• Nenhum resultado encontrado

2.2 PROCESSOS FILOSÓFICOS E SOCIETAIS DA SOCIOECONOMIA SOLIDÁRIA E AS POSSIBILIDADES DE

2.2.4 Organizações da Socioeconomia Solidária

Apresentadas as reflexões teóricas e princípios de fundamentação, explicito algumas iniciativas de organização da socioeconomia solidária. Destaco o cooperativismo como um “embrião socialista” conforme a expressão de Frei Betto (2000, p. 22). O cooperativismo constitui-se como um meio de organização dos trabalhadores. Enfrenta conforme Rech (2000) a dupla natureza mobilizadora. Funciona ao mesmo tempo como uma “entidade social (um grupo organizado de pessoas) e uma unidade econômica (uma empresa financiada, administrada e controlada comunitariamente)” (p. 22).

Embora os princípios cooperativistas afirmem sua autonomia, a democracia interna, a participação autêntica, a livre adesão dos associados, a transparência da contabilidade, a publicidade dos atos e dos fatos, a autogestão, perceberam-se situações-limites na gestão do sistema cooperativista, quanto a

“corrupção e o clientelismo [que] campearam soltos no meio cooperativista, sustentados por estados autoritários ou paternalísticos e por uma estrutura viciada que submeteu as cooperativas (ao contrário da maioria dos demais países) as instâncias governamentais (ao INCRA por longo tempo) a um estatuto-padrão centralizador e, ao mesmo tempo, a uma instância paraestatal (a OCB), impedindo a participação, a autonomia e a criatividade dos seus participantes” (RECH, 2000, p. 63).

Singer e Souza (2000) organizaram uma obra que discute e apresenta diversas iniciativas da socioeconomia solidária no Brasil. Esta obra explicita que a matriz formadora é diversa e se centra em atividades múltiplas. Como existem configurações sociais diferenciadas no Brasil, conforme a organização mais tênue ou a mais consistente, vão se estruturando processos que desenham cenários de economia solidária.

Desta forma tem-se como fontes organizadoras da socioeconomia solidária, fábricas em estado falimentar, iniciativas de grupos formadores de cooperativas industriais, de consumo, de trabalho, da organização ligada ao MST, de iniciativas na habitação. Destacam-se ainda as organizações de crédito, de clubes de troca.

106

No processo de organização da socioeconomia solidária surgiram entidades e órgãos que fundamentam pela pesquisa e pela gestão, os princípios, as metodologias e as dinâmicas da economia solidária. Explicito algumas experiências no Brasil que trabalham no desenvolvimento e na expansão da solidariedade. Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária (ANTEAG); Incubadoras de Cooperativas Populares (IPCP); Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos (DIESSE); Central Única dos Trabalhadores que criou (CUT) a Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS); Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS); Rede Interuniversitária de Estudos e Pesquisas (UNITRABALHO); Cooperativas de Reforma Agrária no Brasil (CONCRAB); Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Projetos Alternativos Comunitários (PAC), promovidos pela Cáritas; Fundação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (FASE); Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários (UNISOL Brasil); União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (UNICAFES).

Estas iniciativas, enquanto embriões da socioeconomia solidária se encontram em estado de constituição, por isso a necessidade da interrelação e a troca de experiências, das dificuldades e dos avanços, dos diversos movimentos e organizações para a formação de uma rede que possibilite a conexão entre os múltiplos sujeitos coletivos que configuram a historicidade da cooperação e da solidariedade. A colaboração solidária, como demonstra Mance é

“algo forte, que dificilmente se deixa destruir, por uma força externa. [...] possui um sentido moral que vincula o indivíduo à vida, aos interesses e às responsabilidades de um grupo social, de uma nação ou da própria humanidade. Ela indica uma responsabilidade entre pessoas unidas por interesses comuns, de maneira tal que cada elemento do grupo se sinta na obrigação moral de apoiar os demais” (MANCE, 2002, p. 17).

Se as experiências iniciadas e implantadas pelos grupos sociais implicados na socioeconomia solidária, ficarem isoladas haverá um processo fragilizador dos atores dos movimentos. Esta assertiva conduz à afirmativa da necessidade da constituição e da ampliação das redes, que simbolizam a passagem e a influência dos micro-espaços e das micro-iniciativas, para a estruturação e a relação da socioeconomia solidária na macro-organização, abrangendo políticas públicas dos estados nacionais. Além de romper estas fronteiras, estabelece contatos colaborativos e cooperativos entre os povos e culturas diversas.

107

Mance diz que a rede é uma articulação entre diversas unidades que, através de certas ligações, trocam elementos entre si, fortalecendo-se reciprocamente, e que podem se multiplicar em novas unidades, as quais, por sua vez, fortalecem todo o conjunto na medida em que são fortalecidas por ele, permitindo-lhe expandir-se em novas unidades ou manter-se em equilíbrio sustentável. Cada “nódulo da rede representa uma unidade e cada fio um canal por onde essas unidades se articulam através de diversos fluxos” (Ib. p. 24).

Estas reflexões no meu entender estão em correspondência propositiva ao que Gutiérrez e Prado (2000) denominaram de “cidadania planetária”. Esta acepção traduz uma perspectiva de organização da vida que percebe de forma interrelacional a integração dos homens no exercício da cidadania no tempo e no espaço cotidiano e planetário. Distintamente da globalização que é excludente e dominadora, a planetariedade é gestora das relações solidárias e de intercooperação entre os povos, objetivando a sustentabilidade do planeta terra, visto a partir da complexidade que o formam, quanto às dimensões culturais e biofísicas.

Para concluir elucido que interpreto a socioeconomia solidária como um projeto societal e epistemológico que poderá produzir respostas pertinentes para os problemas da humanidade, a partir das experiências concretas e das reflexões que estão sendo realizadas. Para tanto o diálogo deve ocorrer com as dimensões da sustentabilidade, da planetariedade e da complexidade. Neste sentido, a socioeconomia solidária, enquanto um projeto alternativo de sociedade deve desconstruir os fundamentos da razão instrumental ou economicista, próprios do projeto societal moderno da burguesia. O projeto societal dos trabalhadores/as que são os fundadores e os gestores da solidariedade e da cooperação como projeto social, deve promover o desenvolvimento integral do ser humano, a conservação da natureza, a compaixão pela terra e pelo outro, a ética universal, o projeto do humanismo social. A socioeconomia solidária é a construção do movimento que reúne homens e mulheres, raças e povos, indivíduos e grupos sociais em prol da vida.

109

3 RELAÇÃO DA UNEMAT E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO NA CONSTRUÇÃO DO CAMOSC

3.1 A INSTITUCIONALIZAÇÃO E A PROPOSTA DE CURRÍCULO DE FORMAÇÃO DO AGRÔNOMO TÉCNICO-MILITANTE NO CAMOSC

Neste capítulo reflito sobre a experiência de formar agrônomos técnico-militantes e educadores do campo realizado no Curso de Agronomia dos Movimentos Sociais do Campo (CAMOSC). Pergunto e argumento sobre as possibilidades de construção de ações contra- hegemônicas na universidade, interpretando a experiência da UNEMAT, no processo de construção de um currículo adequado para as demandas dos MSC. A reflexão sobre a universidade está correlacionada aos movimentos sociais do campo, com maior intensidade o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Com menor presença no curso e, por conseguinte no texto, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), a Pastoral da Juventude Rural (PJR) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Para explicar o sentido da contra-hegemonia, sigo os passos reflexivos de Apple (2006), que a compreende como o processo constituinte de conhecimentos e práticas sociais que não se limitam ao campo da reprodução social e cultural dos valores e das ideologias dos grupos sociais dominantes. Antes é uma construção de concepções e de ações que ao mesmo tempo em que resistem aos domínios científicos e tecnológicos, no caso específico da reflexão aplicada à produção e à organização camponesa e contraposta ao conjunto dos conhecimentos socialmente legitimados ao que hoje é conhecido no Brasil como agronegócio. A proposição curricular do técnico-militante e educador do campo tem ainda uma dimensão adicional que é a constituição propositiva coletiva de conhecimentos que correspondam às configurações econômicas e culturais das organizações camponesas.

O agrônomo técnico-militante e educador do campo é neste sentido um intelectual com formação científica e política que apreende a complexidade da economia e da cultura camponesa. É no meu entender a construção social da realidade, que nela inserida e compromissada, portanto além da perspectiva da neutralidade da ciência, assume a direção do conhecimento-emancipação. Objetiva desenvolver práticas sociais, produtivas e organizacionais que são correspondentes com

110

a diversidade de demandas e de necessidades que configuram o modo de produzir e de organizar as comunidades do campo. A militância desejada pelos movimentos sociais do campo é a afirmativa do compromisso e da inserção, do ir além do simples contrato burocrático. É a condição e a atitude de possuir uma ideologia e uma epistemologia que fluem para a superação das situações limitantes das possibilidades de desenvolvimento integral da vida no campo.

Foi com a concepção de ciência fundamentada na epistemologia da pesquisa-ação, orientado pelos pressupostos da inserção e do compromisso que o CAMOSC foi desenvolvido na Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). O curso se caracterizou como de graduação na modalidade de bacharelado em agronomia e teve início em agosto de 2005, com 72 estudantes, e integralizou suas atividades com 48 estudantes em julho de 2010 ao completar 10 módulos de formação em alternância entre Tempo Escola (TE) e Tempo Comunidade (TC). A própria ideia de alternância, constituiu para o processo formativo o desenho curricular de promoção da formação e da produção social de conhecimentos que pudessem ter aderência e estivessem ancorados com aos contextos concretos da vida e do trabalho dos camponeses.

Para explicar o contexto da formação, abordo o desafio de formar um profissional, que ao não corresponder aos moldes da universidade com sua organização curricular hegemônica, propõe ir além da formação tradicional, do conhecimento-regulação, consensuada e legitimada pelas políticas públicas e pelas ideologias dos grupos sociais dominantes de formação profissional. Tenho como pressuposto que as concepções e as práticas curriculares dominantes nos espaços universitários não estão de acordo com as necessidades tecnológicas e científicas da economia e da cultura camponesa. Ao colocar este contexto de reflexão, levanto a questão sobre as possibilidades curriculares e de formação de técnicos militantes, pensando sobre os limites inerentes à universidade e das reconstruções epistemológicas que ocorrem nos movimentos sociais do campo.

Parto da ideia que na UNEMAT, no sentido das controvérsias científicas e em conformidade com o conceito de “tradição seletiva” apresentado por Apple (2006) tendeu a apresentar um currículo pronto, nos moldes de outros cursos, nos quais os professores e pesquisadores foram formados, e que têm como perspectiva dominante a configuração dos conhecimentos em conformidade com o agronegócio. No entanto houve um choque de percepções a partir do momento em que os movimentos sociais do campo sugeriam um curso a

111

partir das suas necessidades, quando afirmaram a formação de “um agrônomo que fosse técnico- militante, que conhecesse a terra e o povo que com ela trabalhasse, que fosse povo que trabalha com a terra e não aquele que só prescreve o que tem que ser feito e pega o dinheiro do povo e vai embora” (avaliação realizada no CAMOSC). Posso aferir, ao pesquisar o processo de construção do CAMOSC, que os movimentos sociais do campo sabiam o que queriam e o que não queriam com a formação em agronomia.

Aqui discuto uma ambiguidade, presente no processo de institucionalização do projeto do curso. Primeiro considero que a universidade como instituição secular e orientada pelo seu estatuto, tem em suas estruturas a rigidez da academia embasada em verdades que são apresentadas como absolutas, fechadas e inquestionáveis. Por segundo, e aqui reside a possibilidade de abertura, é o reconhecimento que em seu interior existem professores, pesquisadores e funcionários que acreditam e lutam por uma universidade com outras características: para todos que nela querem estudar; democrática, flexível, avaliada constantemente por seus pares e com forte compromisso social. Para isso esses professores e funcionários, que Apple denomina de ativistas críticos, trabalham para a concretude de um número cada vez maior de ações contra-hegemônicas, como entendo foi o caso do CAMOSC, por acreditarem numa universidade de todos àqueles que buscam a transformação da sociedade.

3.1.1 O CAMOSC como uma Possibilidade de Ações Contra-hegemônicas de

Formação

Quando os Movimentos Sociais do Campo (MSC) demandaram à UNEMAT no ano de 2004 um curso de agronomia, explicitaram que buscavam um curso que formasse um agrônomo comprometido com as necessidades dos Assentamentos de Reforma Agrária do Brasil. A possibilidade institucional de ofertar esse curso se deu por convênio estabelecido entre UNEMAT e o Programa Nacional de Educação e Reforma Agrária (PRONERA), como foi registrado no Projeto Político Pedagógico (PPP) do Curso na primeira versão:

Em 2004 a nova Reitoria da UNEMAT recebeu visita de comitiva dos Movimentos Sociais, liderados pelo MST, reivindicando a oferta de uma turma de agronomia, exclusivamente para eles. A Reitoria designou uma comissão para elaborar o anteprojeto que agora se consubstancia, depois de diversas reuniões preparatórias em Cuiabá, Tangará da Serra, Cáceres e Brasília (UNEMAT, PPP/CAMOSC, 2004, p. 6).

112

No processo de construção da proposta política pedagógica os MSC demonstravam, desde o princípio, a necessidade de serem ouvidos e o desejo de uma participação ativa no processo de propositura, implementação, execução e avaliação da formação. Para isso a UNEMAT constituiu uma comissão de elaboração do PPP do Curso de Agronomia dos Movimentos Sociais do Campo, com a participação de gestores, professores, agrônomos e militantes dos movimentos sociais do campo (MST, MPA, PJR e CPT). Pela feitura do curso, tanto em termos epistemológicos quanto políticos, compreendo que o desenho institucional e a concepção da formação se caracterizaram desde o princípio uma ação contra-hegemônica. A segunda razão da afirmativa é que o curso foi ofertado para jovens e adultos de classes sociais desprivilegiadas, a grupos oprimidos com a participação ativa e permanente dos militantes e dos estudantes, discutindo questões tais como: “que tipo de conhecimento que é e deve ser ensinado e sobre como o ensino e a aprendizagem devem ser avaliadas” (APPLE, 2006, p.7).

O oferecimento do Curso de Agronomia com ênfase em Agroecologia e Socioeconomia Solidária pela UNEMAT se faz necessário em função de atendimento aos anseios dos movimentos sociais ligados às comunidades rurais, quanto à necessidade de formação profissional em terceiro grau para trabalhadores rurais que vivem em projetos de Reforma Agrária (UNEMAT, PPP/CAMOSC, 2004, p. 6).

Os MSC traziam à universidade uma demanda a partir da realidade vivida nos assentamentos de reforma agrária de sete Estados brasileiros e que justificavam a propositura e a abertura deste curso em virtude das necessidades e do projeto social e produtivo, conforme fica explicitado na primeira versão do projeto do curso:

Portanto, este curso de graduação está sendo proposto para atender demandas oriundas de trabalhadores de Rondônia, Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Tocantins e Minas Gerais que compõem o bioma Cerrado, conforme manifestações dos movimentos sociais. Esta região possui uma nítida vocação agropecuária, uma enorme área agricultável, milhares de famílias em centenas de assentamentos de reforma agrária e uma imensa diversidade biológica, onde é necessário conjugar desenvolvimento socioeconômico via produção-transformação de produtos agropecuários, aliada à proteção e conservação ambiental.

Nos assentamentos destes estados, há uma grande carência de profissionais que entendam a lógica, as necessidades, as limitações e as potencialidades campesinas, que se adaptam às especificidades dos mesmos, enquanto agricultores familiares inseridos em um processo de produção e reprodução no contexto de Reforma Agrária, em região de fronteira agrícola no berço das águas brasileiras. Coloca-se então em relevância a capacidade dos trabalhadores desse setor, principalmente para atender às demandas específicas dos programas de Reforma Agrária e da agricultura familiar e camponesa, diante do potencial domodo de produção agroecológico em gerar trabalho e renda no campo, com custos (por vaga) menores do que a agricultura industrial e as atividades urbanas, além de proporcionar produção de alimentos sadios/saudáveise de forma limpa.

113

Para melhor aproveitamento deste potencial, além da tradicional busca do aumento da produção-produtividade-desempenho, deve-se buscar ampliar o nível de segurança- soberania alimentar, otimizar o abastecimento, aumentar valor aos produtos via processamento, melhorar a qualidade dos alimentos (valor biológico), bem como das condições de vida rural. Para isso, é necessário que se desenvolvam tecnologias ajustadas ao cenário, pesquisa participante e que se ofereçam oportunidades de formação profissional, sendo que este curso representa a possibilidade concreta da busca deste mister.

A UNEMAT, através da criação desse curso, contribuirá para que os Estados da região Centro-Oeste e dos Estados de Rondônia, Minas Gerais e Paraná possam acelerar o desenvolvimento de diferenciados modelos de produção agropecuária, criando nesse setor um novo fator de evolução socioeconômico, produzindo mais alimentos saudáveis, numa relação mais harmoniosa com o meio ambiente (UNEMAT, PPP/CAMOSC, 2004, p.6-7).

Incorporo esta citação, apesar de longa, porque nela fica explicitada a propositura do curso, que justifica a sua abertura. Nela se percebe a relação da educação (formação pretendida) com a realidade trazida pelos MSC, mostrando a “relação da educação com o poder econômico, político e cultural” (APPLE, 2006, p.7) e como se concretiza na proposta curricular da formação.

A comissão de elaboração do PPP do curso elaborou a partir de experiências de cursos de graduação já desenvolvidos na UNEMAT no Programa Agro-Ambientais7, em conformidade com as diretrizes nacionais curriculares dos cursos de bacharelado em agronomia e o que demandavam os movimentos sociais do campo.

Ou seja, havia uma matriz curricular que fazia parte de uma propositura de formação de bacharéis em agronomia, que era avaliada pela universidade como possível de ser ofertada para e com os MSC. Esta propositura levava em consideração os alertas de Apple (2006): “há um conjunto de relações entre quem, de um lado, tem poder econômico, político e cultural na sociedade e, de outro, os modos pelos quais se pensa, organiza e avalia a educação” (p.7).

Avalio que por mais que se procurou propor a partir da realidade descrita pelos movimentos sociais do campo, só quando se vive a realidade, sente, investiga e avalia é que é possível se aproximar do necessário e do desejado. Neste sentido foi muito importante para a universidade, no processo de propositura, “dar voz a quem demanda a formação de ensino

7

O Programa Agro-Ambientais foi gestado, pensado e implantado na Universidade do Estado de Mato Grosso em 2001 com quatro habilitações: Agronomia, Engenharia Florestal, Biologia e Zootecnia. Foi concebido como uma construção epistemológica e curricular que articulava diversas áreas de conhecimento e tinham na concepção do objeto como uma totalidade e embasado na construção do conhecimento a partir da investigação. Este programa que representou um avanço na instituição, foi destruído nela mesma, por razões administrativas, políticas e epistemológicas.

114

superior”. Apesar do que nos diz Apple e Buras (2008) “seja em sala de reuniões, seja em salas de aula, tanto na escolarização em casa quanto em comunidades escolares, universidades ou fundações, cada espaço se caracteriza pela dinâmica do poder diferencial e pelas complexidades e contradições da identidade e da ação” (p.14). Pode até ser que o poder seja desigual, porém a importância de propor junto foi materializada pelo engajamento com a formação a ser desenvolvida.

Como parte da propositura inicial, diferente dos cursos de agronomia ofertados regularmente, foi negociada e constituída a ênfase desse curso em agroecologia e socioeconomia solidária, a partir das necessidades trazidas pelos MSC, do grupo de professores e gestores ligados à universidade e ao Programa Institucional de Educação e Socioeconomia Solidária (PIESES)8. O objetivo geral da formação desenvolvida pelo curso foi:

Oferecer um curso de graduação em agronomia com ênfase em agroecologia e socioeconomia solidária, para trabalhadores vinculados aos movimentos sociais de assentamentos rurais, na perspectiva de formar profissionais voltados para os problemas e potencialidades regionais, focados na práxis da agricultura familiar de assentamentos da reforma agrária, buscando suprir a carência de profissionais, tecnicamente e adequadamente preparados, para atuar de forma competente e comprometida junto a este segmento da agricultura brasileira, a partir de uma nova matriz paradigmática. (UNEMAT, PPP/CAMOSC, 2004, p. 13).

A elaboração do PPP foi finalizada, encaminhada e rediscutida com a avaliação dos movimentos sociais do campo. Internamente à universidade, o projeto foi encaminhado aos conselhos superiores e foi aprovado Ad referendum pelo reitor, fruto da capacidade de diálogo tanto interna do grupo de professores ligados ao PIESES, quanto dos MSC que tinham como propósito garantir um dos mais básicos direitos humanos: “o direito a um processo de ensino verdadeiramente livre e democrático” (APPLE, 2006, p. 8).

Após a feitura do projeto e a assinatura dos convênios foi aberto o Edital de Concurso Vestibular9 em regime especial tendo como público alvo:

8 O PIESES é uma organização política e epistemológica que reúne pesquisadores e professores para o desenvolvimento de atividades investigativas e formativas que tem como fundamento e como orientação a concepção da ciência democrática, na perspectiva de Boaventura de construção social de um conhecimento prudente. Avaliamos