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Recomendações e Determinações: Quando usar cada instrumento?

2 O TCU E A FISCALIZAÇÃO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

2.2 O TCU na Constituição de 1988

2.2.2 As dimensões do Controle exercido pelo TCU, suas limitações e seus correspondentes

2.2.2.1 Recomendações e Determinações: Quando usar cada instrumento?

Determinações e recomendações, conforme visto na seção 2.2.2, são instrumentos de controle derivados das competências do TCU para “praticar atos de comando” e para “emitir orientações gerais”, respectivamente. Ambos os instrumentos têm o condão de interferir em alguma medida na gestão pública. As recomendações, de maneira colaborativa. As determinações de maneira coercitiva. Sua aplicação está normatizada na Resolução TCU n.o 265/2014, que delimita o uso de cada instrumento.

Recomendação é típico instrumento de caráter colaborativo destinado à propor a adoção de “providências quando verificadas oportunidades de melhoria de desempenho”, cabíveis nas questões “afetas à discricionariedade do gestor ou que impõem ao órgão público obrigações não previstas na legislação”.245 Nos termos do artigo 6.o da citada Resolução, deve a recomendação atender à exigência de viabilidade fática, técnica e jurídica para ser emitida.

243 “It is important to highlight the two related objectives of evaluation here: 1) performance improvement in

policies, programmes and processes; and 2) oversight and accountability. While these objectives are linked, and performance is used as a measure for both, a strategic and open state should be aware of important differences. Focusing evaluation strictly on accountability may have distorting effects on ministry activities by incentivising behaviour towards “box ticking” or meeting evaluation criteria. Alternatively, focusing on demonstrating results, but missing opportunities for those results to be used for accountability purposes, may risks the integrity of administrative activities and reduce the need for governments to be responsive to citizens’ needs”. (ORGANISATION DE COOPÉRATION ET DE DÉVELOPPEMENT ÉCONOMIQUES. Supreme audit institutions and good governance: oversight, insight and foresight. Paris: OECD, 2016. p.139).

244 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Os grandes desafios do controle da administração pública. Fórum

de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, v.9, n.100, p.7-30, abr. 2010. Disponível em: <https://www.editoraforum.com.br/wp-content/uploads/2016/10/desafios-controle.pdf>. Acesso em: 1.o nov.

2019.

245 Medidas afetas à discricionariedade do gestor ou que impõem ao órgão público obrigações não previstas na

Característica fundamental das recomendações é seu caráter colaborativo, na medida em que traz para o órgão ou entidade auditada, e para a sociedade, uma opinião externa acerca das mudanças cabíveis para aprimoramento da gestão pública. Portanto, a sua implementação é sujeita ao juízo de oportunidade e conveniência de seus destinatários, sendo esta a posição da jurisprudência majoritária do TCU.246

A determinação é instrumento desenhado para atuação em dimensão coercitiva, quando o TCU usa da força para compelir a administração à adoção de medidas corretivas para sanear ilegalidades de natureza contábil, financeira, patrimonial, orçamentária e operacional247. Têm fundamento no artigo 71, IX, da Constituição, que atribui ao TCU a competência para assinar prazo para adoção de providências destinadas ao exato cumprimento de Lei. É competência vinculada à legalidade como parâmetro de controle. Trata-se de típico controle de conformidade, que visa assegurar a “aderência às normas legais e regulamentares”248 dos atos praticados pela Administração.

Atos de comando que são, determinações gozam de caráter cogente e, portanto, não se sujeitam ao juízo de conveniência e oportunidade da administração249. São de cumprimento obrigatório, cujo inadimplemento pode sujeitar os responsáveis aos instrumentos sancionatórios de competência do TCU. Dada a gravidade de sua repercussão,

246 “A implementação das recomendações expedidas pelo Tribunal é da estrita conveniência dos órgãos e das

entidades, cabendo a eles avaliar a pertinência das providências sugeridas, uma vez que estas se constituem em oportunidades de melhoria da atuação governamental. Ao contrário, as determinações têm natureza cogente e são de cumprimento obrigatório pelos jurisdicionados”. (Ac. TCU 3130/13-P). Em sentido contrário (posição minoritária): “A recomendação emanada do Tribunal de Contas da União não representa mera sugestão, cuja implementação é deixada ao alvedrio do gestor destinatário da medida, pois tem como objetivo buscar o aprimoramento da gestão pública. Contudo, admite-se certa flexibilidade na sua implementação. Pode o administrador público atendê-la por meios diferentes daqueles recomendados, desde que demonstre o atingimento dos mesmos objetivos, ou, até mesmo, deixar de cumpri-la em razão de circunstâncias específicas devidamente motivadas. A regra, entretanto, é a implementação da recomendação, razão por que deve ser monitorada”. (Ac. TCU 0073/14-P).

247 Entende-se que o TCU pode emitir determinações contra qualquer tipo de ilegalidade. Neste sentido:

FIDALGO, Carolina Barros. O controle do TCU sobre as agências reguladoras independentes: análise de alguns casos concretos e definição de possíveis limites. In: LANDAU, Elena (Org.). Regulação jurídica do setor elétrico: homenagem ao Marcos Juruena. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. t. II. p.96-100. No mesmo sentido, embora admita que devam existir delimitações para o exercício do controle externo das ARI, Willeman também admite a apreciação de ilegalidades de ordem operacional. Ver em: WILLEMAN, Marianna Montebello. Accountability democrática e o desenho institucional dos Tribunais de Contas no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p.304..

248 WILLEMAN, Marianna Montebello. O desenho institucional dos Tribunais de Contas e sua vocação

para a tutela da accountability democrática: perspectivas em prol do direito à boa administração pública no Brasil. Tese (Doutorado) – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. p.67.

249 “O cumprimento de determinações do TCU não está sujeito a juízo de conveniência e oportunidade dos

gestores integrantes da Administração Pública, uma vez que elas se revestem de força cogente. Havendo dúvidas ou inconformismo em relação a deliberação do Tribunal, cabe ao sucumbente interpor, tempestivamente, os recursos próprios previstos na Lei Orgânica do TCU e no seu Regimento Interno, e não optar por descumprir de forma injustificada a determinação”. (Ac. TCU 1827/16-P).

qual seja interferir na esfera de atuação do gestor público, a emissão de determinações se sujeita a três seguintes limites: devem se dirigir a correção de ilegalidades frontais; devem prescrever “o que fazer” para sanar a ilegalidade; e não devem se dirigir à questões sujeitas à esfera de discricionariedade do gestor (às suas escolhas).

Conforme previsto no art. 2.o, II, da Res. n.o 265/2014, é o descumprimento de “normativo, legislação ou a jurisprudência”250 que autoriza o TCU à emissão de determinações. Determinações se prestam a sanear ilegalidades em atos administrativos, e é por este motivo que devem trazer no seu texto a indicação do dispositivo legal infringido. Devem se dirigir a atos que descumpram frontalmente251 prescrição legal, sob pena de o TCU exigir dos administradores obrigação não constante de lei, alargando indevidamente sua interferência sobre a Administração.252

Uma vez identificado o inadimplemento do ato frente a um dispositivo legal, o TCU no exercício da sua competência para emitir atos de comando, embora esteja diante de situação que autorize sua atuação coercitiva deve limitar-se à indicar o que deve ser corrigido. Portanto, dado o espaço de discricionariedade conferido à administração, não deve dizer como fazê-lo, sendo esta escolha da estrita competência do gestor público. Nesta direção é que o art. 3.o, IV, da Resolução n.o 265/2014 prescreve que a determinação deve “ser redigida de forma clara, precisa e completa, evidenciando ‘o que’ deve ser aperfeiçoado ou corrigido e não ‘como’ fazer”. Neste sentido, por exemplo, não é cabível “estabelecer as ações de caráter operacional que devem ser implementadas pelas unidades jurisdicionadas”253, nem dizer “como se dará a distribuição interna de atribuições no âmbito do jurisdicionado para fazer valer as determinações emanadas pelo Tribunal”.254 Neste sentido caminha a jurisprudência majoritária do TCU.

250 Em sentido contrário: Ac. TCU 0410/13-P. A identificação de circunstância potencialmente lesiva ao erário

autoriza o Tribunal a expedir determinação saneadora fundamentada no princípio constitucional da economicidade, não havendo necessidade de embasar sua deliberação em dispositivos legais específicos.

251 WILLEMAN, Marianna Montebello. O desenho institucional dos Tribunais de Contas e sua vocação

para a tutela da accountability democrática: perspectivas em prol do direito à boa administração pública no Brasil. Tese (Doutorado) – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016; MENDONÇA, José Vicente Santos de. A propósito do controle feito pelos Tribunais de Contas sobre as agências reguladoras: em busca de alguns standards possíveis. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, v.10, n.38, p.147-164, abr./jun. 2012.

252 A sustentação jurídica da realização de determinação em face dos princípios da legalidade e da eficiência não

deve se dar ao ponto de impor aos órgãos e entidades públicos obrigações não previstas em lei ou normativo, sob pena se alargar indevida e demasiadamente a injunção deste Tribunal sobre aqueles órgãos/entidades.

253 Não compete ao TCU estabelecer as ações de caráter operacional que devem ser implementadas pelas

unidades jurisdicionadas para dar cumprimento às decisões do Tribunal, uma vez que essas providências se inserem no âmbito de discricionariedade do administrador público (Ac. TCU 0228/17-P).

254 Não cabe ao TCU disciplinar como se dará a distribuição interna de atribuições no âmbito do jurisdicionado

Terceiro e último limite, é o fato de que determinações não podem se voltar a corrigir escolha discricionária, visto que determinações são cabíveis somente frente à ilegalidades. Eventuais discordâncias do TCU em relação ao ato que, embora legal, não seja, na visão do TCU, a melhor escolha, podem ser veiculadas mediante recomendações.

Portanto, é possível constatar que recomendações e determinações são instrumentos com contornos claros, no que se refere às hipóteses em que são aplicáveis. Entretanto, doutrina assevera que o TCU vem utilizando tais instrumentos como se fungíveis255 fossem, possivelmente para “expandir suas possibilidades de controle impositivo para além dos limites constitucionalmente estabelecidos”256, mediante o uso de instrumentos coercitivos em casos onde o controle do TCU se dá em dimensão colaborativa. Neste sentido, é possível observar na jurisprudência do TCU, como será visto na seção 3.4, um alargamento do sentido de ilegalidade para além da hipótese de descumprimento frontal da legislação, autorizando-o a emitir determinações sem o amparo em obrigações previstas em leis, com fundamentação sustentada em descumprimento de princípios jurídicos257, em valores jurídicos indeterminados258, em arranjos interpretativos

255 Narrando estudo destinado a verificar como o TCU interpreta a autonomia conferida por lei às ARI o autor

afirma ter sido constatada a hipótese de que recomendações e determinação são usadas como se fungíveis fossem. “constatou-se por meio de pesquisa jurisprudencial que, para o Tribunal, as categorias determinações e recomendações, em si consideradas, não são tão diferentes assim e potencialmente produzam efeitos muito similares (ou até mesmo idênticos) no tal “jogo regulatório”, de modo que “o TCU talvez não siga à risca suas próprias regras ao rotular as diretrizes que expede e que, independentemente do rótulo por ele utilizado, sua ação possivelmente gere impactos significativos no espaço regulatório”. (ROSILHO, André. Tribunal de Contas da União: competências, jurisdição e instrumentos de controle. São Paulo: Quartier Latin, 2019. p.341).

256 “essa aparente tendência do TCU de querer expandir suas possibilidades de controle impositivo para além

dos limites constitucionalmente estabelecidos – também manifestada na tentativa do Tribunal de dar roupagem de comando a atos eminentemente orientativos – talvez decorra de uma visão cultivada pelo próprio TCU (consciente ou inconscientemente) segundo a qual agir impositivamente teria maior valor do que agir em cooperação”. (Ibid., p.344).

257 Cf. Ac. TCU 600/19-P. Eis o excerto do Acórdão: “A sustentação jurídica da realização de determinação em

face dos princípios da legalidade e da eficiência não deve se dar ao ponto de impor aos órgãos e entidades públicos obrigações não previstas em lei ou normativo, sob pena se alargar indevida e demasiadamente a injunção deste Tribunal sobre aqueles órgãos/entidades”.

258 Cf. Ac. TCU 602/08-P. Eis o excerto do Acórdão: “O controle do TCU sobre os atos de regulação é de

segunda ordem, na medida que o limite a ele imposto esbarra na esfera de discricionariedade conferida ao ente regulador. No caso de ato discricionário praticado de forma motivada e em prol do interesse público, cabe ao TCU, tão-somente, recomendar a adoção das providências que reputar adequadas. Não é suprimida a competência do Tribunal para determinar medidas corretivas a ato praticado na esfera de discricionariedade das agências reguladoras, desde que viciado em seus atributos, a exemplo da competência, da forma, da finalidade ou, ainda, inexistente o motivo determinante e declarado. Em tais hipóteses e se a irregularidade for grave, pode até mesmo determinar a anulação do ato”.

do ordenamento259 e na insatisfação em relação aos resultados obtidos pelas entidades e órgãos da administração federal.260