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1.2 SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO DA CIÊNCIA E A EPISTEMOLOGIA DA PESQUISA-AÇÃO

1.2.3 Convergência de Pensamentos da Sociologia do Conhecimento Científico

conhecimento e à ciência, vou expor alguns pontos que considero relevantes para a compreensão da ciência como uma das dimensões do conhecimento e como esta é resultado de determinadas relações sociais. Para tanto discuto duas questões. A primeira se refere de como a pesquisa-ação se constrói, e a segunda questão é o debate sobre a relação dos pressupostos da sociologia do conhecimento científico e da pesquisa-ação.

O argumento inicial que destaco é que a pesquisa-ação constrói seus parâmetros a partir da historicidade dos sujeitos sociais implicando-os em sua objetividade, é a aplicação do princípio da causação social da ciência. Este pressuposto rompe com a ideia universalista e generalista da ciência. Ela é contextualizada, isto é, aproxima-se da realidade dos diversos contextos socioculturais, princípio da relacionalidade de Mannheim, porque é destes que emergem os sentidos cognitivos significantes direcionados para a resolução de problemas concretos, princípio da instrumentalidade, negociados entre os pesquisadores-atores e os atores-

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pesquisadores. É necessário compreender que a contextualização da ciência não é lida com uma perspectiva determinista, mas interpretada dialeticamente, possibilitando a leitura de mundo que faz visualizar a transformação da realidade vivida.

Ao relativizar a ciência e contextualizá-la, princípio da naturalização, os sujeitos sociais e cognoscentes são compreendidos como seres que possuem valores, são políticos e são orientados por desejos. Não diferente é a ciência, princípio do construtivismo, ela é um produto da construção social que se dá por intermédio dos interesses que definem os diferentes grupos sociais implicados. Esta concepção de ciência gera metodologias através das quais pesquisadores se implicam com os grupos sociais, valorando seus conhecimentos e construindo por via de processos interacionais as respostas que são necessárias para as problemáticas vivenciadas. Portanto, a ciência relativizada e contextualizada, orientada sob os princípios da pesquisa-ação tem como pressuposto a participação dos sujeitos sociais e cognoscentes, e como finalidade a transformação de determinadas realidades.

É interessante indicarmos que o conhecimento científico é considerado como um dos fundamentos de verdade, não único. Distintamente do princípio positivista que valora a ciência como o conhecimento, portanto o único verdadeiro e válido, a verdade na pesquisa-ação é resultante da construção coletiva. O conhecimento é válido enquanto produtor de soluções para a organização da vida da comunidade. A verdade está próxima do mundo da vida e não uma abstração longínqua do sistema, do mercado, do Estado. Há, portanto um processo dialógico e dialético entre os diversos saberes e os conhecimentos científicos que se reconstroem continuamente e de forma inter-relacional.

Abordo agora a relação da sociologia do conhecimento da ciência e a pesquisa-ação. Destaco a relevância do diálogo de saberes construídos com base na filosofia relacional entre diferentes conhecimentos. Apreendo que tem duas conseqüências importantes. A primeira se refere à análise e compreensão da ação dos atores sociais nos seus contextos. A segunda se refere ao processo de pesquisa participativa e interativa. Estas duas dimensões caracterizam a ciência como uma construção social voltada para a democratização cognitiva e das relações sociais.

Ao fazer a leitura da relacionalidade da ciência destaca-se a contextualização e a historicização da ciência, esta como resposta aos problemas sociais. Considero que este cenário é consequência e constituinte da interrelação da universidade e da sociedade para a compreensão e a resolução de problemas pertinentes e a produção social de conhecimentos edificantes. Leva a

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uma racionalidade aberta, que capaz de incorporar os múltiplos saberes é da mesma forma acolhedora e reconhecedora das múltiplas culturas e das diversas visões de mundo. Este olhar ao mesmo tempo crítico e propositivo terá que ser necessariamente dialógico, no sentido da radicalidade desenvolvida por Freire (1983), isto é, o encontro dos diferentes, não dos desiguais, que se refazem no encontro e constroem um mundo solidário. Para tanto é necessária a reinvenção da universidade, da ciência e da tecnologia, para a construção de uma heterotopia, socialmente emancipatória (SANTOS, 2000).

Este olhar da sociologia do conhecimento é diferenciado das concepções da sociologia da ciência desenvolvida por Latour (2000) em Ciência em Ação ao elaborar uma teoria que demonstra a perspectiva de relativização da ciência e da crítica aos modelos clássicos da epistemologia. Latour foca o processo de produção da ciência, e em vez de interpretar restritamente a ciência na condição de produtos investiga as relações microssociais e os poderes que se constituem para a sua produção.

Tem este autor uma visão da dinâmica da ciência analisando a passagem de objetos estáveis e frios para objetos instáveis e quentes, isto é, que percebe e discute a presença ativa dos pesquisadores, dos humanos e dos não-humanos. Para captar tais dimensões realiza a observação direta e participante, a leitura da interação dos sujeitos da comunidade de pesquisa, portanto traduz a concepção que as ciências, os fatos e os artefatos são construções coletivas e a análise da produção social do objeto científico.

Há uma relativização da ciência, isto é, as ciências como construção social e contextualizada nos processos inerentes à lógica das próprias ciências. Há um contexto epistemológico de estranhamento e de problematização das ciências para melhor compreendê-las. As controvérsias são valorizadas para a elaboração e a compreensão das ciências. A ciência como

caixa preta necessita ser aberta e ser olhada por dentro para decifrar os seus mistérios.

Guardadas as diferenças em relação à pesquisa-ação que tem como objetivo claro a transformação da realidade social, via a produção social do conhecimento, infiro que a teoria da

ciência em ação, com enfoque fenomenológico, tem pressupostos importantes para a

compreensão do sentido da ciência relativizada e da presença dos atores sociais na construção. As controvérsias, os conflitos, as estratégias, os poderes de decisão são comuns nas práticas científicas. Os espaços microssociológicos, as ações dos atores sociais, a formação de redes de atores na construção social da ciência, as estratégias para a apreensão cognitiva dos espaços

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macrossociológicos como o mercado e o Estado, destacando a diferença na teoria da pesquisa- ação que tem como princípio de ação e a teoria da ação na pesquisa e leitura do sentido dos atores sociais, podendo estes chegar ao propósito da transformação ou à sua negação.

Os meus argumentos estão em conformidade com a compreensão de que a sociologia do conhecimento da ciência trouxe desafios importantes para o entendimento e para a ação no campo científico. Relevo que com a afirmação que as ciências são resultantes dos contextos sociais, houve um movimento reflexivo que acentuou a ideia da construção social da ciência, do conhecimento científico, vinculado aos interesses e vontades de determinados grupos sociais, da relacionalidade da ciência como um processo que de justificação da validade ligada aos contextos socioculturais, e, da discussão da ciência não por seu ethos valorativo inerente e neutro, mas em conformidade com a capacidade de respostas que é capaz de gerar para as problemáticas do ambiente na qual é gerada e desenvolvida.

A nova configuração cognitiva e social do conhecimento científico é bastante controversa. Tem implicações de compreensão do seu significado, da justificação de sua validade, na aceitação e ou rejeição dos novos princípios, na institucionalidade do campo científico ou das disputas que ocorrem na comunidade científica para a afirmação do conceito e das práticas sociais da ciência, passando pelas políticas públicas, pela organização das relações internas das universidades e das relações que são estabelecidas com determinados grupos sociais. Vale dizer, a sociologia do conhecimento da ciência reflete sobre a ciência como um produto histórico, resultado de seu tempo e dos espaços que as constituem. Ela é destituída do seu poder imanente e constitui-se em processo politizado. Compreendemos que a ciência relacional politizada que nasce desta concepção tem relevância social maior, porque permite e exige o diálogo criativo e reconstrutivo voltado para a própria ciência e mais interessante ainda, no diálogo aberto e constitutivo com os demais saberes.

É na abrangência cognitiva e social deste contexto que a pesquisa-ação se configura no movimento de elaboração e re-elaboração do conceito e das práticas sociais da ciência. Ela nasce e é formadora das ciências relacionais, históricas, contextualizadas e construtivas. Não me parece sensato separar os questionamentos e as proposições da pesquisa-ação da sociologia do conhecimento da ciência, visto a percepção e a perspectiva de reconstrução do estatuto científico, aproximando a produção e a aplicação do conhecimento da ciência aos contextos sociais.

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Portanto, os processos de relacionalidade, historicidade e de contextualização da ciência são a base epistemológica da pesquisa-ação.

67 2 EDUCAÇÃO E SOCIOECONOMIA SOLIDÁRIA

2.1 EDUCAÇÃO SOLIDÁRIA: PROCESSOS CRÍTICO-PROPOSITIVOS PARA UMA