que, para o Tribunal, as categorias determinações e recomendações, em si consideradas, não são tão diferentes assim e potencialmente produzam efeitos muito similares (ou até mesmo idênticos) no tal “jogo regulatório”, de modo que “o TCU talvez não siga à risca suas próprias regras ao rotular as diretrizes que expede e que, independentemente do rótulo por ele utilizado, sua ação possivelmente gere impactos significativos no espaço regulatório”. (ROSILHO, André. Tribunal de Contas da União: competências, jurisdição e instrumentos de controle. São Paulo: Quartier Latin, 2019. p.341).

422 “essa aparente tendência do TCU de querer expandir suas possibilidades de controle impositivo para além

dos limites constitucionalmente estabelecidos – também manifestada na tentativa do Tribunal de dar roupagem de comando a atos eminentemente orientativos – talvez decorra de uma visão cultivada pelo próprio TCU (consciente ou inconscientemente) segundo a qual agir impositivamente teria maior valor do que agir em cooperação”. (Ibid., p.344).

423 Ac. TCU 1704/18-P. “É possível a expedição de determinação pelo TCU [...] quando verificada ineficácia

nas ações de regulação ou omissão no tratamento concedido à matéria sob sua tutela, sem que isso caracterize intromissão na autonomia funcional da agência, uma vez que é dever do Tribunal verificar se as agências estão a cumprir adequadamente seus objetivos institucionais, entre os quais o de fiscalizar e regular as atividades sob sua esfera de competência”. (grifo nosso)

consistente segundo o qual determinações e recomendações seriam coisas distintas e teriam cabimento em situações diferentes, na prática as utilize sem muito rigor, equiparando-as”.424

É o que constatou estudo jurisprudencial, conduzido por André Rosilho e Vera Monteiro, destinado a verificar como o TCU interpreta a autonomia conferida por lei às ARI.425 Gustavo Pereira, em outro estudo empírico, constatou que “confusão ou equiparação dos efeitos das recomendações aos efeitos de determinações acaba fazendo [...] com que a visão do TCU tenha especial relevância na definição de aspectos centrais da regulação”.426

3.4.2.2 Determinação de encaminhamento de plano de ação para recomendações

Além do uso de determinações onde seriam cabíveis recomendações, doutrina aponta para o fato de que, na prática, as ARI se sentem obrigadas ao atendimento das recomendações, mesmo diante da discordância em relação à posição do TCU. Isto porque o TCU vem exigindo das ARI a apresentação de planos de ação para que estas apresentem providencias para que as recomendações expedidas possam ser posteriormente monitoradas.427

A determinação para encaminhamento de plano de ação é instrumento previsto na Resolução TCU n.o 265/2014, destinada ao acompanhamento pelo TCU do atendimento às determinações por ele expedidas; por lógica, visto que tem caráter orientativo, não seria cabível exigir das ARI que encaminhassem plano de ação para recomendações. Neste sentido, enunciado do Ac. TCU 2515/14-P sustenta que não cabe ao TCU determinar o encaminhamento de

424 “uma possível explicação é a de que o Tribunal, apesar do discurso consistente segundo o qual determinações e

recomendações seriam coisas distintas e teriam cabimento em situações diferentes, na prática as utilize sem muito rigor, equiparando-as”. (ROSILHO, André. Tribunal de Contas da União: competências, jurisdição e instrumentos de controle. São Paulo: Quartier Latin, 2019. p.237).

425 “constatou-se por meio de pesquisa jurisprudencial que, para o Tribunal, as categorias determinações e

recomendações, em si consideradas, não são tão diferentes assim e potencialmente produzam efeitos muito similares (ou até mesmo idênticos) no tal “jogo regulatório”, de modo que “o TCU talvez não siga à risca suas próprias regras ao rotular as diretrizes que expede e que, independentemente do rótulo por ele utilizado, sua ação possivelmente gere impactos significativos no espaço regulatório”. (Ibid., p.341).

426 Gustavo Pereira identificou como estratégia do TCU o questionamento da motivação das ARI. (PEREIRA,

Gustavo L. M. O TCU e o controle das agências reguladoras de infraestrutura: controlador ou regulador? Dissertação (Mestrado) – Fundação Getúlio Vargas, Escola de Direito de São Paulo, São Paulo, 2018. p.158-160).

427 “o entrevistado chama atenção para um mecanismo que estaria sendo utilizado pelo TCU para indiretamente

imprimir efeitos vinculantes às suas recomendações. Trata-se da determinação para a elaboração dos chamados “planos de ação”. (ROSILHO, André. Op. cit., p.342).

planos de ação para recomendações, visto que sua “implementação é da estrita conveniência dos jurisdicionados, cabendo a eles avaliar a pertinência das providências sugeridas”. 428

Entretanto, vem o TCU adotando tal prática para “discretamente viabilizar a emissão de ordens em circunstâncias nas quais o órgão não esteja autorizado pela legislação a produzir atos de comando”429, conferindo um possível caráter coercitivo às recomendações.

***

Este capítulo se destinou à análise do controle exercido pelo TCU sobre as questões regulatórias, mediante o estudo da doutrinário-jurisprudencial da matéria.

Da análise da jurisprudência, constatou-se no discurso do TCU afirmações conflituosas acerca da sua percepção sobre suas competências na avaliação de questões regulatórias. É possível observar em sua jurisprudência a afirmação da proteção da discricionariedade das ARI para o exercício de suas competências legais e para concretização de sua missão atribuída por lei. Por outro lado, é possível também observar que o TCU se autoriza a emitir determinações fundamentadas em interpretações que não decorrem, ao menos diretamente, dos normativos que regem às ARI, atribuindo-se o ônus interpretativo para concretização do direito previsto nas leis-quadro das ARI. São posicionamentos que parecem colidir uns com os outros.

No que se refere à doutrina, foi possível constatar a existência de divergências em relação à possibilidade de o TCU fiscalizar as questões regulatórias, ao alcance destas fiscalizações e à conveniência da atuação desta atuação do TCU. Além disso, identificou-se na doutrina – e até mesmo na jurisprudência, tentativas de criação de standards para parametrizar a atuação do TCU junto às ARI, que se resumem ao seguinte:

▪ O TCU deve ser deferente às questões regulatórias;

▪ O TCU pode emitir determinações diante de ilegalidade frontais;

▪ O TCU está “autorizado” a atuar de maneira mais forte nas ARI com reputação ruim.

428 Ac. TCU 2515/14-P, que assim tratou do tema: “Não cabe ao TCU determinar que órgãos/entidades

fiscalizadas encaminhem plano de ação com cronograma de medidas necessárias a solucionar problemas apontados em auditoria quando tais medidas forem objeto de recomendações por parte do Tribunal, cuja implementação é da estrita conveniência dos jurisdicionados, cabendo a eles avaliar a pertinência das providências sugeridas. O encaminhamento de plano de ação só se justifica no caso de o TCU dirigir determinações aos jurisdicionados, as quais têm natureza cogente e são de cumprimento obrigatório.”.

429 “conjugada com a elaboração de recomendações, a determinação para a elaboração de planos de ação

eventualmente poderia, como apontado pelo entrevistado, ser utilizada pelo TCU para discretamente viabilizar a emissão de ordens em circunstâncias nas quais o órgão não esteja autorizado pela legislação a produzir atos de comando”. (ROSILHO, André. Tribunal de Contas da União: competências, jurisdição e instrumentos de controle. São Paulo: Quartier Latin, 2019. p.343).

Além disso, observou-se que a doutrina costuma apontar algumas ações do TCU como possivelmente caracterizadoras de certa intervenção na seara regulatória; são elas:

▪ uso de conceitos jurídicos abstratos, princípios jurídicos e arranjos interpretativos como fundamento para emissão de determinações;

▪ uso de dispositivos abertos das leis-quadro das ARI como fundamento para emissão de determinações;

▪ equiparação de recomendações às determinações

▪ emissão de determinações não fundamentadas em ilegalidades

▪ emissão de determinação de encaminhamento de plano de ação para recomendações. É com base nesta análise doutrinário-jurisprudencial, em especial no que se refere aos standards criados para delimitar à atuação do TCU nas ARI e às ações acima mapeadas, que serão promovidas as análises dos resultados do mapeamento da atuação do TCU na execução de ANOP nas questões regulatórias, consignadas no capítulo seguinte.

4 A ATUAÇÃO DO TCU NAS QUESTÕES REGULATÓRIAS: UMA ANÁLISE