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Uso de dispositivos abertos das leis-quadro das ARI como fundamento para emissão de

3 O CONTROLE EXERCIDO PELO TCU SOBRE AS QUESTÕES REGULATÓRIAS

3.4 Atuação do TCU na prática: algumas dificuldades enfrentadas, e, estratégias adotadas, na

3.4.1 Uso de conceitos jurídicos abstratos, princípios jurídicos e arranjos interpretativos como

3.4.1.1 Uso de dispositivos abertos das leis-quadro das ARI como fundamento para emissão de

Conforme tratado na seção 3.1, a abertura dos comandos constantes das Leis que delimitam a atuação das ARI representa uma dificuldade enfrentada pelo TCU no exame das suas atividades operacionais, dada a dificuldade de exercer fiscalização baseada em parâmetros, no mínimo frágeis, dos quais – sem o exercício da competência regulatória, seria difícil retirar-lhe

411 Ac. TCU 1369/06-P. “O TCU tem competência para emitir determinações à agência reguladora, tratando-se

de matérias às quais a entidadade está vinculada por disposições legais expressas ou inferidas a partir de interpretação sistemática do ordenamento jurídico. A atuação do TCU deve se dar de forma complementar à ação das entidades reguladoras no que concerne ao acompanhamento da outorga e da execução contratual dos serviços concedidos”.

412 Ac. TCU 600/19-P.

413 JORDÃO, Eduardo; RIBEIRO, Mauricio Portugal. Como desestruturar uma agência reguladora em passos

algum significado concreto. Aliás, dada sua abertura, uma multiplicidade de interpretações, igualmente legítimas, é passível de ser deles retirada, o que faz com que a emissão de determinações do TCU, neles fundamentada, seja passível de questionamento. Mas, o que faz com que uma determinação meramente sustentada em dispositivos abertos das leis-quadro seja merecedora de especial atenção?

É possível vislumbrar dois principais motivos que entre si se relacionam. O primeiro deles é a (a) abstração dos comandos previstos nas leis-quadro das ARI. O outro motivo é justamente a (b) exclusividade de competência das ARI para concretização dos princípios inteligíveis.

A abertura dos comandos previstos nas leis de criação das ARI não é por acaso. Trata-se de um reconhecimento do legislador de sua incapacidade de exaurir na legislação ordinária todas as hipóteses passíveis de ocorrência no mundo real, de promover atualização da legislação com a velocidade necessária para atender às demandas cotidianas e de promover respostas adequadas para questões onde é preferível a técnica a política. Professor Alexandre dos Santos Aragão sustenta que as leis-quadro “não dão maiores elementos pelos quais o administrador deve pautar a sua atuação concreta ou regulamentar”.414 Com o fim de exemplificar a abertura, abstração, dos dispositivos das leis-quadro, reproduziremos a seguir os comandos constantes das leis de criação da ANATEL, da ANP e da ANEEL, que, conforme os resultados apresentados na seção 4.2, foram as ARI mais auditadas pelo TCU.

A Lei n.o 9.472/97 conferiu a ANATEL, dentre outras missões, as seguintes:

Art. 2.o O Poder Público tem o dever de: I - garantir, a toda a população, o acesso às

telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas; II - estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações pelos serviços de interesse público em benefício da população brasileira; III - adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários; IV - fortalecer o papel regulador do Estado; V - criar oportunidades de investimento e estimular o desenvolvimento tecnológico e industrial, em ambiente competitivo; VI - criar condições para que o desenvolvimento do setor seja harmônico com as metas de desenvolvimento social do País.415

À ANP foi atribuída, pela Lei n.o 9.478/1997, dentre outras finalidades as de:

I - implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de petróleo, gás natural e biocombustíveis, contida na política energética nacional, nos termos do Capítulo I desta Lei, com ênfase na garantia do suprimento de derivados de petróleo, gás natural e seus derivados, e de biocombustíveis, em todo o território nacional, e

414 ARAGÃO, Alexandre dos Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo

econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.58

na proteção dos interesses dos consumidores quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos; II - promover estudos visando à delimitação de blocos, para efeito de concessão ou contratação sob o regime de partilha de produção das atividades de exploração, desenvolvimento e produção; III - regular a execução de serviços de geologia e geofísica aplicados à prospecção petrolífera, visando ao levantamento de dados técnicos, destinados à comercialização, em bases não-exclusivas;416

Em relação à ANEEL, seus princípios inteligíveis estão dispostos na Lei n.o 9.427/1996, conforme exemplificação a seguir:

X - fixar as multas administrativas a serem impostas aos concessionários, permissionários e autorizados de instalações e serviços de energia elétrica, observado o limite, por infração, de 2% (dois por cento) do faturamento, ou do valor estimado da energia produzida nos casos de autoprodução e produção independente, correspondente aos últimos doze meses anteriores à lavratura do auto de infração ou estimados para um período de doze meses caso o infrator não esteja em operação ou esteja operando por um período inferior a doze meses. XI - estabelecer tarifas para o suprimento de energia elétrica realizado às concessionárias e às permissionárias de distribuição, inclusive às cooperativas de eletrificação rural enquadradas como permissionárias, cujos mercados próprios sejam inferiores a 700 GWh/ano, e tarifas de fornecimento às cooperativas autorizadas, considerando parâmetros técnicos, econômicos, operacionais e a estrutura dos mercados atendidos; XII - estabelecer, para cumprimento por parte de cada concessionária e permissionária de serviço público de distribuição de energia elétrica, as metas a serem periodicamente alcançadas, visando a universalização do uso da energia elétrica.417

A reprodução, ainda que exemplificativa, do conteúdo literal dos normativos que criam as ARI se faz necessária para demonstrar a abertura de seus comandos. Expressões vagas, a exemplo de “preços razoáveis”, “proteção do interesse dos consumidores” e “universalização do uso”, respectivamente previstas nas leis de criação da ANATEL, da ANP e da ANEEL, e até mesmo, comandos que, embora não sejam abstratos, necessitam de outra norma ou de ato administrativo para lhe dar concretude, são fruto de técnica legislativa que oferece às ARI certa margem de discricionariedade a sua atuação.

Portanto, entende-se razoável que, às determinações fundamentadas exclusivamente em dispositivos abstratos das leis-quadro, apliquem-se os argumentos apontados pela doutrina para criticar a atuação do TCU baseada em valores abstratos e princípios jurídicos abertos.

O segundo motivo ganha especial relevância pois trata diretamente da interação entre a discricionariedade das ARI e o exercício do controle externo. Neste sentido, entende-se que determinações fundadas exclusivamente nos standards constantes das leis de criação das ARI

416 Lei n.o 9.478, de 6 de agosto de 1997, art. 8.o. 417 Lei n.o 9.427, de 26 de dezembro de 1996, art. 3.o.

podem sugerir um desrespeito ao espaço das destas instituições418, visto que cabe às próprias ARI a escolha da maneira como irão concretizar tais mandamentos. Ao determinar o que fazer para concretizar dispositivos abertos, estaria o TCU atuando em espaço destinado às ARI, vez que são as leis-quadro a fonte imediata da legitimidade da reserva decisória do regulador, agindo como revisor-geral da regulação419 e comprometendo a segurança jurídica, vez que, possibilita a prática de atos de comando sustentados em compreensão acerca da mesma norma diferente da que amparou decisão regulatória tomada pela ARI. 420

Portanto, seja pela abstração ou incompletude de suas normas regentes, seja pelo argumento de capacidade institucional, a atuação do TCU no sentido de dirigir determinações às ARI exclusivamente neles fundamentadas é, no mínimo, passível de questionamentos, e deve ser objeto de especial atenção.