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2.2 PROCESSOS FILOSÓFICOS E SOCIETAIS DA SOCIOECONOMIA SOLIDÁRIA E AS POSSIBILIDADES DE

2.2.1 Traços da Sociedade Hegemônica e Processos de Contradição

O capitalismo monopolista globalizado caracteriza-se, fundamentalmente, pela concentração e centralização das riquezas, portanto, da geração da pobreza e da exclusão social.

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Milton Santos (2000) interpreta que o estágio atual da humanidade se ilustra melhor pela sua “perversidade sistêmica”, que envolve não a globalização enquanto um encontro entre os povos e as nações, mas como um sistema de relações “globalitárias”, através das quais países “globalizadores” impõem políticas e economias a outros países, os “globalizados”.

Esta configuração reafirma a dominação e a exploração, que gesta a miserabilização de dois terços das gentes em todos os continentes, ou como apresenta Chesnais (1996) a relação entre o Norte rico e o Sul pobre. Esta configuração mundial redesenha, ou apresenta-se aparentemente como nova, mas reafirma velhos preceitos econômicos e políticos, que submetem povos e nações. Neste sentido deve-se compreender o terrorismo e o imperialismo, duas faces de uma mesma fórmula de ação e de relação político-econômica, que tem como fundamento a globalização promovida de forma arrogante pelos países ricos, g-8, que impõe suas políticas às outras nações – novo “globaritarismo” (SANTOS, 2000, p. 38).

A política neoliberal não propõe a gestação de espaços públicos, nega as políticas sociais, afirma o privado, apropria o estatal como privilegiamento do capital, rompe com os direitos sociais, gera a perspectiva individualista, tem como desdobramento das políticas econômicas o desemprego, a automação das relações de produção, a terceirização e a precarização do trabalho, a instabilidade social, a insegurança na terceira idade, a banalização da remuneração do trabalho, o abandono social das crianças, a baixa qualidade dos serviços públicos como saúde e educação, a burocratização das relações humanas.

Estas características levam ao que Oliveira (1999) denomina de “privatização do público”, do silenciamento através do “roubo da fala”, da “destruição da política”, da gestão do consenso via a “política policial”. Estas perspectivas são próprias do cinismo das classes dominantes, que reafirmam e asseguram o poder e as relações de dominação, que implementam as políticas privatizantes, que oneram o trabalho e remuneram o capital. Para a consecução de políticas alternativas as classes sociais dominadas é que realizam “todo esforço de democratização, de criação de uma esfera pública, de fazer política” (OLIVEIRA, 1999, p. 60).

Nesta direção compreendo que a sociedade alternativa é a que opte pela autonomia dos indivíduos, pela liberdade, pela participação, pela cooperação, pela solidariedade, pela publicidade, pela criatividade e criticidade. Esta sociedade somente poderá nascer e se desenvolver a partir dos grupos sociais dominados, por que estes é que representam a contradição

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aos processos globalitários. A classe trabalhadora, compreendida na diversidade de sujeitos coletivos, organizada e em movimento, representa o sujeito coletivo de invenção de configurações sociais que superam o privatismo e a exclusão social.

Esta perspectiva, no entanto, não poderá ser compreendida a partir de visões políticas e filosóficas ingênuas, que obscurantizam os fenômenos psicossociológicos da alienação, das ideologias dominantes das classes dominantes, que estão impregnadas nas representações e nas atitudes das classes dominadas. Como Marx explicitou, é necessária a evidenciação dos fenômenos sócio-históricos que fundamentam os processos sociais que alicerçaram as formações sociais de todos os tempos históricos. A razão crítica terá a capacidade de dialetizar os processos se houver a clarificação dos mecanismos de dominação e, por outro, os meios e os princípios de libertação, que somente poderá ocorrer em espaços sociais abertos, dialógicos, portanto políticos, e afirmativamente públicos.

Para a concretização da tendência utópica superadora, ou para a invenção do “inédito viável” conforme afirma Freire (1983), está em Morin (1996) a construção epistemológica que desafia os/as pesquisadores/as e educadores/as a ultrapassar o paradigma da ciência moderna, que inaugurou e implantou a razão reducionista e fragmentada, gestora da “inteligência cega” ou “sem consciência”.

Fazer ciência, com consciência, é a capacidade de desenvolvimento de um pensamento embasado na complexidade das relações sociais, isto é, uma inteligência que relacione as partes e apreenda a totalidade dos fenômenos. O pensamento complexo não permite reduzir uma das partes do todo, como o econômico ou o político, e o considerar como o próprio todo. Mas o pensamento complexo leva à percepção e ao conhecimento das relações e interdependências das partes que constituem o todo. Ora, o projeto societal alternativo para não incorrer nos mesmos limites dos projetos societais modernos, necessita se embasar filosoficamente em um paradigma que abranja a totalidade dos fenômenos.

Para a consecução do alternativo, enquanto um projeto popular, por isso democrático, Milton Santos (2000) desenvolve um pensamento que conjuga perspectivas que desconstroem os limites existentes na sociedade globalitária. Propõe o autor a superação da dicotomia entre a política e a técnica, da soberania do econômico sobre o social, do detrimento das políticas sociais e públicas, o privilegiamento do privado, do pensamento único contra a consciência universal, da

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competitividade sem compaixão e o despotismo do consumismo contra a solidariedade e a cooperação. Ainda, de um sistema perverso centrado no totalitarismo da informação e no imperialismo do dinheiro em detrimento da comunicação, da intersubjetividade, das trocas solidárias e da colaboração, da tecnociência e da burocratização em desprezo à liberdade criadora, das lógicas exógenas destruidoras das dialéticas endógenas, das relações humanas verticalizadas em detrimento das horizontalidades inauguradoras das relações solidárias, fundamentadas no sentido da construção cotidiana dos cidadãos.

“A nova paisagem social resultaria do abandono e da superação do modelo atual e sua substituição por outro, capaz de garantir para o maior número a satisfação das necessidades essenciais a uma vida humana digna, relegando a uma posição secundária necessidades fabricadas, impostas por meio da publicidade e do consumo conspícuo” (SANTOS, 2000, p. 148).