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O papel do Controle Externo, na origem e na atualidade

2 O TCU E A FISCALIZAÇÃO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

2.1 O Controle Externo, seu papel e modelos

2.1.1 O papel do Controle Externo, na origem e na atualidade

Bruno Speck assevera que o controle exercido pelas ISC, nomenclatura atribuída às entidades de controle externo da administração pública, têm origem na “apreensão liberal com a limitação do poder executivo”.139 Sendo, regra geral, instituições vinculadas aos

612/2013, com vistas à adoção de providências internas que previnam a ocorrência de outras situações semelhantes. No mesmo sentido, o manual de Auditoria Operacional assim prescreve “4 O exame da economicidade poderá abranger a verificação de práticas gerenciais, sistemas de gerenciamento, benchmarking de processos de compra e outros procedimentos afetos à auditoria operacional, enquanto o exame estrito da legalidade de procedimentos de licitação, fidedignidade de documentos, eficiência dos controles internos e outros deverão ser objeto de auditoria de conformidade. Na prática, poderá haver alguma superposição entre auditoria de conformidade e auditoria operacional”.

138 Por controle externo, Jacoby Fernandes entende ser o: “Conjunto de ações de controle desenvolvidas por uma

estrutura organizacional, com procedimentos, atividades e recursos próprios, não integrados na estrutura controlada, visando fiscalização, verificação e correção dos atos”. Ver em: JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 4.ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p.30.

139 SPECK, Bruno Wilhelm. Inovação e rotina no Tribunal de Contas da União: o papel da instituição

superior de controle financeiro no sistema político-administrativo do Brasil. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2000. p.28.

parlamentos e que funcionam como braço técnico-especializado para o controle das finanças públicas, componente fundamental para o sistema de checks and balances140, funcionando como mecanismo destinado à supervisão – “auxiliary precautions” a gestão de recursos públicos pelo Poder Executivo.141

2.1.1.1 ISC como promotoras de accountability

Novas demandas sociais, especialmente nos países em desenvolvimento – caso do Brasil, emergiram; geradas pela desconfiança dos cidadãos em relação aos seus Estados, fundadas nas reiteradas crises econômicas, em sucessivos escandalos de corrupção e na insatisfação com a qualidade dos serviços públicos entregues. Combate à corrupção e melhoria da governança pública são, portanto, demandas sociais da ordem do dia142 e estão associadas ao aprimoramento do accountability dos Administradores Públicos. Para saciar tais demandas, a doutrina vem atribuindo às ISC novos papéis, o de promotores das acepções de accountability: horizontal e transversal.143

Antes de debruçar sobre a definição dos conceitos de accountability horizontal e transversal – que importam a esta pesquisa, cabe trazer algumas premissas doutrinárias acerca das diversas acepções sobre accountability, para o perfeito entendimento da questão.

Acepção clássica associada à accountability, é o accountability eleitoral – o qual Guillermo O’Donnel trata como accountability vertical, que, em apertada síntese, trata-se da sujeição dos agentes públicos ao julgamento das urnas, às eleições periódicas; condição elementar às democracias representativas. Entretanto, as novas demandas da sociedade por melhoria dos

140 Sobre o assunto ver em: HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. Os artigos federalistas:

artigos 47-51. Revista de Informação Legislativa, v.48, n.192, p.125-136, out./dez. 2011.

141 SANTISO, Carlos. The Political Economy of Government Auditing: Financial Governance and the Rule

of Law in Latin America and Beyond (Law, Development and Globalization). Routledge-Cavendish, 2009. ebook Kindle. Posição 349. “AAAs are a critical component of the system of checks and balances in

financial governance, and contribute to anchoring the rule of law in public administration”.

142 Ibid., Posição 315. “in developing countries, concerns over corruption and calls for good governance impregnate

the consensus on how to promote economic development, build effective states and reduce poverty [...] In many developing economies, the governance of the budget process is riddled with severe dysfunctions that imperil the integrity of public finances and increase the risk of corruption, ultimately undermining citizens` trust in democracy”.

143 Neste sentido: WILLEMAN, Marianna Montebello. O desenho institucional dos Tribunais de Contas e sua

vocação para a tutela da accountability democrática: perspectivas em prol do direito à boa administração pública no Brasil. Tese (Doutorado) – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. p.55.

serviços públicos e por combate aos malfeitos vem exigindo outros controles além dos eleitorais, exigindo uma sujeição permanente dos agentes públicos ao seu escrutínio e, dando margem a criação de novas acepções sobre accountability na ciência política.144

Neste sentido, Schedler sustenta que duas são as dimensões do accountabitity; a primeira delas se refere à sujeição daqueles que exercem “alguma parcela do poder político à exigencias de transparência e motivação”, denominada de answearability; a outra – enforcement, refere-se à capacidade das agências “de accountability aplicarem sanções aos agentes que tenham violado seus deveres públicos”.145 A noção trazida por Schedler denota que accountability é a sujeição dos agentes públicos à prestação de contas à sociedade, e, caso identificadas irregularidades, à sanções. Tal noção parece englobar outras duas noções – horizonal e diagonal, de accountability, para as quais a doutrina vem atribuindo às ISC o papel de promotoras.

Guilhermo O’Donnel associa ao controle externo importante papel no combate à corrupção, qual seja o de promotor da integridade na administração pública. O autor classifica as ISC como “agências” governamentais que se destinam a promoção do accountability

horizontal, visto que detém poderes que “vão desde a supervisão de rotina a sanções legais ou

até o impeachment contra ações ou emissões de outros agentes ou agências de Estado que possam ser qualificadas como delituosas”.146 É o que Bruce Ackerman, teorizando sobre um novo modelo de separação de poderes, chama de integrity branch147, ou seja, a existência de instituições de corpos técnicos especializados e independentes capazes de combater malfeitos. Outra noção de accountability comumente associado às ISC, é a de accountability

diagonal, relacionada ao engajamento da “cidadania na atuação das instituições horizontais de

controle”, norteada pela participação dos cidadãos, pela assecuração do acesso às informações – transparência e pela interação destes com as instituições de controle.148

144 SANTISO, Carlos. The Political Economy of Government Auditing: Financial Governance and the Rule

of Law in Latin America and Beyond (Law, Development and Globalization). Routledge-Cavendish, 2009. ebook Kindle. Posição 316. “in developing countries, concerns over corruption and calls for good

governance impregnate the consensus on how to promote economic development, build effective states and reduce poverty [...] In many developing economies, the governance of the budget process is riddled with severe dysfunctions that imperil the integrity of public finances and increase the risk of corruption, ultimately undermining citizens trust in democracy”.

145 SCHEDLER apud WILLEMAN, Marianna Montebello. O desenho institucional dos Tribunais de Contas e

sua vocação para a tutela da accountability democrática: perspectivas em prol do direito à boa administração pública no Brasil. Tese (Doutorado) – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. p.47.

146 O’DONNELL, Guillermo. Accountability horizontal e novas poliarquias. Lua Nova: Revista de Cultura e

Política, v.44, 1998. O autor classifica o accountability entre horizontal e vertical; o primeiro se refere, em resumo, às instituições de controle do estado de direito, enquanto o segundo refere-se às eleições.

147 ACKERMAN, Bruce. The New Separation of Powers. Harvard Law Review, v.113, n.3, p.696, 2000. 148 WILLEMAN, Marianna Montebello. Op. cit., p.53.

À diferença da noção horizontal de accountability, que atribui às ISC a missão de sancionar – um papel coercivo, a noção diagonal parece atribuí-las outro papel, qual seja o de colaborar com o controle social. Nesse sentido, “cada vez mais o controle e o accountability do Estado são inseridos num contexto de ampliação dos espaços democráticos, que precisa chegar aos cidadãos”.149 Portanto, ao reconhecê-las como entidades capazes de promover o accountability horizontal e diagonal, às ISC vem sendo atribuidas novas funções, a de agente promotor do controle social e a de ator apto a sancionar malfeitos.

2.1.1.2 ISC como promotoras da Boa Gestão

Outro papel, reconhecido na Convenção das Nações Unidas, desempenhado pelas ISC, é a promoção da “eficiência, accountability, efetividade e transparência da Administração Pública”150, mediante sua contribuição com a avaliação externa da atividade governamental. Trata-se de papel com nítida origem na doutrina do New Public Management (NPM), que deu origem à sucessivas reformas na administração pública de diversos países e que direcionou o controle estatal foco do controle estatal dos procedimentos para o controle dos resultados.151

Neste sentido, Carlos Santiso sustenta que as ISC contribuem para a Administração Pública em dois termos: o primeiro se refere ao estímulo da melhoria gerencial, ao qual ele chama de positivo; o outro, chamado pelo autor de negativo, se refere à prevenção e ao combate dos malfeitos.152

149 PÓ, Marcos Vinicius; ABRUCIO, Fernando Luiz. Desenho e funcionamento dos mecanismos de controle e

accountability das agências reguladoras brasileiras: semelhanças e diferenças. RAP, Rio de Janeiro, v.40, n.4, p.670, jul./ago. 2006.

150 É o que prescreve Resolução da Organização das nações unidas: “Promoting and fostering the efficiency,

accountability, effectiveness and transparency of public administration by strengthening supreme audit institutions”. (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY. Resolution A/RES/69/228. Promoting and

fostering the efficiency, accountability, effectiveness and transparency of public administration by strengthening supreme audit institutions. Disponível em: <https://www.intosai.org/fileadmin/user_upload/ EN_Resolution_69_228.pdf> Acesso em: 26 nov. 2019).

151 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. A reforma do estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle.

Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997. (Cadernos MARE da Reforma do Estado, v.1). p.37.

152 SANTISO, Carlos. The Political Economy of Government Auditing: Financial Governance and the Rule

of Law in Latin America and Beyond (Law, Development and Globalization). Routledge-Cavendish, 2009. ebook Kindle. Posição 373. “the contribution of AAAs to public sector is defined both in positive (improving

government financial management) and negative terms (prevent corruption and minimising mismanagement), often refleting diferente legal traditions of public management and fiscal control”.

É possível, portanto, inferir que às ISC vem sendo atribuído o controle externo da Administração Pública em duas dimensões: coercitiva153, quando destinada à saciar as demandas por accountability horizontal – associadas ao combate à corrupção; e

colaborativa154,155 quando busca aprimorar a gestão dos recursos públicos e fomentar o controle social; dimensões que encontram pertinência na “falta de confiança e na intolerância da sociedade com desperdício de recursos públicos”.156

A seguir, serão estudados os modelos de ISC e, consequentemente, como as novas dimensões foram por elas absorvidas. Dado que este trabalho se destina ao estudo do controle exercido pelo TCU sobre questões operacionais, análises mais profundas serão dirigidas às mudanças operadas pela dimensão colaborativa do controle, notadamente no que se refere às ISC do modelo de tribunais de contas.