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Quanto à conveniência da atuação do TCU na apreciação de questões regulatórias

3 O CONTROLE EXERCIDO PELO TCU SOBRE AS QUESTÕES REGULATÓRIAS

3.3 O que a doutrina diz sobre os limites e competências do TCU para avaliar atividade

3.3.3 Quanto à conveniência da atuação do TCU na apreciação de questões regulatórias

Trazem-se aqui argumentos encontrados na literatura de controle externo, que enxergam na atuação do TCU na avaliação de questões regulatórias benefícios não extraíveis, ao menos literalmente, do direito positivo, conferindo uma leitura sob a lente da conveniência da atuação do TCU. Membros do TCU comumente associam o fato de que, dada a posição institucional do TCU, seria ele a instituição com “melhores condições para desenvolver uma visão sistêmica do modelo regulatório brasileiro” e para contribuir “para a disseminação de boas práticas de regulação”363, mitigando riscos associados às ARI, a exemplo do risco de captura364,365 e combatendo externalidades366, como a assimetria informacional367, arriscando-se,

361 “Da mesma forma, o meio ou instrumento adotado pelo regulador há de ser idôneo e necessário ao implemento

dos fins constitucionais e legais do serviço público. A eleição de meio inadequado, inútil, ou custoso para a consecução dos objetivos fixados em lei, há de ser vista como ilegítima, sendo, portanto, passível de correção”. (RODRIGUES, Walton Alencar. O controle da regulação no Brasil. Revista do TCU, Brasília, v.36, n.104, p.6, 2005. Disponível em: <https://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/view/542>. Acesso em: 10 out. 2019). No mesmo sentido, Humberto Couto, também Ministro do TCU, assim tratou da questão: “Em razão disso, a fiscalização sobre essas autarquias não pode pautar-se apenas no controle da legalidade de seus atos. Fica patente a necessidade de a atuação do Tribunal estar voltada, principalmente, para a verificação dos atos quanto à eficiência e à efetividade”. (DISCURSO do Presidente Humberto Souto. In: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. O controle externo da regulação de serviços públicos (Seminário realizado em Brasília em outubro de 2001). Brasília: TCU, 2002. p.8).

362 “Não deve o Tribunal substituir as agências. Deverá, apenas, zelar pela atuação pronta e efetiva dos entes

reguladores, para assegurar a adequada prestação de serviços públicos à população. Entretanto, percebendo o Tribunal omissão ou incapacidade da agência, deve agir a fim de evitar maiores transtornos à sociedade. Seja expedindo determinação às concessionárias ou permissionárias, seja cobrando das agências reguladoras o correto cumprimento de seus objetivos”. (ZYMLER, Benjamin. O papel do Tribunal de Contas da União no controle das Agências Reguladoras. In: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. O controle externo da regulação de serviços públicos (Seminário realizado em Brasília em outubro de 2001). Brasília: TCU, 2002. p.28).

363 Além disso, sendo o TCU órgão que examina, sob diferentes aspectos, a atuação de agentes reguladores em

praticamente todos os setores da economia, detém as melhores condições potenciais para desenvolver uma visão sistêmica do modelo regulatório brasileiro. Em conseqüência, poderá contribuir para a disseminação de boas práticas de regulação, independentemente do segmento em que atuam as agências”. (Ibid., p.34).

364 Sobre captura, ver: BALDWIN, Robert; CAVE, Martin; LODGE, Martin. Understanding regulation:

Theory, Strategy, and Practice. 2.ed. Oxford [u.a]: Oxford University Press, 2012. p316.

365 “Nesse contexto, insere-se a atuação do Controle Externo no processo regulatório. Busca identificar as falhas

e as oportunidades de melhoria de procedimentos, evitando que a entidade reguladora se desgarre das fronteiras, impostas pela lei, que lhe marcam o legítimo âmbito de atuação, tomando decisões tecnicamente inconsistentes e questionáveis, não direcionadas ao implemento da finalidade legal, ou resultantes da

como sugerem Eduardo Jordão e Gustavo Pereira, à “autoidealização”368, posto que “ao apontar limitações das instituições controladas, o TCU pode estar negligenciando as suas próprias”369, desconsiderando os riscos a que sua decisão se submete.370 É verdade que, aliás, estes são benefícios possivelmente atribuíveis às ANOP, decorrentes da promoção de uma avaliação isenta e qualificada da atividade regulatória371, posição que inclusive encontra certo consenso na doutrina; o que não é consenso é o fato de que ao emitir determinações fruto da apreciação de questões regulatórias o TCU gere, somente, externalidades positivas. Neste sentido, Eduardo Jordão sustenta que no “controle realizado sobre decisões técnicas, como a das autoridades reguladoras, os riscos econômicos de uma intervenção desinformada são significativos”.372

Portanto, ao se “autoidealizar” como instituição destinada à supervisão regulatória e à correção de problemas de captura das ARI e de falhas do mercado regulado, natural que o TCU tenda a se imiscuir detidamente nas questões regulatórias e busque endereçar soluções

“captura” do ente regulador por interesses das entidades reguladas”. (RODRIGUES, Walton Alencar. O controle da regulação no Brasil. Revista do TCU, Brasília, v.36, n.104, p.6, 2005. Disponível em: <https://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/view/542>. Acesso em: 10 out. 2019).

366 Para saber sobre esta e outras razões para regular, ver: BALDWIN, Robert; CAVE, Martin; LODGE, Martin.

Understanding regulation: Theory, Strategy, and Practice. 2.ed. Oxford [u.a]: Oxford University Press, 2012. p.23 “There are [...] a number of well-recognized reasons commonly given for regulating. It should be

stressed, however, that in any one sector or industry the case for regulating may well be based not on a single but on combinations of rationales – be these Market failure –, human rights –, or social solidarity-based”.

367 “Um dos pilares de equilíbrio de uma relação justa entre usuários e investidores está justamente na disseminação

ampla de informações sobre os aspectos técnicos, econômicos e sociais das concessões. Atualmente, pesa sobre os usuários um grande déficit de informação, deixando os órgãos de defesa dos consumidores em flagrante desvantagem no debate de questões relevantes, tais como as revisões tarifárias. Executando os seus trabalhos de fiscalização que, em regra, são públicos, está o TCU contribuindo para viabilizar o surgimento de um controle social realmente efetivo”. (ZYMLER, Benjamin. O papel do Tribunal de Contas da União no controle das Agências Reguladoras. In: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. O controle externo da regulação de serviços públicos (Seminário realizado em Brasília em outubro de 2001). Brasília: TCU, 2002. p.34).

368 JORDÃO, Eduardo; PEREIRA, Gustavo Leonardo Maia. O TCU e o risco da ‘autoidealização’. Jota, 06

nov. 2019. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/o-tcu-e-o- risco-da-autoidealizacao-06112019>. Acesso em: 10 nov. 2019.

369 “Em resposta a críticas de que parte do controle que realiza sobre as agências reguladoras não tem base

constitucional, o TCU costuma se esquivar com argumentos de “conveniência”: sua atuação produziria este ou aquele resultado social positivo. [...] Nestas ocasiões, frequentemente faz referência a problemas das agências, que a sua intervenção tenderia a corrigir. O curioso é que, ao apontar limitações das instituições controladas, o TCU pode estar negligenciando as suas próprias”. (Id.).

370 Id.

371 “assim, a faculdade de o Tribunal emitir opiniões e representações com impacto político é bastante extensa,

constituindo, modernamente, o mais importante eixo da ampliação de seu papel”. Ver em: SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Competências de controle dos Tribunais de Contas: possibilidades e limites. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Org.). Contratações públicas e seu controle. São Paulo: Malheiros, 2013. p.183.

372 “o controle realizado sobre decisões técnicas, como a das autoridades reguladoras, os riscos econômicos de

uma intervenção desinformada são significativos. Alguns países registram casos de crises energéticas geradas por intervenções indevidas de tribunais na área de atuação dos reguladores. No Brasil, o mesmo setor sofreu recentemente com interferências desastradas advindas do próprio Poder Executivo”. (JORDÃO, Eduardo. Por mais realismo no controle da administração pública. Revista Eletrônica de Direito do Estado, n.183, 2016. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/Eduardo-Jordao/por- mais-realismo-no-controle-da-administracao-publica>. Acesso em: 1.o out. 2019).

para problemas por ele identificados. Não à toa, são comumente associadas à sua atuação, críticas no sentido de que, em certos casos, sua atuação indica que uma vontade de se projetar no lugar do regulador373 para adotar a decisão que lhe parece mais adequada, ação passível de ocasionar diversos problemas, dentre os quais destacar-se-á três. O primeiro deles se refere à predileção do TCU para a proteção dos usuários374, em especial nas questões tarifárias. Porém, nos atos regulatórios, o interesse do usuário do serviço é apenas um dos elementos colocados sobre a balança, ao lado, por exemplo, da busca de um equilíbrio do mercado, da correção de falhas, da projeção de cenários e da mitigação de riscos.375 Outro possível problema se refere à tendente interpretação restritiva do direito pelo TCU376, o que dificulta o reconhecimento de soluções criativas para fazer frente aos desafios enfrentados pelas ARI. Por fim, a questão da competência para a tomada de decisões regulatórias377, a qual o direito atribuiu às ARI tomá-las, visando a promoção de segurança jurídica378, por serem a última palavra quando se trata de regulação setorial.

373 JORDÃO, Eduardo. A intervenção do TCU sobre editais de licitação não publicados: controlador ou

administrador? Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, v.12, n.47, p.209-230, out./dez. 2014.

374 “Um dos pilares de equilíbrio de uma relação justa entre usuários e investidores está justamente na

disseminação ampla de informações sobre os aspectos técnicos, econômicos e sociais das concessões. Atualmente, pesa sobre os usuários um grande déficit de informação, deixando os órgãos de defesa dos consumidores em flagrante desvantagem no debate de questões relevantes, tais como as revisões tarifárias. Executando os seus trabalhos de fiscalização que, em regra, são públicos, está o TCU contribuindo para viabilizar o surgimento de um controle social realmente efetivo”. (ZYMLER, Benjamin. O papel do Tribunal de Contas da União no controle das Agências Reguladoras. In: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. O controle externo da regulação de serviços públicos (Seminário realizado em Brasília em outubro de 2001). Brasília: TCU, 2002. p.34).

375 JORDÃO, Eduardo; RIBEIRO, Mauricio Portugal. Como desestruturar uma agência reguladora em passos

simples. Revista Estudos Institucionais, Rio de Janeiro, v.3, n.1, p.182-205, 2017. Cita o caso em que o TCU considerou irregular um convênio entre o BNDES e a Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP), desconsiderando o caráter paraestatal da empresa.

376 Neste sentido: GUIMARÃES, Fernando Vernalha. O direito administrativo do medo: a crise da ineficiência

pelo controle. Direito do Estado, n.71, 2016. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/ colunistas/fernando-vernalha-guimaraes/o-direito-administrativo-do-medo-a-crise-da-ineficiencia-pelo- controle>. Acesso em: 20 jul. 2018.

377 “o invés desta superioridade a priori, do controlador, é recomendável que se promova uma comparação de

capacitações das instituições envolvidas (a autoridade administrativa controlada e a entidade de controle), para modular a intensidade do controle a ser aplicável nos casos concretos. A intensidade será tanto maior quanto mais bem posicionado estiver o controlador para solucionar a questão específica que lhe foi trazida. Em alguns casos, será natural que o controlador se limite a verificar a razoabilidade da decisão sob sua análise”. (JORDÃO, Eduardo. Por mais realismo no controle da administração pública. Revista Eletrônica de Direito do Estado, n.183, 2016. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/ Eduardo-Jordao/por-mais-realismo-no-controle-da-administracao-publica>. Acesso em: 1.o out. 2019). 378 2) O controle ampliaria a segurança jurídica – Ao contrário do que supõe esta tese, muitas vezes a atuação

do TCU configura verdadeira accountability overload, comprometendo a segurança jurídica, ao invés de promovê-la. Assim, não é raro que o TCU fundamente suas intervenções em interpretação de princípios e conceitos jurídicos indeterminados, bloqueando opções regulatórias assentadas em compreensão diversa das mesmas normas.

3.3.4 Quanto às circunstâncias autorizadoras (standards) para determinada atuação